Maconha é tema no cinema e na rua no Canadá

Bel Powley e Richie Merritt sentados frente a frente em uma mesa, em cena do filme ‘White Boy Rick’, exibido em Toronto, que retrata uma Detroit assolada crack. Maconha.

Festival de Toronto exibe filmes sobre drogas e dependência química que não poupa nem mesmo a maconha, uma ironia no país que está prestes a liberar o uso recreativo da erva. As informações são da Folha de S.Paulo.

A uma quadra de um cinema repleto de filmes sobre os tormentos da dependência química, três rapazes sorridentes se postam diante de um contêiner amarelo numa calçada de Toronto. Ali, como se estivessem a apresentar diferentes torrões de café, o que mostram em displays são imitações de cepas de maconha.

Há seis variedades, cada uma com um slogan maroto. O da “balance” é “pule a aula de ioga e ainda assim fique zen”. A “free”, composta de canabidiol, é a “escapadinha para o spa sem a conta salgada”. Tem também a “sense”, com THC híbrido, que faz “encontrar sua pessoa interior sem precisar de garrafa de vinho”.

É tudo maconha “ecofriendly”, cultivada ao sol em estufas em Leamington, a 347 km dali, pela Aphria. Ela é uma das empresas que se prepara para o dia 17 de outubro, quando o uso recreativo da erva não será mais crime no Canadá.

Não deixa de ser irônico, contudo, que o Festival de Toronto exiba uma profusão de filmes sobre viciados em drogas. E que um deles, “Beautiful Boy”, não poupe nem a maconha.

Nesse filme de Felix van Groeningen, Nic (Timothée Chalamet) começa com um simples baseado e descamba para a heroína em bares decrépitos de San Francisco. Já “Ben Is Back”, um dos mais elogiados, acompanha Julia Roberts no papel da mãe de um jovem dependente, vivido por Lucas Hedges. Em “A Million Little Pieces”, são explorados os sufocos da abstinência. E “White Boy Rick” percorre uma Detroit estraçalhada pelo crack.

Os quatro filmes vêm dos Estados Unidos, onde a overdose matou um número recorde de mais de 72 mil pessoas no ano passado, tornando-se a principal causa de morte de americanos com menos de 50 anos. Estados como Ohio e Pensilvânia, redutos de famílias operárias empobrecidas do chamado Cinturão da Ferrugem, concentram a alta.

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Mais da metade das mortes se deve a opioides como o fentanil, medicação contra a dor vendida sob prescrição, que se alastrou como alternativa à heroína, ilegal e combatida com rigor. Numa das cenas de “Ben Is Back”, a personagem de Roberts confronta o médico que receitou morfina a seu filho. “Você falou que não havia risco de dependência e olhe só o que aconteceu”, diz.

No Canadá, a taxa de mortes por overdose é cerca de 40% da do país vizinho. A legalização da maconha é uma das principais plataformas do primeiro-ministro, Justin Trudeau. Segundo ele, a medida irá “proteger as crianças e tirar o dinheiro do bolso dos criminosos”.

A partir de outubro, só se poderá consumir maconha em planta, em semente ou em óleo. A forma comestível fica de fora. Também não se permitirão as fórmulas, o que mobilizou uma campanha pela empresa Dosist, sediada na Califórnia, que produz fitoterápicos para ingestão diária.

No centro de Toronto, a organização montou um estande que oferecia doces orgânicos e aulas de ioga e pedia às pessoas que consultassem o site. Num limbo jurídico, a Dosist não pode fazer propaganda ostensiva de suas fórmulas.

Isso não a impede de estar ali, “mostrando aos canadenses os benefícios do consumo responsável”, diz Taigh Smyth, representante da empresa americana.

No estande, Maggie, moça bronzeada que parece saída de comercial de marca californiana de surfe, alertava os interessados: “Não tem maconha de verdade aqui, pessoal”.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) de Bel Powley e Richie Merritt sentados frente a frente em uma mesa, em cena do filme ‘White Boy Rick’, exibido em Toronto, que retrata uma Detroit assolada crack.

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