Legalize já, mas muito mais que só isso: o grito dos ativistas na Marcha da Maconha

De 1995, quando o Planet Hemp estreou o álbum “Usuário”, até hoje, o ativismo pela erva se desenvolveu, se consolidou na Marcha da Maconha, enfrentou a violência do governo e da polícia e cresce mais a cada dia com a formação de várias frentes, como a do uso medicinal, e o emponderamento político. Saiba mais as informações do Yahoo Notícias.

Por Pedro Chavedar

A famosa banda brasileira de rap rock Planet Hemp cantou em seu álbum de estreia, em 1995, o trecho: “Legalize já, uma erva natural não pode te prejudicar”. Com esse mantra do disco Usuário, o grupo comandado por Marcelo D2 começou a estourar no país e trouxe, à luz do dia, o debate sobre o uso da Cannabis sativa, a maconha. De lá para cá, tivemos um presidente tucano, dois mandatos lulistas, o primeiro governo de uma mulher e o segundo impeachment desde a redemocratização. Em nenhum deles a legalização, a descriminalização e a regulamentação das drogas – e, por consequência, da maconha – avançou muito. Mesmo assim, o debate sobre o tema e o ativismo só cresce – e, parafraseando o mesmo Planet, anda fazendo a cabeça de muita gente.

Neste último final de semana, aconteceu na Avenida Paulista, em São Paulo, a 10ª edição da Marcha da Maconha. Com o tema “10 anos queimando tudo” – novamente parafraseando uma das músicas mais famosas do Planet Hemp –, mais de 100 mil pessoas saíram do MASP, segundo dados da organização, e caminharam até a Praça da Sé, no centro da cidade. Todos em um só coro pela legalização da maconha em diversos âmbitos: querem o fim do preconceito, direito de plantar, descriminalização do usuário e direito ao uso, seja ele recreativo ou medicinal. Ou seja, é um grito por uma mudança radical da visão da sociedade e das leis sobre a erva.

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O uso medicinal e uma nova vida

Na Marcha em si, tudo muito organizado. Destaque importante para o bloco de abertura, onde era possível notar presença considerável de mães e pais com seus filhos. Entre eles Alcinda, professora de 47 anos, mãe de um garoto autista de 21 anos. “Eu estou aqui por causa do meu filho. Ele começou o ano passado com crises de agressividade muito grande por conta de vários medicamentos que ele já tomou e nada resolvia”, conta.

#PraCegoVer: fotografia em primeiro plano de Alcinda com uma faixa branca com desenhos da folha da maconha e a escrita em verde “Legalize”, na testa. Créditos: Pedro Chavedar – Yahoo.

Foi a busca por uma qualidade de vida maior para o filho, principalmente com a diminuição dos acessos de agressividade, que levou Alcinda até a maconha. No Fantástico, da TV Globo, viu uma entrevista de Cidinha Carvalho, mãe de Clárian, uma garota de 12 anos que sofre de uma doença rara que causa crises epilépticas e atraso no desenvolvimento psicomotor. Cidinha conseguiu na Justiça um habeas corpus para não ser presa por plantar em casa a maconha para uso medicinal na filha. Alcinda foi se interessou pela história, procurou os envolvidos e por fim se associou ao Cultive Associação de Cannabis Medicinal para conseguir o óleo para o filho. “Ele mordia, puxava o cabelo. Ficou seis meses sem ir à escola por conta das crises. Atualmente, ele toma 3 gotas de manhã, 3 a tarde e 3 a noite do óleo. Voltou à escola, está interagindo mais, tá tentando falar. Ele não fala, balbuceia, aponta o que ele quer. Mas é algo” disse a mãe.

#PraCegoVer: fotografia de uma pessoa, do pescoço à cintura, vestindo uma camiseta roxa com o logo da Cultive – Associação de Cannabis e Saúde em verde. Créditos: Pedro Chavedar – Yahoo.

Outra ativista pela maconha medicinal é a neuro-pesquisadora Adriana Patrão, de 36 anos. Ela tratou de um câncer linfático grau cinco com canabidiol e fumando maconha. “Nenhum médico me prescreveu. Eles têm medo. Eu já conhecia os benefícios da maconha por estudar a bastante tempo. Depois de dois meses de quimioterapia e tratamento com a cannabis, reduziu 30%. Seis meses depois, eu já não tinha nenhuma célula cancerígena no corpo” contou, aos sorrisos.

Crystian, vendedor de 21 anos, também usa a maconha para a sua saúde. “Fiz muita avaliação psiquiátrica. Tomava muita medicação controlada. Imipramina, já tomei Carbamazepina, Risperidona. E depois que eu comecei a fumar maconha, eu passei a ser mais tranquilo. Eu acho que, para mim, foi algo que me ajudou, não me atrasou” disse o jovem.

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#DataFolhaDeCanabis

Num cenário político incerto, em uma sociedade polarizada e a dois passos de uma eleição totalmente indefinida, conversamos com alguns participantes da Marcha para ouvir suas opiniões e pensamentos sobre os políticos e o pleito de outubro.

#PraCegoVer: fotografia da silhueta de um manifestante expelindo fumaça em meio a outros durante Marcha da Maconha de São Paulo. Créditos: Pedro Chavedar – Yahoo.

Valderei, vendedor ambulante de 50 anos, é taxativo: “Não tenho candidato. Não sou a favor de nenhum partido. Não tem como confiar em nenhum deles. Desde que eu me entendo por gente, a gente vem sendo iludido pelos políticos”. Thiago, 28 anos, soteropolitano, mas vivendo em São Paulo, vai na mesma linha. “Não tenho nenhum candidato. Ninguém me impressionou. Quero escutar alguma coisa útil que eles vão fazer, mas não quero só escutar. Eu quero uma pessoa lá que já fez alguma coisa”. Marta, 34 anos, empresária, também segue na mesma toada: “Eu não tenho nenhum representante porque nenhum dos políticos me representam atualmente”. Crystian, é ainda mais forte em sua posição. “Eu acho que a democracia no Brasil ela é ridícula. Eu prefiro pagar a multa, mas eu prefiro não votar”.

Mas já há quem se posicione e encontre alguns nomes.

Tássia tem 26 anos, é psicóloga e militante do RUA Juventude Anticapitalista. “O meu pré-candidato, neste momento, é o Guilherme Boulos, e continuará sendo. Ele já se mostrou disposto a levar a pauta da descriminalização das drogas. Eu tenho ele como candidato por entender que ele representa um projeto de esquerda alternativa de fato e uma aliança de movimentos sociais que a gente não via” conta.

#PraCegoVer: fotografia das mãos de uma pessoa, uma segurando um baseado aceso enquanto na outra um vaso com muda de maconha, com um fundo escuro, na Marcha da Maconha de São Paulo. Créditos: Pedro Chavedar – Yahoo.

A professora Alcinda está pensando em votar no PSOL, mas ainda não crava sua decisão. “Eu ainda não tenho um candidato. No momento, o PSOL é o que tá mais próximo do que eu penso, na minha ideologia politica. Mas eu não vejo ainda um candidato e eu não vejo as esquerdas se unirem para colocarem um nome. O Lula está preso. Se ele fosse candidato, eu votaria nele” comenta. O nome do ex-presidente Lula também foi lembrado por Thiago. Para ele, ninguém o representa, exceto o petista que seria o único a ter o seu voto, caso o político saísse da prisão. “Eu voto no Lula porque ele foi a única pessoa que sabe como é o país e fez alguma coisa pela gente. O que tá acontecendo com o Lula é tudo culpa dos concorrentes dele. Quando ele entrou no poder, ele tirou um monte do poder”.

O nome da ex-ministra Marina Silva também foi citado. Ronaldo Conde, de 33 anos, e usuário de maconha há 20, citou o nome da ambientalista, mas a colocou como candidata do Partido Verde – hoje, Marina é líder da Rede. “Ainda não tenho certeza não. Eu to pensando em votar na Marina, mas eu também não tenho certeza não. Eu acho que a Marina ela dá uma atenção nessa questão ecológica, da natureza, dos verdes”, comentou. Davi, de Mauá, também caiu no mesmo erro – Partido Verde e Marina Silva. “Vou votar na Marina porque eu já pesquisei sobre ela e ela tem muito a oferecer para nós, maconheiros. Que ela procura a legalização da erva. Eu vou votar nela porque, além da maconha, o Partido Verde, natureza, ela procura pregar a paz sobre a natureza”. Mas, caso o ex-presidente Lula tivesse livre, o voto de Davi seria nele. ”Antes, eu preferia votar no Lula. Ele roubava, mas a gente trabalhava, ganhava o nosso. Hoje em dia, com o Temer, a gente não ganha nada”.

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Quem é que joga fumaça pro alto?

“Eu estou aqui para lutar pelo direito da legalização da maconha tanto para fins medicinais como recreativos” disse a empresária Marta. “Eu to na Marcha porque eu sou maconheira” cravou a neuro-pesquisadora Adriana. “Nós viemos aqui para fortalecer, para legalizar, para acabar com esse preconceito” defendeu Ronaldo. “A gente tá aqui por uma causa, por uma necessidade, por já não aguentar um clima de hipocrisia que a gente vive e todos os problemas que a proibição geral na nossa própria sociedade” argumentou Atílio, de 30 anos, morador de Caçapava e dono de uma marca de cunho canábico.

#PraCegoVer: fotografia das mãos de uma pessoa apertando um baseado e ao fundo a camiseta, branca, onde está escrito em verde “Lei do duende, quem bola acende” e o desenho de um duende. Créditos: Pedro Chavedar – Yahoo.

São diversos os motivos que levam às pessoas a participarem da Marcha da Maconha. Ítalo lembra da necessidade de não se calar perante o governo do país. Thiago diz que cada pessoa deve ter o direito de escolher se quer ou não usar. “O ser humano é assim: quanto mais você proíbe, mais ele quer. Legaliza logo, cada um com seu livre arbítrio” comenta o soteropolitano.

Tássia, do Rua Juventude Capitalista, vai ainda mais profundo no debate. Para ela, a presença na Marcha é fundamental para escancarar que a guerra às drogas é, na verdade, uma guerra aos pobres. Ela lembra sobre o grande número de presos no país. Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen – divulgados no final de 2017, o Brasil tinha mais de 726 mil presos em junho de 2016, o que deixava o país com a terceira maior massa carcerária do mundo. Tássia cita ainda a grande quantidade de presos por tráfico. De acordo com informações divulgadas pelo G1 em fevereiro de 2017, um em cada três presos no país respondem por tráfico de drogas – entre as mulheres, 62% das presas respondem por tráfico.

Para a professora Alcinda, o Brasil ainda tem uma mentalidade muito atrasada na discussão sobre a legalização. Davi lembra que, quem ganha dinheiro com o tráfico, são os governantes, não os traficantes. Ronaldo lembra que os usuários são marginalizados. “Você vê algum maconheiro, fumar uma maconha, subir num ponto de ônibus e atropelar 10 pessoas? Você não vê isso. Você vê o pessoal enchendo o rabo de pinga e atropelando os outros” diz.

Marta cita a necessidade de mais conhecimento e informação sobre os benefícios da maconha. E Tássia vai na mesma linha de pensamento. Para ela, o primeiro passo é começar um diálogo com a sociedade para descontruir a imagem feita do usuário de maconha. “A gente precisa tá disposto a dialogar com a sociedade que é de fato mais conservadora e inclusive trazendo dados de países que descriminalizaram as drogas”.

Mas, depois de tanta reflexão e debate, será que estamos perto da legalização das drogas no Brasil? A empresária Marta acredita que o tema tem que ser debatido e que é necessário a quebra dos paradigmas criados em torno da maconha. Adriana espera que a Marcha consiga abrir um pouco os olhos dos governantes. Alcina diz que a maconha ainda não é legalizada por causa da política de drogas ser totalmente errada. Para Tássia, a mobilização e a pauta são fundamentais num momento político de retrocesso e lembrou do peso moral que o tema carrega. “Tem as pessoas que são conservadoras, que não aceitam a legalização” finaliza Valderei.

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#PraCegoVer: fotografia de uma placa branca e com os dizeres em preto “Fuma Temer” de um dos manifestantes da Marcha da Maconha de São Paulo. Créditos: Pedro Chavedar – Yahoo.

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