Nos EUA, trabalhadores terceirizados são perseguidos por se envolverem no mercado de CBD

Fotografia em plano fechado que mostra um cultivo de cannabis e as mãos calçadas com luvas pretas que tocam um dos ramos. Foto: Victoria Rothstein | Flickr.

Mesmo quando a maconha entra no mainstream  em lugares como Michigan, Colorado e Califórnia, os estigmas e proibições persistem, mesmo para o cânhamo e o CBD, em outras partes dos EUA. As informações são da Bloomberg

Executivos home office da Kirby notaram uma tendência estranha: seus vendedores de aspirador porta a porta estavam cada vez mais envolvidos no mesmo bico – mascate de óleo de CBD.

Kirby, cuja empresa controladora é de propriedade da Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, não gostou da ideia de que seus terceirizados estavam se desviando com a venda de remédios não comprovados feitos de cânhamo, um primo de maconha.

Então a Kirby os demitiu.

“Fiquei arrasado”, disse Abe Sharqawi, 48 anos, contratado pela Kirby por quase três décadas. Ele disse que a empresa afirma que o dispensou em parte porque estava distraído com o trabalho em uma loja de CBD que sua filha abriu. “Meu plano era passar outros 15 anos com a empresa”.

Kirby diz que é simplesmente uma questão de os vendedores cumprirem seus contratos, mas a situação revela um problema mais amplo na crescente economia sob demanda: quanto controle as empresas devem ter sobre as ações de trabalhadores que não são tecnicamente empregados.

O conflito ocorre quando as leis da cannabis abrandam-se após décadas de proibição, criando uma colcha de retalhos de regras que variam por estado e que são complicadas para as empresas navegarem. Mesmo quando a maconha entra no mainstream  em lugares como Michigan, Colorado e Califórnia, os estigmas e proibições persistem, mesmo para o cânhamo, em outras partes do país. O Departamento de Agricultura dos EUA deve abordar o status legal do cânhamo ainda nesta semana.

“O problema com o CBD ainda é relativamente novo”, disse Bruce Douglas, advogado da Ogletree Deakins, que trabalha com empregadores em questões trabalhistas e não tem conexão com os casos da Kirby. “Não é incomum para os empregadores querer garantir que seus funcionários não provoquem descrédito nos negócios”.

O cânhamo foi legalizado federalmente em dezembro como parte do último projeto agrícola, mas alguns estados ainda têm leis que o proíbem. E embora o CBD vendido legitimamente nos EUA seja feito de cânhamo e não de maconha, a dúvida sobre seu status legal continua sendo um obstáculo para agricultores, caminhoneiros, policiais e empregadores, como a centenária Kirby.

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Doppelganger* da maconha

Não ajuda que o cânhamo se pareça com maconha. Ambos são cannabis. Mas, diferentemente de sua gêmea festiva, o cânhamo é conhecido por centenas de usos industriais. Por exemplo, seus caules podem fazer corda, papel e material de isolação; suas sementes entram em ração animal, farinha e cerveja; e seu óleo pode tratar dores, insônia, ansiedade e acne, dizem os entusiastas. Sua principal diferença com a maconha é que ele não produz uma alta. O cânhamo que contém menos de 0,3% de THC, o químico psicoativo responsável pela chapação, é legal sob a lei agrícola.

Os estadunidenses gastaram US$ 1,8 bilhão em produtos de CBD em 2018, um valor que pode crescer para US$ 20 bilhões se o governo expandir sua aprovação para incluir o CBD como aditivo alimentar, de acordo com a BDS Analytics.

Ativistas passaram décadas agitando a legalização do cânhamo. Este ano, em torno de 200.000 hectares de cânhamo foram licenciados para o cultivo nos EUA, contra cerca de 45.000 em 2018, de acordo com a New Frontier Data, uma empresa de pesquisa de cannabis.

Bola de confusão

Enquanto isso, a confusão reina.

Na Carolina do Sul, um fazendeiro foi preso e 4 hectares de sua colheita de cânhamo foram destruídos depois que a polícia alegou que ele a plantou em um local não registrado. Ele disse que esperava que o cânhamo pudesse compensar a renda perdida nas tarifas agrícolas.

No Maine, uma fazenda familiar de 70 hectares que cultiva cânhamo fica no limbo depois de perder seu credor e seu provedor de seguros.

Na Califórnia, a polícia advertiu os agricultores para não venderem cânhamo nas barracas à beira da estrada, acrescentando que qualquer venda da planta para fumar a tornava por definição maconha e não cânhamo – embora o cânhamo possa ser um substituto do tabaco.

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Motoristas em Idaho e Dakota do Sul foram presos por transportar cânhamo. As pessoas que sofrem de dor rejeitam os remédios de CBD porque temem serem reprovadas em testes de drogas. E ladrões que confundiram cânhamo com maconha tiveram que rasgar plantas por todo o país.

O envolvimento com o CBD, nomeado por seu ingrediente ativo, canabidiol, é uma zona proibida para os terceirizados da Kirby. A empresa entrou com dois processos contra cinco ex-vendedores, incluindo seu ex-presidente, Raymond “Bud” Miley, que ingressou em empresas que vendiam os óleos.

“Os distribuidores independentes da Kirby devem se esforçar ao máximo para vender os produtos da Kirby enquanto operam de maneira legal e ética”, disse a empresa de aspiradores em resposta por e-mail a perguntas. Uma política de outubro de 2018 proíbe que os vendedores “se envolvam ou invistam em qualquer negócio que os faça não cumprir sua obrigação de usar seus melhores esforços”.

Família incluída

Os parentes dos terceirizados foram incluídos na política “para que distribuidores independentes não tentassem contornar a medida, colocando empreendimentos comerciais em nome de um membro da família”. A empresa acrescentou: “a Kirby não se envolve com os negócios de um cônjuge ou membro da família, a menos que a operação desse negócio (que pode ser qualquer negócio) prejudique a capacidade dessa pessoa de cumprir os termos do contrato com a Kirby, que acreditamos ser a situação”.

Os vendedores revidaram. O advogado de Sharqawi disse que apresentou uma queixa a uma agência estadual da Flórida em dezembro, e outro ex-trabalhador processou a empresa em agosto.

Mas por que a equipe da Kirby iria do anacronismo das vendas de aspiradores porta a porta para mascatear uma moda tão nova que seu status legal permanece instável?

Tocar campainhas para o mascate de aspiradores pode ser difícil. Vender CBD é mais fácil, disse Sharqawi.

“As pessoas devem poder investir em qualquer empresa legal em que desejam investir”, disse o advogado de Sharqawi, Caryn Groedel. “Esta indústria está florescente. Por que não entrar nisso?”.

*Doppelganger é um termo alemão cunhado por Jean Paul (pseudônimo de Johann Paul Friedrich Richter) em seu romance romântico Siebenkäs (1796) e, hoje, é utilizado para se referir a pessoas que se parecem exatamente iguais (Fonte: Certisign Explica).

Tradução: Joel Rodrigues | Smoke Buddies.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em plano fechado que mostra um lindo cultivo de maconha e as mãos calçadas com luvas pretas que tocam um dos ramos. Foto: Victoria Rothstein | Flickr.

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