Por que a maconha é criminalizada ainda em 2018 no Brasil?

Nos dias de hoje, as incontáveis informações disponíveis sobre os efeitos e propriedades medicinais da maconha, comprovados por estudos científicos, e as experiências positivas de legalização já não podem ser ignoradas, contudo o Brasil ainda obstina-se numa política de drogas retrógrada e assassina. Entenda mais sobre o tema no artigo do jornalista Gabriel de Lúcia Murga.

Para grande parte da população a resposta durante muitos anos foi direta como um tijolo caindo: “Porque é droga. Porque faz mal. Nada que tem o nome de droga pode ser bom”. Diz a pessoa em uma conversa em frente a uma drogaria, enquanto come um biscoito recheado, tomando delicadamente por um canudo de plástico seu refrigerante “zero” com bastante sódio. Certas coisas deveriam ter acabado nos anos 90. Outras nunca deveriam ter existido.

Nos próximos dias, teremos a oportunidade de dar um primeiro passo para abandonar uma das políticas mais assassinas e despropositadas, em grande parte do último século e no início do atual. A dita “guerra às drogas”, ainda que seja mais complexa do que apenas ‘isso’, é uma luta requentada desde Richard Nixon, ex-presidente dos Estados Unidos, durante os anos de 1969 até 1974, que se aproveitou do legado do aparato repressivo policial da proibição ao álcool durante o período de Al Capone. Nixon foi um dos finados filhos do proibicionismo ocidental, cujo governo concentrou um ataque moral justamente contra a Cannabis que se mantém em alguns países com mais força até hoje. O Brasil é um destes representantes.

Apesar de avanços parciais como a retirada do CBD (Canabidiol) e do THC da lista de substâncias proscritas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e a reinclusão da maconha na Farmacopeia, onde ela esteve até 1938, quando foi proibida definitivamente no Brasil. Há uma enorme dificuldade na prática para as pessoas que necessitam utilizar extratos ou azeites ricos nestas substâncias devido à possibilidade extremamente limitada de ter o seu próprio cultivo ou de pagar pelos raros e caros medicamentos que não focam em cada indivíduo, em sua situação/condição e em qual tipo (sativa/indica/híbrida) seria a planta adequada para cada caso. Além é claro da dosagem de THC/CBD/Outros Cannabinoides que tem propriedades e ações específicas em cada organismo.

Cerca de 150 pacientes em todo o Brasil tem uma autorização judicial extraordinária para cultivar sua erva. São casos recentes de autorizações a essas famílias que contam com apoio de associações, grupos de advogados e de cultivadores que por vezes doam suas plantas ou óleos para pacientes que necessitam, e apoiam com informação sobre cultivo, extrações e produção dos óleos adequados a cada doença/condição.

O que a Anvisa deve decidir

A Anvisa deve propor nos próximos dias a regulamentação do cultivo de maconha para fins de pesquisa e para fins medicinais comerciais. Uma proposta aparentemente restritiva, mas que se por um lado pode iniciar a retirada do Brasil de um antiquado grupo de países onde persistem a criminalização do uso e do cultivo de Cannabis, por outro abre margem para que empresas que já atuam no mercado internacional possam adentrar a um mercado com enorme potencial, mas que manterá restrito o direito ao cultivo pessoal.

Isso deve favorecer empresas como a GW Pharma, do Reino Unido, que vende o primeiro medicamento autorizado no Brasil que utiliza substâncias presentes na maconha como o CBD e o THC. O Mevatyl, que é classificado como um medicamento da lista A1 Amarela, como são os conhecidos os remédios popularmente chamado de ‘tarja preta’. Sua indicação aqui no país é para o tratamento de Esclerose Múltipla, aos pacientes que não apresentam bons resultados aos medicamentos ‘tradicionais’ da indústria farmacêutica, e o preço de venda para três frascos de spray com 10 ml é de R$ 2.916,96, em farmácias do Rio de Janeiro e São Paulo. Com desconto ofertado por algumas drogarias, o Mevatyl chega a R$ 2.625,08.

Informações sobre o medicamento à base de maconha Mevatyl 27 mg + 25 mg, ao centro uma foto de uma embalagem branca com uma tarja preta que indica a venda sob prescrição médica e no lado direito uma mensagem "Venda não permitida".

#PraCegoVer: print do site de uma rede de farmácias, onde na lateral esquerda constam informações sobre o medicamento à base de maconha Mevatyl 27 mg + 25 mg, ao centro uma foto de uma embalagem branca com uma tarja preta que indica a venda sob prescrição médica e no lado direito uma mensagem “Venda não permitida”, onde consta a informação que a venda on line não é permitida.

E sobre o cultivo caseiro – O que dizem os Ministros

O Ministro da Fazenda e atual candidato a presidência da República pelo MDB, Henrique Meirelles, pontuou em entrevista recente à “Isto É” que “a maconha é uma questão de direito individual. Não devemos penalizar e criminalizar o consumidor”, ponderou.

Já Gilberto Occhi, Ministro da Saúde, esteve reunido em maio com lideranças que pedem incentivo à pesquisa sobre maconha medicinal. No último mês foi autorizado um investimento por meio de linhas de crédito em cerca de R$ 3 milhões de reais para a Fundação Oswaldo Cruz, um dos maiores centros de pesquisa do país, que buscará desenvolver um medicamento fitoterápico contra a epilepsia refratária, segundo informações do jornal o Estado de São Paulo.

Pessoa vestindo luvas brancas, segurando uma tesoura e manipulando uma muda de maconha.

#PraCegoVer: fotografia de uma pessoa vestindo luvas brancas, segurando uma tesoura e manipulando uma muda de maconha.

Recentemente, se manifestou sobre o tema o atual ministro da Justiça, Torquato Jardim, que ponderou que nenhum país resolveu a questão das drogas usando violência policial, mudando sua posição que havia sido mais radical em entrevista ao jornal O Globo, no mês de abril, quando afirmou que ‘tem que continuar a repressão’ se referindo aos usuários de maconha.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, pediu em março à presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lúcia, que se avance na votação do julgamento do Recurso Extraordinário que propõe a descriminalização da maconha, que se estabeleça uma quantidade que haja um critério que possa diferenciar os usuários dos comerciantes de drogas ilícitas. Neste mesmo julgamento foram propostas outras medidas como o direito ao cultivo caseiro de até seis pés e a descriminalização de todas as drogas.

O processo está sob análise do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que segundo informações da Agência Brasil disse a Jungmann que liberaria seu voto em breve. A afirmação foi feita em março e, três meses depois, a decisão da ANVISA pode ser o empurrão definitivo para o ministro que tem em seu histórico posições conservadoras sobre a maconha, como em um vídeo em que aparece cortando alguns pés da planta com um facão.

Mudar posições antigas que não sobrevivem a uma verdadeira reflexão são reflexo de que ideias, posicionamentos ou postagens ultrapassadas precisam, podem e devem ser apagadas e deixadas para trás. Descartar ideias ruins com as quais já nos acostumamos é prova de maturidade e bom senso. Ser revolucionário diante do óbvio é apenas ser sensato.

O Brasil quer continuar, em 2018, proibindo o cultivo de uma planta que comprovadamente funciona com um ganho terapêutico comprovado, na qualidade de vida e na saúde física e mental das pessoas? A escolha é simples: ser sádico ou sensato. Mas façam uma escolha, o tempo de se omitir já passou.

Revisão/Colaboração: Letícia Semeraro.

Leia também: Guerra da desinformação – Nada é por acaso

#PraCegoVer: print do site de uma rede de farmácias, onde constam informações sobre o Mevatyl 27 mg + 25 mg e uma foto de uma embalagem branca com uma tarja preta que indica a venda sob prescrição médica.

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Sobre Gabriel De Lucia Murga

Assessor de imprensa, relações públicas e jornalista freelancer formado pela UERJ. Já trabalhou na Folha de São Paulo, no jornal Lance!, na assessoria de imprensa da Árvore de Natal da Bradesco Seguros (entre 2012 e 2014) e no escritório brasileiro da Anistia Internacional (entre 2016 e 2018). Colabora regularmente para a Smoke Buddies e Socialista Morena. Já colaborou com a revista Cáñamo na Espanha e no Chile, a Diga Communications UK, o Prêmio Gilberto Velho Mídia e Drogas 2017, entre outras organizações públicas e privadas. Lançou seu primeiro livro em 2018, "Brisas" pela Autografia Editora, e seu primeiro trabalho como compositor de música brasileira, o EP "77 Rotações". Contato, críticas e sugestões em: gabrieldeluciamurga@gmail.com
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