Legalizar as drogas: será que vale a pena?

Fotografia traz o registro feito durante a Marcha da Maconha em São Paulo de uma placa branca com a frase escrita em preto “Legalize a vida” na qual a última letra (a) foi substituída pelo desenho de uma folha de maconha na cor verde, e um fundo desfocado de prédios e árvores. Imagem: Diogo Vieira | Smoke Buddies.

As várias evidências nos lugares onde a regulamentação da maconha chegou mostram que legalizar vale muito a pena. Mas, há quem diga o contrário. Confira, a seguir, o artigo de desserviço de Marcelo Daudt Von der Heyde* para a Gazeta do Povo, desconstruído por fatos e argumentos publicados na Smoke Buddies

O debate sobre a legalização de algumas drogas e substâncias psicoativas tem crescido no Brasil nos últimos anos. A despeito de toda a polêmica natural que traz o assunto, o questionamento principal que se faz é: será que realmente vale a pena?

Em primeiro lugar, é dever dos profissionais de saúde almejar a redução do impacto que tem o uso de drogas, seja de forma ampla na sociedade ou individualizada, em pessoas em risco ou já em uso dessas diferentes e diversas substâncias. Como na maioria de áreas de atuação, a prevenção tem sempre o melhor custo-benefício, ou seja, evitar o surgimento de um novo usuário, independentemente de a substância em questão ser legalizada ou não. O que vale também para os demais comportamentos aditivos.

O momento mais delicado desta prevenção é a adolescência. O risco de um uso eventual virar dependência nesta fase é muito grande, pois se trata de um cérebro ainda em desenvolvimento, ávido por novas experiências, que aprende mais facilmente a necessidade de se ter uma substância psicoativa, criando certa memória neuroquímica e afetiva, que perdura por toda a vida. Cérebro que tem, também, a maturação desregulada pelo uso desta mesma substância.

Alguns aspectos devem ser levados em conta quando se fala em prevenção, como o fácil acesso, tanto em relação à compra quanto ao preço. Outro quesito importantíssimo é a percepção de risco. Estudos apontam que quanto menor a percepção de risco da população sobre determinada substância, maior o uso. Não é à toa que álcool e tabaco são as substâncias mais utilizadas no mundo. Ambos reúnem os dois primeiros aspectos.

Políticas públicas até obtiveram algum sucesso na redução do uso do tabaco no Brasil, principalmente no surgimento de novos usuários, na década passada, com campanhas de conscientização e restrição ao acesso, mas perderam fôlego, acendendo o alerta da importância de que essa luta seja perene.

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No debate sobre a legalização de drogas, frequentemente se alega que a regulamentação seria benéfica para a redução do uso, utilizando impostos para campanhas educativas e equipamentos de saúde, reduzindo a criminalidade associada ao tráfico. No entanto, o que se observa é que, na maioria dos locais onde as substâncias foram legalizadas, ocorreu uma tendência de aumento do número de novos usuários e os problemas não diminuíram. Ao contrário, por vezes aumentaram (MENTIRA).

Para que o imposto arrecadado seja o mínimo suficiente para a criação de campanhas e de equipamentos de saúde, a substância legal acaba se tornando muito mais cara que a ilegal, pouco afetando a criminalidade. Dessa forma, quando uma substância psicoativa tem a chancela da legalidade pelo Estado, ocorre a facilitação do primeiro acesso e se reduz a percepção de risco, uma receita perigosa para o surgimento de novos usuários (MENTIRA). É esse público que, com o tempo, aumenta o consumo e busca a substância no mercado ilegal, mais barato.

É inocência acreditar que no Brasil o acesso às substâncias ilegais seja difícil ou seria dificultada pela legalização das drogas. Em poucos minutos se consegue ter acesso a uma enorme quantidade e variedade de drogas, às vezes sem sair de casa. Da mesma forma, é argumento inocente que a legalização irá acabar com os problemas relacionados ao uso de substâncias, ou mesmo que um dia isso irá ter fim, embora desejável. O que podemos fazer é trabalhar para reduzir esse problema.

Os países que mostram dados mais robustos e eficazes em relação à redução do uso de substâncias (novamente, as legais e as ilegais) e a suas consequências na sociedade são aqueles que seguem o seguinte modelo: prevenção fortíssima para se evitar o surgimento de novos usuários; tratamento em saúde amplo e eficaz daqueles que se tornaram dependentes que visa à abstinência, e não a troca por outra substância supostamente menos danosa; responsabilização pelo porte de substâncias ilegais, o que não significa aprisionamento, mas sim outras medidas jurídicas e/ou administrativas (fato que se aplica também em medidas restritivas às substâncias legalizadas); e, por fim, repressão ao tráfico e contrabando, pois com pouca substância circulando no país, invariavelmente o preço sobe e o acesso diminui. Estes últimos ficam a cargo dos especialistas em segurança pública. Entretanto, cabe a todos a prevenção, e principalmente o cuidado especial com os jovens adolescentes, justamente a fase mais perigosa e a mais suscetível à desinformação.

*Marcelo Daudt Von der Heyde é médico psiquiatra, preceptor da residência médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor de Psiquiatria da PUC-PR e diretor-secretário da Associação Paranaense de Psiquiatria (Appsiq).

Verdadeiras consequências da legalização

Estudo realizado pela professora Magdalena Cerdá, membro do Departamento de Saúde Populacional da Universidade de Nova York e diretora do Centro de Epidemiologia e Políticas Públicas Relacionadas a Opiáceos e Ópio, mostra que no Uruguai, que regulamentou o uso e venda de maconha, não houve aumento no consumo de maconha que possa ser atribuído à lei ou maior do que se esperaria por razões randômicas. O estudo também não encontrou mudanças significativas na percepção de risco de uso frequente, na facilidade de acesso ou na prevalência de consumo, na população escolar, de 13 a 17 anos.

Maconha legal no Uruguai não aumentou o consumo, mostra estudo

Em declarações entregues à Comissão de Narcóticos da ONU, o governo canadense retrata a decisão do país de legalizar a maconha como uma vitória para a saúde pública e relata que o comércio ilegal já perdeu 30% de sua participação no mercado e que as taxas de uso de cannabis não mudaram entre jovens e adultos jovens.

Canadá defende legalização da maconha em resposta ao ceticismo internacional

Nos EUA, a indústria da maconha legal gerou mais de 243 mil empregos em tempo integral. Nos últimos 12 meses, a indústria criou 33.700 novos empregos em todo o país, tornando a cannabis legalizada na indústria que mais cresce na América.

Cannabis legal gera mais de 243 mil empregos nos EUA, aponta relatório

Um estudo realizado através do esforço conjunto de pesquisadores do Conselho de Bebidas e Cannabis do Estado de Washington e de outras organizações, utilizando dados coletados pela Washington Healthy Youth Survey, mostrou que o consumo de maconha entre adolescentes caiu desde que a planta foi legalizada no estado em 2012.

No Colorado, que também legalizou a cannabis em 2012, um estudo semelhante revelou que o consumo de maconha por adolescentes permaneceu praticamente inalterado.

Adolescentes de Washington fumam menos maconha desde a legalização, revela estudo

Os opioides foram responsáveis por 47.600 mortes por overdose nos EUA em 2017, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, e a crise foi declarada uma emergência nacional pelo presidente Donald Trump.

Ao comparar as taxas de mortes por overdose antes e depois da legalização da maconha, e entre os estados em vários pontos de legalização, os autores de um estudo publicado na revista Economic Inquiry descobriram que houve uma redução na faixa de 20% a 35% do número de mortes por opioides no estados com acesso legal à maconha através de dispensários.

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