Maconha pode ser alternativa eficaz aos antidepressivos convencionais

Blísteres  de remédios e cápsulas, em segundo plano, ao lado de uma porção de flores secas de maconha, sobre uma superfície de madeira. 

A ineficácia dos remédios psicotrópicos disponíveis nas farmácias, aliada à falta de instrução na classe médica sobre o uso de medicamentos não convencionais, faz com que cada vez mais pacientes busquem no cultivo caseiro de maconha o alívio para suas condições. Entenda mais sobre o assunto na reportagem da agência Saiba Mais.

As doses diárias de antidepressivos já não eram suficientes para livrar a médica Nina Lourdes de Queiroz, 58, das constantes crises de ansiedade e dos distúrbios no sono provocados pelo agravamento do quadro depressivo, descoberto há três anos. Foram inúmeras tentativas de combinar medicamentos, entre eles o popular Rivotril, para minimizar o avanço da doença. Sem sucesso.

Além de não combater a depressão, os remédios também geravam efeitos colaterais devastadores. Sonolência (dopagem) e incapacidade de realizar atividades básicas seguiam o consumo dos medicamentos ‘tarja preta’. “Deixei de viver, de aproveitar a companhia da minha família. Não conseguia mais trabalhar e estava afundada nas crises”, conta a médica.

Diante desse cenário, Nina passou a buscar tratamentos alternativos e mais informações sobre o tema. A médica era uma das mais interessadas no conteúdo dos debates realizados na 3ª edição do Fórum Delta 9 – Maconha, sociedade e saúdeO evento foi promovido pelo Coletivo Delta9 e Instituto do Cérebro (ICe), ligado a UFRN, que reuniu especialistas da Medicina e do Direito do Brasil e Holanda. Uma das novidades divulgadas durante o Fórum foi a intenção da Ong Reconstruir em comercializar maconha para fins medicinais até o final de 2018.

Uma possibilidade real para Nina surgiu no fim do ano passado. A irmã dela, Niná Lúcia Queiroz de Holanda, assistiu a uma palestra promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que discutia os efeitos medicinais da maconha (Cannabis sativa) para pacientes que sofriam de distúrbios mentais ou alterações genéticas. Niná tinha interesse particular no assunto. Isso porque o filho Guilherme, 12, é portador de autismo, transtorno que prejudica a capacidade de se comunicar e interagir. Assim como acontecia com Nina, Guilherme também não respondia ao tratamento convencional indicado para sua patologia.

Ao fim da palestra, Niná procurou indicações de como conseguir usar a cannabis para o seu filho. Os primeiros frascos de óleo extraído da planta foram adquiridos por meio de um médico pernambucano, que passou a acompanhar Guilherme. Logo nas primeiras aplicações do medicamento fitoterápico, o garoto respondeu de forma positiva ao novo tratamento. O uso da maconha com fins clínicos foi estendido para Nina, que sofria com os antidepressivos.

“Primeiro vem a rejeição, o preconceito com a maconha. Passei a vida condenando quem fuma baseado e, de repente, me vi cogitando usar maconha também. Claro que isso é reflexo da nossa desinformação. Tentei tragar o ‘prensado’, mas não consegui. Me fez mal. Então, passei a tomar o chá da folha e inalar a flor da maconha. O efeito é imediato. Um ou dois minutos depois da ingestão ou inalação já estou me sentindo melhor, mais disposta”, garante.

Nina Lourdes de Queiroz segurando um vaso com uma planta de maconha, no interior de um auditório.

#PraCegoVer: fotografia em primeiro plano de Nina Lourdes de Queiroz segurando um vaso com uma planta de maconha, no interior de um auditório.

Diante da dificuldade para obter maconha, ainda que para fins medicinais (um frasco com 30ml do óleo extraído de cannabis chega a custar mais de mil reais), as irmãs estão buscando na justiça o direito de cultivar e manusear a própria planta. “Meu sonho é não depender de remédios para tratar da minha depressão. Tenho certeza que o consumo regular da maconha, de acordo com meu peso e a minha idade, fará com que eu conviva de forma melhor com a doença”, acredita Nina.

Leia: Fumar maconha reduz sintomas de ansiedade, depressão e estresse, segundo estudo

ONG quer comercializar maconha no RN até o fim do ano

Além das ações individuais para liberação do cultivo e manuseio da maconha, a ONG Reconstruir – ligada ao movimento Delta9 – também está buscando a Justiça para garantir o direito de comercializar medicamentos à base de cannabis. O grupo segue o modelo exitoso da paraibana Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), que em 2017 conquistou o direito de cultivar e manusear maconha com fins estreitamente medicinais. A decisão da Justiça Federal em prol da associação com sede em João Pessoa foi inédita no país.

Em breve, a Reconstruir deve impetrar ação na Justiça Federal do Rio Grande do Norte com objetivo de iniciar sua produção. A organização não governamental pretende, até o fim do ano, oferecer remédios fitoterápicos para pacientes que precisam da cannabis para tratar doenças autoimunes e distúrbios mentais.

Segundo o coordenador do projeto, o publicitário Felipe Farias, a partir da expedição da liminar pela JF, as primeiras doses de óleo (diluído em azeite) e do medicamento, com cerca de 30 ml, estarão prontas para entrega em no máximo quatro meses. Cada paciente terá direito a receber um frasco com as amostras. “Hoje, temos cerca de 80 pessoas na fila de espera para serem atendidas já com prescrição da cannabis (para tratamento médico). Ou seja, mesmo sem autorização da Justiça, já há uma demanda de pacientes à espera desses medicamentos”, afirma.

Farias garante que, caso cresça a procura por medicamentos à base de cannabis a partir da liberação do insumo, a Reconstruir terá condições para suprir a demanda do mercado. “Temos totais condições de oferecer medicamentos a todos os pacientes que precisarem do óleo ou de outra forma de consumo da maconha para fins medicinais”.

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“A cultura médica precisa mudar”, defende pesquisadores durante Fórum

No último dia 26 de maio, Natal sediou a terceira edição do Fórum Delta9, criado com o objetivo de expandir conhecimento entorno da utilização de maconha em ambientes terapêuticos. O evento aconteceu no Praiamar Hotel, em Ponta Negra. Entre os principais palestrantes do seminário estavam o neurocientista potiguar Sidarta Ribeiro e o diretor da GH Medical, o holandês Joost Heeroma.

Ambos foram críticos, em suas respectivas falas, à falta de entusiasmo da medicina tradicional diante dos avanços da manipulação da cannabis para produção de remédios. Ao se referir especificamente ao cenário brasileiro, Sidarta Ribeiro afirmou que os médicos do país “não recebem, durante o período de formação acadêmica, instrução para lidar com medicamentos que fujam do que está disponível na farmácia”.

O neurocientista ainda alertou para o uso desenfreado de antidepressivos e remédios que provocam sensação de bem-estar, como calmantes, principalmente entre idosos. Para Sidarta, está sendo desenvolvida uma cultura de “tentativa e erro na medicina atual. Os médicos tentam acertar, através de experiências feitas com os pacientes, qual medicamento faz mais efeito, qual deve ser descartado, qual a dosagem certa… isso é muito perigoso e precisa mudar”.

No mesmo sentido, Joost Heeroma apresentou uma plataforma de informação gratuita desenvolvida pela GH Medical com objetivo de popularizar informações a respeito do consumo medicinal de cannabis. O pesquisador fez um alerta para a produção de canabinoides sintéticos pela indústria farmacêutica.

Segundo Joost, ao contrário do que acontece com a maconha natural, a produzida de forma sintética pode levar pacientes à overdose e, em casos extremos, à morte. Isso porque em produções sintéticas é feita a transformação da cannabis em um princípio ativo similar aos encontrados em remédios tradicionais, perdendo a essência do conteúdo fitoterápico. “Nós estamos desenvolvendo pesquisas que permitam usar a erva, mantendo suas características naturais, com objetivo de tornar cada vez mais segura a experiência do paciente”, disse em inglês.

Sidarta Ribeiro e Joost Heeroma alertaram, no entanto, para o controle moderado no uso da maconha. “Uma coisa precisa ficar clara: a maconha não pode ser consumida de forma abusiva e precoce, principalmente entre os mais jovens. Ela pode prejudicar a atividade neural e provocar síndrome amotivacional, considerando pessoas que não possuam doenças que requeiram uso da planta. Isso quer dizer que é preciso consumir maconha de forma consciente e sem excessos para evitar o desenvolvimento de várias problemas”, avaliaram.

#PraCegoVer: fotografia (de capa) em vista superior de blísteres  de remédios e cápsulas, em segundo plano, ao lado de uma porção de flores secas de maconha, sobre uma superfície de madeira.

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