Governo federal e ONU planejam usar religião para tratar uso de drogas no Brasil

Edital do Ministério da Cidadania em parceria com o PNUD visa utilizar religiosidade e espiritualidade para tratar dependentes químicos. As informações são do Metrópoles
O Ministério da Cidadania e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) pretendem criar um programa piloto para “a utilização da espiritualidade e religiosidade como ferramenta de prevenção e recuperação ao uso de drogas”. O edital, que prevê R$ 570 mil para o desenvolvimento do projeto, ainda fala em “construir protocolo para possível disseminação nacional”.
Publicado no fim do ano passado, o prazo para recebimento de propostas do edital se encerrou no início de fevereiro. Podiam participar “instituições de ensino superior, públicas ou privadas, centros de pesquisa, fundações e institutos que comprovadamente atuam ou realizam pesquisas e desenvolvam cursos de capacitação” na área.
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Para especialistas consultados pelo Metrópoles, o edital tem um endereço certo: as comunidades terapêuticas vinculadas a religiões cristãs. “O edital fala da importância da religiosidade e espiritualidade, mas parece não deixar aberto para participação de matriz africana ou outras milhares de religiões que poderiam participar. Não parece ser acaso, parece ser mais voltado para a fé cristã e tratar o uso de drogas como um problema moral a ser resolvido”, analisou o gerente de Política de Drogas da Conectas Direitos Humanos, Henrique Apolinário.
A professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da instituição, Andrea Gallassi, vai na mesma linha. “Esse edital está disposto a financiar projetos que trabalham com a fé na perspectiva de práticas de matriz africana, com a religião rastafári que tem o uso da cannabis como parte da prática religiosa ou as religiões que usam ayahuasca para tratar pessoas que têm problemas com outras drogas?”, indagou.
Ambos ressaltam que o edital é um passo adiante na linha escolhida pelo governo federal de apoiar as comunidades terapêuticas. Ela começou com o ministro Osmar Terra (MDB-RS), único ministro a continuar na Esplanada dos Ministérios na transição do governo de Michel Temer (MDB-SP) para o de Jair Bolsonaro (sem partido). Hoje, o ministro da Cidadania é Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Investigação da Agência Pública de julho do ano passado revelou que, em 2019, R$ 150 milhões foram repassados para comunidades terapêuticas, sendo que 70% desse total tiveram como destino instituições cristãs. A estimativa para 2020 era que os recursos repassados no programa dobrassem e atingissem R$ 300 milhões.
Essa linha substituiu a redução de danos pela abstinência, focando em comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos. Com isso, mesmo sem evidências científicas robustas defendendo esse caminho, houve investimentos milionários nessas comunidades terapêuticas, aponta Apolinário.
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“Esse edital está escancaradamente financiando ações que vão de encontro ao que essas comunidades terapêuticas fazem. É uma outra forma de financiar grupos que já recebem recursos públicos, e esse caminho conflita com evidências científicas, uma vez que ele deixa claro o que é uma boa política antidrogas”, concluiu Gallassi.
Outro problema é que os recursos públicos não foram acompanhados por uma fiscalização efetiva. “Não há no Brasil sistema de análise e inspeção desses locais”, apontou.
O texto do processo seletivo do governo federal em parceria com o PNUD diz que “tem como objetivo realizar uma pesquisa que verifique a efetividade do tratamento de dependência química abrangendo a espiritualidade, religiosidade e fé como elementos de prevenção e promoção de saúde por meio de pesquisa sobre o tema, implementação piloto dessa modalidade, monitoramento, avaliação desse piloto e produção de um protocolo para a possibilidade de futura implantação nacional”.
Procurados há duas semanas, Ministério da Cidadania e PNUD não responderam ao pedido de informações do Metrópoles.
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#PraCegoVer: fotografia de uma bíblia aberta, com a parte de baixo voltada para a câmera mostrando as bordas vermelhas das páginas, em fundo marrom desfocado. Foto: Atlantios | Pixabay.

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