Legalizar a maconha pode beneficiar a saúde pública, dizem pesquisadoras

Foto mostra a face de uma mulher, em perfil, e sua mão, enquanto segura um bud de maconha próximo ao nariz. Imagem: Matilde Campodonico / AP.

A legalização da cannabis pode fornecer ferramentas de política voltadas a minimizar as ameaças à saúde dos consumidores

A legalização federal da maconha é uma oportunidade para implementar regulamentações que melhor protejam a saúde pública e promovam o uso responsável, segundo pesquisadoras do Centro Leonard D. Schaeffer de Política e Economia da Saúde da Universidade do Sul da Califórnia.

Um novo white paper do USC Schaeffer mostra que a legalização da cannabis pode minimizar as ameaças à saúde dos consumidores, citando o Uruguai como exemplo de sucesso de regulamentação da maconha para uso adulto.

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As pesquisadoras reconhecem a importância dos objetivos de investir nas comunidades mais prejudicadas pela proibição das drogas, eliminar o mercado ilegal e reformar o sistema de justiça criminal, previstos nas leis estaduais e propostas de legalização federal da cannabis nos EUA, dados os danos e custos significativos que a política de “guerra às drogas” impõe às comunidades negras.

No entanto, elas também chamam atenção para a necessidade de se considerar os objetivos de saúde pública e o valor de um ambiente regulatório que promova o uso responsável. “As políticas de legalização da cannabis podem minimizar as ameaças à saúde pública ao mesmo tempo em que alcançam justiça social, equidade e objetivos econômicos, mas isso exige que o ambiente regulatório priorize a promoção do uso moderado, não excessivo”, escreveram as autoras.

“A falta de evidências científicas de décadas sobre os danos do uso excessivo de cannabis não é indicativa de segurança da cannabis, mas sim um artefato da proibição, que também restringe a investigação científica sobre os danos de diferentes gradações de uso”, ressaltam as pesquisadoras.

Elas alertam que, assim como outras substâncias, existe uma relação dose-resposta entre o uso de canabinoides específicos e danos. “Compreender as relações dose-resposta requer a medição das quantidades precisas de canabinoides específicos sendo consumidos e de que forma, mas a medição real do uso de cannabis em dados foi limitada devido à proibição”, explicam.

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No paper, publicado em 18 de julho, as pesquisadoras delineiam quatro ferramentas de política que merecem atenção na regulamentação da maconha: limitar o conteúdo de THC (tetraidrocanabinol), instituir limites de vendas com base na quantidade total de THC, projetar uma estrutura tributária baseada no teor de THC e implementar sistemas de rastreamento de dados da semente à venda.

Para moderar o uso de cannabis e prevenir efeitos adversos à saúde associados a produtos de alta potência, os formuladores de políticas podem considerar limitar a potência de todos os produtos, incluindo comestíveis, concentrados, extratos e flores, estabelecendo um limite na porcentagem ou quantidade total de THC.

As investigadoras citam a regulamentação implementada no Uruguai para exemplificar como a adoção de limites de THC pode ser eficaz para proteger a saúde pública.

No Uruguai, o teor máximo de THC em todos os produtos de cannabis vendidos em farmácias foi inicialmente fixado em 2% em 2013 e posteriormente aumentado para 9% em 2017. Extratos e comestíveis são proibidos e apenas três empresas estão autorizadas a produzir e distribuir maconha para uso adulto. “Em comparação, a potência média é maior dentro dos clubes sociais de cannabis e produtores domésticos do Uruguai, onde não existe limite de potência, sugerindo a eficácia potencial dessa ferramenta de política”, destacam as autoras.

“Além disso, a agência reguladora de cannabis do Uruguai (Instituto de Regulación y Control del Cannabis) estima que o mercado legal representa mais de 50% do total de usuários de cannabis do país, indicando que o mercado legal deslocou uma parcela considerável do mercado ilegal mesmo com regulamentos federais rigorosos.”

A experiência no Uruguai sugere que “limitar a potência pode ser uma opção viável para os formuladores de políticas reduzirem a disponibilidade e, portanto, o consumo de produtos de alta potência”, apontam as pesquisadoras do USC Schaeffer.

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Os limites de vendas, que restringem a quantidade de cannabis que um varejista pode vender a um indivíduo em uma única transação ou durante um período de tempo, são apontados no estudo como outra “ferramenta de política com potencial para reduzir o uso excessivo e prevenir o consumo prejudicial”, além de reduzir o desvio do mercado legal.

“Os formuladores de políticas também podem considerar restringir o número de pontos de venda em que um consumidor pode comprar em um período de tempo especificado para evitar melhor o desvio, que pode ser monitorado e aplicado por meio de um sistema de vendas no varejo que rastreia as compras por indivíduo”, sugerem as pesquisadoras, dizendo que não seria muito diferente de um programa de monitoramento de medicamentos prescritos.

No Uruguai, o limite de vendas de cannabis vendida em farmácias é de 40 gramas por mês ou 10 gramas por semana. Em vez de colocar limites em uma única transação, o Uruguai pode limitar as compras por um período de tempo porque cada indivíduo deve ser registrado oficialmente. “Esse tipo de limite de vendas pode prevenir melhor o consumo excessivo, bem como o desvio.”

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Já nos Países Baixos, a produção de maconha para uso adulto não é legalizada, mas as compras são toleradas sob o sistema de coffeeshops, onde a venda de pequenas quantidades de cannabis é permitida para consumo pessoal. Embora originalmente fixado em 30 gramas, o limite de vendas de maconha nos coffeeshops caiu para 5 gramas para combater o turismo canábico e o uso indevido.

Os limites de vendas implementados por esses países, segundo as autoras, se alinham melhor às preocupações de saúde pública e desvio.

A tributação da cannabis tem sido frequentemente usada como ferramenta de saúde pública para outras substâncias, principalmente álcool e tabaco. No caso do álcool, os EUA tributam os produtos com base na quantidade de etanol contida na bebida, tributando assim os consumidores com base no potencial prejuízo e dano a longo prazo associado ao consumo da droga, e não na quantidade de líquido consumido.

A tributação da cannabis de forma semelhante, com base no potencial intoxicante, pode reduzir o consumo excessivo e o uso nocivo de maneira semelhante, pois pesquisas mostraram que o uso de cannabis é responsivo ao preço”, dizem as pesquisadoras.

Elas argumentam que impostos baseados na potência também podem desincentivar os produtores de desenvolver produtos de alta potência, que serão tributados em uma alíquota mais alta e desincentivar os consumidores a comprar esses produtos.

“Para se concentrar na eliminação do mercado ilegal, o Uruguai implementou uma taxa variável em vez de uma alíquota fixa. O Uruguai, no entanto, utiliza limites de potência e limites de vendas para evitar o consumo excessivo”, destacam.

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Por fim, o artigo aborda os sistemas de rastreamento de sementes à venda, que permitem aos reguladoras visualizar cada grama de cannabis legal em toda a cadeia de suprimentos.

Para entender o impacto que a cannabis tem na saúde pública, segundo as autoras, é importante entender quais produtos específicos estão sendo consumidos em termos de níveis de canabinoides e modo de administração. “Os sistemas de rastreamento de semente à venda em Washington e Oregon já demonstraram o valor de coletar essas informações, identificando quais produtos com níveis altos e baixos de THC estão ganhando ou perdendo participação de mercado nas vendas ao longo do tempo.”

Segundo as pesquisadoras, os sistemas de rastreamento de sementes à venda permitem o monitoramento abrangente de comportamentos de compra e venda de produtos, vigilância de produtos de cannabis de alta potência, cobrança de impostos e prevenção de desvio de produtos para mercados juvenis ou ilegais. “Os sistemas também podem permitir a retirada rápida de produtos se forem encontrados aditivos ou outras impurezas.”

“Além de rastrear todos os níveis de concentração de produtos de CBD, THC e outros canabinoides, as plataformas também podem rastrear preços para facilitar a avaliação da responsividade de preços dos consumidores a diferentes produtos e identificar se alguns produtos devem incorrer em impostos mais pesados devido aos custos sociais mais elevados.”

“Regulamentos como limites de potência, limites de vendas com base no tempo, impostos com base na potência e um sistema de rastreamento de semente à venda que monitora as vendas de todos os produtos à base de cannabis podem fornecer limites que limitam a promoção do uso prejudicial de cannabis por uma empresa de cannabis com fins lucrativos”, concluem as pesquisadoras.

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#PraTodosVerem: foto mostra a face de uma mulher, em perfil, e sua mão, enquanto segura um bud de cannabis próximo ao nariz. Imagem: Matilde Campodonico / AP.

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