Fiocruz: contrato para fornecimento de produto de cannabis é sigiloso

Fotografia que mostra a ponta de uma cânula com óleo de onde sai uma gota, a parte de cima de um frasco de cor âmbar e um fundo desfocado de folhas de cannabis. Foto: Cannabis Radar. eslovaquia

Documento assinado em outubro prevê cooperação técnica com uma única empresa. Deputados vão pedir explicação ao órgão. As informações são do Cannabiz / Veja

O acordo de “Cooperação Técnica” celebrado entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a farmacêutica paranaense Prati-Donaduzzi para fornecimento de cannabis medicinal é sigiloso, informou o órgão nesta terça-feira, 17, em nota enviada ao Cannabiz (leia íntegra ao final deste texto). Conforme noticiado na semana passada, a fundação e o laboratório assinaram no dia 23 de outubro um contrato com validade de cinco anos cujo objeto é a “Transferência de Tecnologia e Fornecimento entre outras avenças referente ao produto Canabidiol 200 mg/ml”. Segundo a assessoria da Fiocruz, o sigilo é comum em acordos desse tipo por questões de “segredo industrial”. Em nota burocrática, o órgão não responde à maioria das perguntas feitas na semana passada e diz que “todas as informações sobre o fornecimento, incluindo cronograma de entregas serão negociadas em tratativas futuras”.

Leia mais: Ministério da Saúde faz acordo para comprar medicamento canabinoide

A revelação do acordo pegou de surpresa até os deputados que integram a comissão especial que discute o projeto de lei 399/2015, que prevê a autorização para cultivo e produção de medicamentos à base de cannabis no Brasil. “Vou fazer um requerimento solicitando uma reunião com representantes da Fiocruz para obter mais informações. Esse contrato sigiloso se parece muito com a questão da vacina para a prevenção da Covid-19, cujo desenvolvimento o governo federal tentou atrasar. Se ali foi por uma questão eleitoral, aqui trata-se de uma postura anticientífica e ideológica. Não faz o menor sentido”, afirmou ao blog o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da comissão. Seu colega Luciano Ducci (PSB-PR), relator da matéria na Câmara, questiona os custos e a escolha do laboratório. “Causa estranheza o fato de a Fiocruz, uma instituição séria e respeitada, fazer um acordo sigiloso com uma única empresa que utiliza insumos importados para fabricar o seu produto. A que preços será fornecido o CBD da Prati? Nosso projeto tem o objetivo de fugir do importado para reduzir os custos dos tratamentos com cannabis e ampliar o acesso da população a essas terapias”, disse.

Quem acompanhou as audiências públicas realizadas pela comissão do PL 399 sabe que uma das estratégias de seus adversários era justamente levar o produto ao SUS para, ao menos no discurso, tentar esvaziar o apoio à proposta no Congresso. Para Teixeira, o plano vai fracassar. “Eles viram que perderam seu principal recurso, que era convencer os parlamentares a rejeitar a matéria, e agora tentam essa via para atrasar o processo. Acontece que, entre os deputados, estamos caminhando para ter uma maioria favorável ao projeto”, completou o petista, que se mantém confiante na aprovação do PL pela Câmara nos próximos meses. “Esse acordo da Prati com a Fiocruz também não resolve o problema dos milhões de pacientes que precisam da cannabis medicinal no Brasil. A empresa, além de usar matéria-prima importada, como já mencionei, oferece apenas uma única formulação, o que é insuficiente para tratar uma série de enfermidades. Sabemos, com base em evidências clínicas, que muitos pacientes precisam de concentrações variadas de CBD e também de diferentes tipos e combinações de canabinoides, inclusive o THC. Ou seja, é uma estratégia muito frágil tentar bloquear o PL usando um produto que nem serve para todo mundo”, explica Ducci. Em sua nota, a própria Fiocruz reconhece a limitação do contrato ao citar explicitamente a “epilepsia refratária” como única condição a ser tratada pelo produto da Prati.

Leia mais: Impedido monopólio de CBD no Brasil com base em patente fraudulenta

Assim, deixo mais uma pergunta, além das que já fiz na semana passada: como ficam os pacientes que sofrem com Alzheimer, Parkinson, autismo, dores crônicas, fibromialgia, depressão, ansiedade, câncer e outras doenças cujo tratamento com cannabis tem eficácia comprovada em estudos clínicos mundo afora?

Abaixo, a íntegra da nota da fundação:

“Nota sobre Acordo de Cooperação Técnica”

“O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) é uma unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo cruz (Fiocruz) que tem atuado como braço estratégico do Ministério da Saúde na ampliação do acesso da população a medicamentos essenciais.

Diante da necessidade em oferecer um tratamento eficaz a pacientes com epilepsia refratária, a unidade firmou, em 23 de outubro de 2020, um Acordo de Cooperação Técnica com a Prati, Donaduzzi & Cia Ltda., única empresa no Brasil detentora do registro para fabricação de “Produtos de cannabis para fins medicinais” (RDC Nº 327, de 9 de dezembro de 2019 da Anvisa), para transferência de tecnologia. O objetivo do acordo é permitir a disponibilidade de um medicamento que possa atender, de forma segura e adequada à legislação vigente, ao interesse público envolvido nas demandas do Sistema Único de Saúde (SUS) correspondentes ao produto de cannabis.

Os termos do contrato assinado se restringem à transferência de tecnologia e o documento está classificado como sigiloso segundo Lei 12.527/2011 e seu Decreto 7.724/12. Todas as informações sobre o fornecimento, incluindo cronograma de entregas serão negociadas em tratativas futuras.”

Leia também:

Justiça autoriza paciente a plantar maconha para uso medicinal em Porto Alegre

#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra a ponta de uma cânula com óleo de onde sai uma gota, a parte de cima de um frasco de cor âmbar e um fundo desfocado de folhas de maconha. Foto: Cannabis Radar.

Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!