Redução de danos e sustentabilidade

Piteira de vidro: colaboração entra Girls in Green e HippieBong pensando na reutilização dos apetrechos de fumar

A Redução de Danos vai muito além da esfera individual, passando pela política e impactando o coletivo. Mas a pergunta é: como ter a compreensão da RD focada na sustentabilidade e no meio ambiente? Descubra na coluna Girls in Green

O papel do presente conteúdo é fazer uma ponte entre a Redução de Danos e a sustentabilidade. Muitos acreditam que a Redução de Danos é voltada para o uso de drogas na esfera pessoal, como o uso de piteiras longas para resfriar a fumaça, e outros ainda pensando na RD como a luta pela legalização, para reduzir as vulnerabilidades. Pois bem: já falamos muito sobre a RD aqui pelo blog, pois o nosso conteúdo é focado na apologia ao cuidado. Mas a verdade é que ela tem uma definição extensa dentro do campo de cuidado, permeando todas as relações entre o uso de drogas, dinâmicas do mercado irregular e também as políticas de drogas — seja de forma individual ou coletiva.

Para começarmos a abordar esse assunto, precisamos entender uma coisa bem importante. A Redução de Danos se apresenta em um leque de oportunidades, levando em consideração o contexto, a subjetividade do indivíduo e sua autonomia, de forma que está sempre em movimento e não é uma esfera de cuidado cristalizada. Acreditamos que, de uma maneira geral, uma explicação pertinente do conceito é:

“A Redução de Danos é um conjunto de políticas, programas e práticas cujo objetivo é reduzir os danos associados ao uso de drogas psicoativas em pessoas que não podem ou não querem parar de usar drogas. Por definição, a Redução de Danos foca na prevenção aos danos do uso, ao invés da prevenção ao uso das drogas em si.

Por causa disso, acreditamos que um debate latente na comunidade, mas ainda não tanto abordado, é a reflexão sobre a RD que perpassa por todos os ciclos das substâncias — desde a criação à comercialização e ao uso. Quando falamos especificamente sobre a cannabis, também precisamos lembrar que a Redução de Danos começa na forma em que ela é plantada, nos cuidados tidos com a terra e o meio ambiente, e que depois se estendem para nós, seres humanos, de maneira individual ou coletiva, desde a forma como a adquirimos até a forma como a utilizamos. No uso, também é possível reduzir danos de maneiras mais sustentáveis. Afinal, construir relações de cuidado com a natureza é fundamental para preservarmos nossa casa — que é esse mundão louco que bem conhecemos.

Para mostrar a você como esses conceitos se interligam das mais variadas formas, e podem fazer parte tanto do nascimento da nossa erva favorita até seus apetrechos e mesmo a forma que políticas públicas são construídas, fizemos esse post. Vamos viajar nessa temática com a gente?

Só vem!

Cultivo de cannabis e sustentabilidade

Vamos começar — literalmente — do começo e falar sobre a forma como a cannabis nasce e cresce. No blog, sempre falamos muito sobre cultivo, inclusive sobre práticas agrícolas que causam menos danos para o solo e o meio ambiente em geral. Algumas das nossas preferidas são:

Todas essas vertentes da agricultura pregam um cultivo mais focado na saúde do solo e do ambiente onde a planta cresce, utilizando recursos como aragem mínima da terra, rotação de cultivos, cultivo de cobertura, fertilizantes naturais (como compostos orgânicos e chorume verde), controle integrado de pragas, entre outros.

Mas por que isso é tão importante?

No nosso último texto, falamos bastante sobre como o cuidado com o solo, nossa estrutura-base para tudo o que fazemos, plantamos e construímos, pode ser a chave para a recuperação do meio ambiente. Basicamente, quando você promove práticas mais sustentáveis de agricultura, você permite que o solo sequestre gás carbônico, regule o ciclo das águas, se regenere e, com isso, barre a desertificação e as mudanças climáticas decorrentes desse processo.

Tá bom, ou quer mais?

Além de coletivamente ajudarmos a salvar o nosso planeta, que pede socorro principalmente por conta da monocultura, modelo de agricultura industrial focado no esgotamento do solo e produção massiva de alimentos (cheios de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos), nós também fazemos um bem pela esfera individual. Afinal, entre consumir uma maconha prensada, com possíveis contaminantes como mofo, amônia e venenos diversos, e uma flor cultivada organicamente, qual você acha que é melhor para a sua saúde e dos demais usuários? Qual você acha que tem um maior potencial terapêutico?

Por isso, acreditamos que esse cuidado faz da redução de danos algo não apenas focado na dinâmica da política da substância, mas para o meio ambiente como um todo e para a Mãe Natureza. É importante também deixarmos bem claro que, aqui, falamos sobre o cultivo outdoor — que é 100% ligado ao nosso solo e nossos recursos naturais. Inclusive, não podemos esquecer de que a cannabis (e até mesmo o cânhamo) é uma das plantas que mais ajudam na regeneração do solo onde cresce, fazendo a filtragem de suas impurezas e contribuindo para a recuperação da diversidade de micro-organismos benéficos que nele vivem.

E como a hemp pode ajudar?

Para início de conversa, tudo que é feito de plástico poderia ser feito de maconha!

O cânhamo, também conhecido como hemp, traz os mesmos benefícios ao solo que a cannabis. Entretanto, ele é benéfico por, dentre outros motivos, ser uma matéria-prima sustentável e versátil e por precisar de menos cuidados que a cannabis para sobreviver.

Vamos lembrar que, como cânhamo, conhecemos as variedades da cannabis com menos de 0,3% de THC.

Desde a antiguidade, ele é plantado por dar origem a fibras que podem virar cordas, tecidos, papéis (inclusive sedas), plástico e até mesmo tijolos. Portanto, além de ter propriedades que regeneram o solo, ele pode ser alternativa mais ecológica a tudo o que precisamos para o nosso dia a dia — desde as roupas que vestimos até livros, construções, móveis, e o que mais você puder imaginar.

Utilizar produtos à base de cânhamo na sua rotina diária também pode ser uma forma de reduzir danos ao meio ambiente. Isso por que, como já falamos por aqui, ele pode:

  • Remover 63 toneladas de carbono da atmosfera por tonelada de árvores plantadas. A pegada anual de carbono de um cidadão médio da União Europeia é de cerca de 10,5 toneladas de CO2. Uma tonelada de cânhamo pode, portanto, neutralizar a pegada de carbono de um cidadão da UE por seis anos. Para absorver as 63 toneladas equivalentes de CO2 de uma tonelada de cânhamo, seriam necessárias 2.860 árvores totalmente crescidas.

  • Limpar solo contaminado por diversos tipos de resíduos, inclusive metais pesados.

  • Evitar a erosão do solo onde é plantado.

  • Crescer em qualquer lugar, independentemente do clima.

A sustentabilidade como política pública

É interessante pensarmos em como a cannabis e o cânhamo podem ajudar na regeneração do solo, mas é ainda mais incrível pensar em como eles podem fazer parte de políticas públicas, juntos a outros vegetais, voltadas à capacitação de pessoas que já passaram pelo sistema prisional por delitos relacionados à posse de drogas.

Um exemplo maravilhoso é o coletivo Aroeira, de Brasília, Distrito Federal. Ele teve início em 2018 como projeto de estágio pela Universidade de Brasília, e teve como primeira ação a criação de um jardim agroecológico, em frente ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) do Setor Comercial Sul. Ele era mantido em colaboração com transeuntes e pessoas em situação de rua do local. Almejando a produção de comida e medicinas no jardim, os participantes trocam entre si e recriam noções de autonomia e cuidado. 

Mas esse projeto evoluiu ao longo dos anos e se tornou ainda maior, e deu origem a novos caminhos de aprendizado. Um deles é o Aroeira Semeia, sua primeira capacitação em Agroecologia e Cuidado iniciada em 2021. Com ele, o coletivo busca aprofundar e diversificar os vínculos iniciados com as pessoas em situação vulnerável, conhecidas a partir da manutenção do jardim e outras ações feitas no Setor Comercial Sul. Seus eixos são:

  • agroecologia

  • cuidado

  • e cultura.

Segundo o coletivo, a agroecologia é um dos pilares do projeto e está presente na formação básica em Agricultura Sintrópica, que cria condições benéficas para a produção de alimentos e remédios, além de contribuir para a recuperação de áreas degradadas.

A partir do beneficiamento das plantas cuidadas nos encontros, os participantes também aprendem sobre técnicas e filosofias de cuidado e redução de danos para si e para os outros a seu entorno. A cada encontro diferentes tópicos são trazidos à tona, desde o uso de plantas medicinais para a preparação de chás, produtos de higiene e cosméticos até oficinas sobre direitos sexuais e reprodutivos. Um dos objetivos é fornecer informações sobre a rede de cuidado do Distrito Federal e possíveis encaminhamentos. A capacitação oferece a seus participantes encontros semanais e remunerados.

É incrível conhecer um projeto assim, que une agroecologia, agricultura urbana e Redução de Danos para agir em prol de quem realmente precisa de cuidado. Lidar com as plantas é, inclusive, terapêutico — como já contamos aqui no blog quando falamos sobre os principais motivos para cultivar. Imagina se, ao invés de encaminhados para comunidades terapêuticas abusivas ou para a prisão, todos os usuários pudessem ter acolhimento, trabalhar diretamente com a planta e aprender os cuidados que ele deve ter, não apenas com seu uso, mas com o planeta como um todo?

Mesmo no individual, é possível agir pelo coletivo

As ações de RD individuais também podem estar alinhadas com a sustentabilidade, sabia? Vamos dar algumas dicas práticas para você entender:

sustentabilidade

  • Usando sedas de materiais menos refinados você incentiva um mercado mais verde e menos poluente. Inclusive, já conhece as sedas de hemp? Elas são ótimas pois, feitas de cânhamo, são bem mais sustentáveis por aqueles motivos todos que citamos mais cedo!

  • As piteiras também podem se alinhar às práticas mais ecológicas. Nossas piteiras em parceria com a Bem Bolado são um bom exemplo: além de serem do tamanho ideal para resfriar bem a fumaça, temos a versão em papel reciclado. Se você adora as reutilizáveis, também pode apostar nas de vidro. Dá uma olhada nas que fizemos junto com a Hippie Bong!

  • Os filtros biodegradáveis são essenciais para fechar um beck totalmente sustentável e alinhado à RD.

  • Depois de fumar o seu baseado, lembre-se também de estar atento ao descarte correto dos resíduos (ou seja: o seu lixo). Guarde as bitucas em uma caixinha ou bituqueira, caso esteja na praia, na natureza ou em qualquer outro lugar sem lixeiras, e dê um fim adequado a elas quando chegar em casa.

Uma apologia ao cuidado

Para nós, a Redução de Danos é isso: uma apologia ao cuidado. E é um cuidado que vai desde a distribuição de materiais e informações sobre como fazer um uso de substâncias mais seguro e consciente até a maneira como lidamos com o outro, e como nos mostramos para o mundo. Afinal, ser usuário ou usuária já é desafiador o suficiente no contexto proibicionista, e o olhar “nós por nós” é o que nos salva, na maioria das vezes, da Guerra às Drogas.

E é por isso que achamos que a agroecologia e o cuidado com o planeta têm tudo a ver com a nossa amada RD. Afinal, se queremos seres humanos autônomos na produção da sua própria substância através do autocultivo e no seu cuidado perante ela, como vamos deixar de lado o ambiente no qual isso tudo acontece?

E aí, entendeu como todos esses conceitos se relacionam direta e indiretamente? A Redução de Danos pode ser muito maior do que imaginamos, e esse debate deve ser feito assim como ela: de uma forma horizontal e conjunta, para que faça sentido para todo mundo.

Vamos falar sobre isso?

Fala aqui nos comentários qual sua opinião sobre essa temática tão diversa!

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Fazendas urbanas e o cultivo de cannabis

#PraTodosVerem: foto mostra um baseado enrolado na piteira de vidro, uma colaboração entre Girls in Green e Hippie Bong pensando na reutilização dos apetrechos de fumar, com fundo floral, em que se veem folhas arroxeadas de cannabis, lavanda e outras flores. Foto: Girls in Green.

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Sobre Girls in Green

O Girls in Green é um projeto feito por mulheres canábicas, focado na produção e disseminação de conteúdo digital acessível, livre de julgamentos e tabus, abordando temas como maconha, uso de drogas, cultivo, haxixe e política - sempre sob a ótica da Redução de Danos. O principal objetivo do canal é combater o estigma e a desinformação resultantes da Guerra às Drogas.
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