Maconha é agro: bancada ruralista da Câmara quer plantio de cannabis

Fotografia que mostra Alceu Moreira, em perfil, falando a um microfone de mesa e Jair Bolsonaro e outras pessoas ao fundo, desfocado. Imagem: Marcos Corrêa | Flickr.

A liberação do plantio de maconha para a produção de medicamentos entra no radar dos ruralistas como uma oportunidade de novo negócio. As informações são do Valor Econômico

Um projeto de lei que prevê a permissão de plantios de maconha no Brasil para a produção de medicamentos atrai as atenções e representantes do agronegócio. De autoria do deputado federal Fábio Mitidieri (PSD-SE), o PL 399/2015 tramita na Câmara e conta com o apoio de parlamentares do PT, PTB, PSDB, Cidadania, PSB, PSD, Psol, PCdoB e Novo, segundo o presidente da comissão especial que trata do texto, Paulo Teixeira (PT-SP).

Do outro lado, resistentes à ideia, estão deputados da bancada evangélica. Osmar Terra (MDB-RS), próximo a Bolsonaro, é um dos porta-vozes do “não” ao projeto.

O tema entra no radar da bancada ruralista como uma possível oportunidade de novo negócio.

“O Brasil está passando por um período de grande diversificação de culturas e se essa cultura for absolutamente rentável para quem produz e absolutamente lícita e segura, eu não tenho dúvida que teremos produtores rurais querendo produzir tanto cânhamo quanto cannabis para medicamentos”, disse o presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio, Alceu Moreira (MDB-RS), que ponderou: “A frente parlamentar não aprovará nenhuma legislação que não dê absoluta segurança de que a produção seja especificamente para produtos medicinais”.

 

 

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Moreira insiste que é contrário à liberação da maconha para uso recreativo. Mas diz ver certa hipocrisia no fato de o país ter permitido a venda em farmácia de medicamentos à base de cannabis e continuar proibindo o cultivo da planta para esses medicamentos.

Presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara, o deputado Fausto Pinato (PP-SP) tem um argumento semelhante. Diz que o plantio de cannabis ou cânhamo pode se tornar um segmento a mais da agricultura familiar e do agronegócio do país, barateando a produção desses medicamentos no Brasil.

“Tudo que é para dar lucro, eu acho que interessa”, afirmou ele. “Existe aí um mercado bilionário e o Brasil já um grande exportador de grãos, de alimentos, temos a Embrapa, e com certeza poderíamos não só reduzir o preço do remédio no país, mas também ficarmos em pé de igualdade com grandes empresas canadenses e americanas”.

Produtos feitos com cannabis para ajudar no tratamento de epilepsia, Alzheimer, Parkinson, depressão, insônia, para atenuar dores crônicas e para ajudar contra os efeitos colaterais de quimioterapia movimentam investidores, pesquisadores, empresas, governos nos EUA, Canadá, Europa, Ásia e América Latina. E é um negócio crescente com promessas bilionárias.

A discussão sobre a permissão de plantios de maconha no Brasil agrada diretamente às biotechs que investem na pesquisa e produção de medicamentos no país e que hoje dependem de matéria-prima importada. O argumento das empresas é que se a planta puder ser cultivada legalmente aqui o preço de medicamentos cai.

As poucas opções de medicamentos disponíveis hoje nas farmácias são vendidas a cerca de R$ 2,5 mil. Além da venda em farmácias, as regras de importação por parte de famílias com pacientes que precisam desses medicamentos também foram simplificadas no fim de 2019 e o número de autorizações da Anvisa para compras externas disparou.

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A maior parte dos medicamentos importados vem dos EUA. Caio Abreu, da Entourage Phytolab, uma das empresas que trabalham no Brasil no desenvolvimento de um medicamento, cita Canadá, Portugal e Colômbia como países que têm cultivos legalizados para abastecer a indústria.

Os EUA também têm plantios legalizados, mas não podem exportar a flor da planta — que é o insumo básico para a fabricação de extratos e, depois, dos remédios.

“A demanda ainda é muito maior do que a oferta. Se o Brasil passar a ser um produtor para a indústria reduzirá muito o preço da matéria-prima, poderá se tornar exportador e impactar os preços internacionais”, disse.

Segundo ele, o quilo do extrato rico em CBD varia atualmente de US$ 3 mil a US$ 6 mil e do extrato rico em THC de US$ 6 mil a US$ 12 mil. Tanto o CBD quanto o THC são extraídos da planta.

O grande antagonista no tema é Osmar Terra. Ao Valor, Terra diz que esteve esta semana com o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, para defender que o SUS passe a distribuir gratuitamente, sem necessidade de medidas judiciais, medicamentos à base de cannabis — com matéria-prima importada — para males que realmente haja evidência científica de seus efeitos. E que as quantidades necessárias não justificam a liberação do plantio.

Ele argumenta que liberar o cultivo para fins medicinais fatalmente abriria as portas para que parte da maconha seja desviada para consumo como droga. E que o tema não deve servir de apelo comercial para a agricultura brasileira. “O agronegócio não precisa virar narcoagronegócio”.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra Alceu Moreira, em perfil, falando a um microfone de mesa e Jair Bolsonaro e outras pessoas ao fundo, desfocado. Imagem: Marcos Corrêa | Flickr.

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