Famílias criam redes clandestinas de distribuição de óleo de maconha
Para tratarem as doenças raras de seus filhos, famílias desafiam a lei e recorrem a meio clandestino para obterem o óleo à base de maconha. A única alternativa para muitas mães e pais que não podem arcar com os altos custos de medicamentos importados, uma vez que as vidas de seus filhos não podem esperar a morosidade de uma decisão judicial. Saiba mais na matéria da CBN.
De um lado, pais e mães que desafiam a lei em nome da saúde dos filhos. Do outro, a Justiça, que define como “tráfico de drogas” a aquisição do óleo à base de cannabis. O substrato derivado da maconha, única alternativa para o tratamento de doenças raras, fez com que mães do Rio de Janeiro formassem uma rede clandestina de produção e distribuição da substância. Para o Código Penal, o que elas fazem é “tráfico”. Para elas, é a única forma de levar o medicamento às pessoas mais pobres. Se importado, o tratamento à base de óleo de cannabis pode custar até R$ 10 mil por mês.
“É uma rede colaborativa de pessoas que plantam, colhem e distribuem esse óleo aos pacientes que precisam”.
A declaração é da advogada Margareth Brito, a primeira brasileira a receber um salvo conduto para o plantio de maconha e produção doméstica do óleo. A filha dela, Sophia, de 8 anos, viu os efeitos da Síndrome de CDKL5, uma doença genética rara, serem reduzidos. As mais de 80 convulsões por mês caíram para menos de 20. Os resultados fizeram com que a advogada partilhasse o óleo com outras mães em situação parecida. Mas a decisão dela pode custar até 15 anos de prisão. E, por isso, Margareth procurou a Justiça.
“Eu sempre tive a sensação de não estar fazendo nada errado. O fato de plantar maconha para fazer o remédio da minha filha não pode ser considerado ‘crime’. A gente precisa mostrar que o que fazemos não é errado. Eu sou procurada por famílias desesperadas e até médicos. Eu não posso virar as costas a essas pessoas. A luta, hoje, é por um cultivo coletivo”, explica.
As doações do óleo de canabidiol atendem, por exemplo, o Kayke, de 12 anos, que tem a rara doença genética de Tay Sachs, e é morador de uma favela na Zona Oeste do Rio. Em seis meses de tratamento, a mãe dele, Ana Oliveira, viu as mais de 200 convulsões por mês caírem pra menos de trinta. A família vive com um salário mínimo. Apesar de consciente do desrespeito à lei e de ser considerada ‘usuária’ por receber o óleo a base de canabidiol, Ana não pretende deixar de dar o remédio ao filho.
“Eu sou mãe. Quem sofre a cada convulsão do meu filho sou eu, quem não dorme sou eu. Por que não dar (o remédio)? Você vê o seu filho sem dormir, sem conseguir comer, com as função motoras todas prejudicadas e, de repente, encontra um remédio que faz efeito. Como não dar? Eu sou mãe e luto por ele até eu morrer”, desabafa.
Mas, enquanto comemoram os resultados do tratamento, os pais convivem com o medo. O pai do Kayke, André Aguiar, fala sobre a tensão que sente cada vez que vai buscar o medicamento.
“Eu não sou traficante, eu só estou buscando um remédio para o meu filho, para a melhoria dele. Não estou levando drogas. Para a lei pode ser tráfico, para mim, não é, não. É um remédio que ele precisa. Eu coloco no bolso e trago pra ele. Graças a Deus, até agora, nada aconteceu”, conta.
A produção caseira do óleo feito à base de maconha custa, em média, R$ 300 por mês – cerca de 3% do que pode ser gasto com a importação. A proibição do comércio traz ainda outra questão para essas mulheres: por não ter sido feito em laboratório, nunca se sabe qual é a concentração de canabidiol em cada dose. Na reportagem de amanhã, você vai saber como estão as pesquisas brasileiras em relação à maconha medicinal e como a ciência pode tornar o uso do canabidiol mais seguro.
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