Guerra às drogas não funciona. O que podemos fazer?

Fotografia mostra uma bandeira preta com o desenho de uma folha de maconha dourada e a escrita “Legalização Já”, em branco, enorme hasteada pelos manifestantes durante a Marcha da Maconha de São Paulo em 2017. Fotografia Lucas Tavares.

Quando surgiu a “guerra às drogas”? Legalizar o uso de substâncias tornadas ilícitas traria algum benefício? A Ecoa conversou com pesquisadores, especialistas e profissionais para responder a essas questões

“O que vale mais um jovem negro ou um grama de pó?”. A frase faz parte de uma música do rapper mineiro Djonga, que questiona a chamada guerra às drogas. A efetividade dessa política de combate é debatida em diversos países que têm revisto suas leis de drogas na última década.

A venda de drogas é um braço financeiro importante de diversas organizações criminosas e encontra na ilegalidade a possibilidade de ser altamente lucrativa. “Não se vende a mercadoria, se vende o risco da proibição. A maconha, por exemplo, não é uma droga de custo elevado de produção”, explica Mauricio Fiore, antropólogo e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

Estados norte-americanos já têm regulação de uso da maconha legal há alguns anos e, recentemente, o México derrubou a proibição para o uso recreativo. No Brasil, usar drogas é considerado uma infração de menor potencial ofensivo e não sujeita ao cárcere desde 2006, quando o artigo 28 da “Lei de Drogas” revogou artigo 16 da lei nº 6.368/1976. Portar drogas para o consumo é um crime, mas despenalizado (sem possibilidade de pena restritiva). Já para o tráfico de drogas estão previstas duras penas.

Mas quando a “guerra às drogas” surgiu? Legalizar o uso de entorpecentes no Brasil traria algum benefício? Ecoa conversou com pesquisadores, especialistas e profissionais para responder a essas questões.

Qual o custo da guerra às drogas?

Se o lucro ilegal é alto, o custo aplicado na repressão da atividade também é. Somente nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro o gasto foi superior a R$ 5 bilhões em um único ano, de acordo com o levantamento “Um Tiro no Pé: Impactos da proibição das drogas no orçamento do sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro e São Paulo”, que integra o projeto “Drogas quanto custa proibir”, iniciativa liderada por pesquisadores do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania).

No Brasil, o tráfico de drogas está entre os crimes que mais encarceram, marcando 231.510 (32,4%) incidências por esse tipo penal relacionado à política de drogas, de acordo com informações do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Somente no estado de São Paulo, dados da Fundação Casa, responsável pela internação de menores de idade que cometem atos infracionais, apontam que o número de adolescentes nas unidades respondendo por tráfico de drogas em 2021 é maior que 50%. O crime também é o mais praticado pelos detentos dos presídios estaduais [de São Paulo] correspondendo a 59,7%, seguido por roubo (14,11%), homicídio (8,31%), furto (6,61%) e apropriação indébita/estelionato/receptação (1,38%), de acordo com dados da Secretaria da Administração Penitenciária cedidos à reportagem.

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O que é a guerra às drogas e quando surgiu?

O termo foi cunhado pela primeira vez por autoridades estadunidenses, destacadamente por Richard Nixon (presidente dos EUA entre 1969 e 1974), lembra Priscila Villela, professora de Relações Internacionais da PUC-SP e pesquisadora do Núcleo de Estudos Transnacionais de Segurança (NETS).

“Nixon e seus sucessores usaram o termo para designar todos os esforços necessários para combater o que compreendiam como inimigo público ou ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos. Isso significou tratar as drogas dentro de uma chave da segurança pública e internacional e refletiu em políticas de repressão ao usuário e ao tráfico de drogas”, explica Villela.

A expressão que hoje é empregada criticamente chegou ao Brasil e a outros países da América Latina. “Esse padrão evidencia a violência e letalidade policial, encarceramento em massa, seletividade penal e punição direcionada a grupos marginalizados da sociedade”, diz Villela.

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Um conflito sem vencedores

Se, no imaginário comum, a frase “repressão ao tráfico de drogas” traz a imagem de criminosos portando armas de grosso calibre sendo presos, a realidade é um tanto distante dessa cena.

“Pesquisas produzidas pelo Instituto Sou da Paz e pelo NEV (Núcleo de Estudos de Violência), da USP, revelam que o usuário é o foco de 40% das ações policiais em São Paulo e que a maioria dos presos por crime de drogas são réus primários, não portavam armas e não estavam envolvidos em crimes violentos. Dentre os presos, são apreendidas quantidades pequenas de drogas”, aponta Villela.

“A lei não prevê distinções claras entre o que qualifica usuário ou traficante, o que tem deixado a cargo dos executores da lei essa definição; baseados em critérios preconceituosos como cor da pele, renda ou localização”, completa a pesquisadora.

Guerra às drogas, guerra aos negros

Fiore ressalta que o tráfico de drogas precisa ser pensado no contexto do país que se está analisando:

“Não há um único tráfico de drogas, o que temos são países violentos, desiguais e pobres como o Brasil, que é um país de passagem e vizinho de produtores de coca e maconha. Em países europeus, que têm um consumo maior de drogas, não há a mesma violência envolvida nesses mercados”, explica.

“Há um corte racial e social das vítimas desse modelo, que serão encarcerados por anos por venderem uma droga, sem necessariamente terem envolvimento com atividades violentas”, completa o pesquisador.

Mas ainda que 97% dos encarcerados e condenados por crimes previstos na Lei de Drogas estivessem desarmados no momento da abordagem, isso não significa que a violência não exista. Os corpos que mais são crivados por balas no Brasil são os dos negros, que contabilizaram 79% dos mortos por intervenção policial em 2019 [em ocorrências no geral]. Policiais negros também são os que mais morreram no ano (65,1%).

“Sobre diversos aspectos, a guerra às drogas é um fracasso completo. Essa forma de lidar usando a justiça criminal como o ponto relevante e deixando a saúde pública a cargo da ação bélica é um fracasso tanto para a saúde pública, como para a segurança pública”, aponta Fiore.

“É evidente a seletividade da repressão às drogas, hoje concentrada sobre negros e pobres. O caso do Helicoca, de Zezé Perrella, e o caso do Avião da FAB que traficava cocaína em viagens oficiais são reveladores de que o tráfico internacional de drogas envolve os estratos mais poderosos da sociedade, mas que não são eles os alvos da repressão”, diz Villela.

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Jovens estão na linha de frente da guerra às drogas?

“O tráfico existe por que alguém está comprando. Por que reprimir só quem está vendendo? É uma política que não funciona, uma coisa é guerra às drogas, outra coisa é política pública e segurança pública”, diz o promotor de Justiça Fernando Henrique de Freitas Simões, do Departamento de Execução da Infância e Juventude de São Paulo.

Simões trabalha acompanhando o cumprimento das medidas socioeducativas de jovens que cometeram crimes e enxerga que esses adolescentes muitas vezes estão expostos a ciclos criminosos que acabam se perpetuando ou se iniciando no tráfico de drogas e que o problema vai além da legalização.

“O adolescente está ali para ser preso. Há jovens nessas condições que não têm família, não recebem visitas, o que se oferece para eles além do tráfico de drogas? Para eles faz sentido traficar quando a inclusão social não existe”, diz o promotor.

“Mesmo com a legalização não dá para dizer que esses jovens não iriam para outro mercado ilegal como o do roubo ou do furto. É um erro afirmar isso, sempre haverá um mercado paralelo”, completa.

Fiore lembra que o tráfico está entre uma das principais formas do trabalho infantil, segundo a convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho). “Por ser muito lucrativo é uma perspectiva sedutora para jovens que têm pouca perspectiva de crescimento econômico por meio de uma alternativa barata. Esse cenário também está relacionado a status: esses jovens ganham bem, mas trabalham muito e correm muitos riscos”.

Leia mais: Meninos-soldados: A infância a serviço do tráfico de drogas

Quais as soluções possíveis?

“A descriminalização do usuário e as políticas de redução de danos têm trazido ganhos significativos em países como Portugal, hoje referência nesse modelo. Outros, como Canadá, Uruguai, alguns estados dos Estados Unidos e o México têm proposto a regulação da cannabis como forma de reduzir os dados envolvidos no seu consumo e desmantelar a rede ilegal que estrutura esse comércio”, diz Villela.

A pesquisadora aponta que a regulação ainda não resolveria o problema por completo: “Essas são soluções muito limitadas e que atingem um nicho pequeno do amplo e diversificado mercado das drogas”, afirma Villela, que defende que o cerne do problema está na redução da desigualdade e promoção da justiça social, além de maior foco em operações policiais que mirem de fato os alvos poderosos da cadeia do tráfico de drogas. “É preciso proporcionar melhores condições de vida às camadas mais vulneráveis da sociedade para que não precisem se sujeitar a riscos tão altos como única alternativa para melhorar suas condições econômicas de vida”.

Veja também:

Luís Carlos Valois: “A cannabis já está liberada, na mão do crime organizado”

#PraTodosVerem: fotografia mostra uma bandeira preta com o desenho de uma folha de maconha dourada e a escrita “Legalização Já”, em branco, enorme hasteada pelos manifestantes durante a Marcha da Maconha de São Paulo em 2017. Fotografia Lucas Tavares.

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