INTERNAÇÃO MACONHEIRA

Fotografia que mostra a silhueta de uma pessoa por trás de uma superfície translúcida, na qual pressiona uma das mãos aberta, com uma iluminação de fundo de cor esverdeada. Censura.

Vivemos um projeto político religioso de genocídio social. A recém aprovada Política de Drogas estabelece que a internação das pessoas maconheiras poderá ser autorizada por um médico. O tratamento é a abstinência com a Bíblia deles na mão, o que por si só, já é uma tortura. Leia e entenda mais no texto de André Barros, advogado da Marcha da Maconha.

O Senado Federal aprovou, às pressas e sem qualquer discussão, o projeto de lei da Câmara nº 37 (PLC 37) que visa tirar a liberdade de usuários de drogas ilícitas no Brasil. Toda essa urgência teve o objetivo de coagir o Supremo Tribunal Federal que, no dia 5 de junho de 2019, deve terminar o julgamento do RE 635659 e descriminalizar, ao menos, o porte e o consumo de maconha no país. Essa correria em aprovar o PLC 37 visa claramente atacar os usuários de maconha, pois os três ministros que já votaram concordam ao menos num ponto: a descriminalização do consumo da maconha.

O PLC 37 quer privar a liberdade, através de chamados tratamentos que, na realidade, são internações forçadas, com isolamento, incomunicabilidade, maus tratos, castigos, punições, tortura, restrições à liberdade religiosa e à diversidade sexual, trabalhos forçados, financiados com dinheiro público e privado, de pessoas com sofrimento psíquico. Trata-se da ressurreição dos terríveis manicômios, hospitais psiquiátricos, que, por muitas décadas, implantaram um regime de segregação social e degeneração de milhões de adultos, adolescentes e crianças, política conhecida como “holocausto brasileiro”.

No fundo, vivemos um projeto político religioso de genocídio social. Não aceitam qualquer forma de redução da desigualdade e só apontam para mais concentração de renda, disseminando todas as formas de preconceito e discriminação. O tratamento do PLC 37 é a abstinência com a Bíblia deles na mão, o que por si só, já é uma tortura.

Alguém que está em sofrimento psíquico só pode ter sua liberdade retirada se cometer um crime gravíssimo e for declarado inimputável por um juiz criminal competente, após laudo psiquiátrico circunstanciado e assinado por dois peritos médicos. A internação involuntária prevista na Lei 10216/2001, a Lei Antimanicomial, traz uma série de proteções e direitos a pessoas portadoras de transtornos mentais, assim denominadas pela lei.

O PLC 37 estabelece que a internação dos usuários de maconha poderá ser autorizada por um médico, após ser requerida por um familiar ou responsável legal. Quer dizer, alguém tomado de preconceitos e fanatismo religioso terá o direito de internar seu familiar que fuma maconha. Poderá ser ainda internado apenas com o pedido de um servidor público da área de saúde, assistência social ou SISNAD – Sistema Nacional de Drogas, integrado por diversos órgãos, secretarias, conselhos e Comunidades Terapêuticas Acolhedoras. Isso lembra muito o Decreto-Lei 898/1969 da ditadura militar, que autorizava qualquer encarregado da polícia a prender uma pessoa, sem flagrante ou ordem judicial, e deixá-la 60 dias sem comunicação com a família e seu advogado.

Em 2017, o Ministério Público Federal, o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura e o Conselho Federal de Psicologia fizeram uma inspeção nacional em 28 Comunidades Terapêuticas, o que resultou em relatório de 173 páginas reprovando todas. Constataram internações forçadas, isolamento, incomunicabilidade, maus tratos, castigos, punições, tortura, restrições à liberdade religiosa e à diversidade sexual, trabalhos forçados, em total desrespeito à legislação. Sequer o aviso de internação em 72 horas ao Ministério Público era cumprido.

Tudo é uma verdadeira farsa. A FIOCRUZ realizou um trabalho científico que custou 11 milhões aos cofres públicos, onde não foi constatada qualquer epidemia de drogas ilícitas no Brasil. Na realidade, é principalmente o consumo do álcool que envolve os casos de feminicídios, violência doméstica, mortes no trânsito, lesões corporais e homicídios. Em sua tramitação, o PLC 37 foi modificado e o consumo e propaganda de bebidas alcoólicas foram retirados do projeto, restando apenas as drogas ilícitas. Enquanto isso, o trabalho da Fundação Oswaldo Cruz está trancado a sete chaves pelo governo Bolsonaro.

#PraCegoVer: Fotografia mostra a silhueta de uma pessoa por trás de uma superfície translúcida, na qual pressiona uma das mãos aberta, com uma iluminação de fundo de cor esverdeada.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!