Estudo revela que ligação entre canabinoides e aprendizagem não é neural

Fotografia de um modelo de cérebro humano branco e, sobre o mesmo, uma folha de maconha, em uma superfície azul-claro que se mistura ao fundo.

Cientistas portuguesas descobriram que a influência dos canabinoides na aprendizagem se dá pela alteração do estado comportamental e não por efeitos diretos na plasticidade neural do cérebro. As informações são do EurekAlert!

Os canabinoides têm uma forte influência no funcionamento do nosso cérebro e no nosso comportamento. Muitas pessoas estão cientes apenas do aspecto recreativo (uso adulto) dos canabinoides. Mas, na verdade, essas moléculas existem naturalmente em nossos cérebros, onde participam de vários processos intrínsecos.

A sinalização canabinoide alterada, por exemplo, devido ao uso crônico de maconha, resulta em uma série de deficiências. Da mesma forma, camundongos sem receptores canabinoides apresentam níveis de atividade reduzidos, bem como déficits no aprendizado e na memória.

Como os canabinoides exercem seus efeitos na aprendizagem? Uma equipe liderada por Megan Carey, investigadora principal do Centro Champalimaud para o Desconhecido em Portugal, e Catarina Albergaria, uma pesquisadora pós-doutora no laboratório, decidiu abordar esta questão investigando os mecanismos cerebrais envolvidos numa tarefa de aprendizagem clássica denominada condicionamento de piscar de olhos (eyeblink, em inglês).

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O suspeito imediato

No condicionamento do piscar de olhos, os sujeitos aprendem a associar o surgimento de um estímulo sensorial, por exemplo, um flash de luz, com a aplicação subsequente de um sopro no olho. Uma vez aprendido, o sujeito — neste caso um rato — fecha os olhos quando a luz aparece para evitar o sopro. “É como o cachorro de Pavlov e o sino”, diz Albergaria.

Estudos anteriores estabeleceram que essa forma de aprendizagem ocorre em uma estrutura cerebral chamada cerebelo, e que é prejudicada pela alteração da sinalização canabinoide em humanos e camundongos. Para estudar o papel dos canabinoides na aprendizagem, a equipe usou camundongos mutantes sem receptores de canabinoides, que apresentam condicionamento do piscar de olhos prejudicado.

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Por que esses ratos são deficientes? Quando começaram, os pesquisadores tinham um suspeito imediato em mente. “Muitos estudos apoiam a ideia de que os canabinoides medeiam a plasticidade neural, ou mudanças dependentes da experiência nas conexões entre os neurônios”, explica Carey. “Portanto, primeiro formulamos a hipótese de que a interferência nesse processo era o que estava causando os prejuízos no aprendizado”.

Mas, como um bom romance de mistério, o suspeito imediato acabou sendo o errado. Qual foi o verdadeiro culpado? “Num estudo que publicamos há dois anos, descobrimos que quanto mais os ratos corriam, melhor aprendiam”, explica Albergaria. A equipe começou a suspeitar que a diferença no aprendizado pode ser devido aos níveis de atividade reduzidos dos ratos mutantes.

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Destaque no estado comportamental

“Ficamos imaginando se os ratos mutantes não estavam aprendendo tão bem simplesmente por que não eram ativos o suficiente”, lembra Albergaria. Hoje no jornal eLife, a equipe relata que o estado de comportamento alterado dos mutantes é totalmente responsável por seu condicionamento de piscar de olhos. Quando os pesquisadores colocaram os ratos em uma esteira motorizada que garantiu que os mutantes andassem tanto quanto os ratos normais, os resultados foram surpreendentes: o aprendizado foi completamente restaurado.

A equipe também descobriu que outros comportamentos cerebelares, coordenação locomotora e aprendizagem, eram normais nos mutantes canabinoides. Além disso, o condicionamento do piscar de olhos estava totalmente intacto em camundongos que não tinham receptores canabinoides especificamente no cerebelo. “Esses experimentos apoiam ainda mais nossa hipótese de que a interrupção da sinalização canabinoide estava prejudicando o aprendizado ao alterar o estado comportamental, e não por meio de efeitos diretos na plasticidade neural no cerebelo”, disse Carey.

“Há um crescente corpo de evidências de que o estado comportamental influencia profundamente a função cerebral”, diz Carey. “Nosso estudo destaca a necessidade de considerar o estado comportamental como um meio independente poderoso por meio do qual os genes individuais contribuem para comportamentos complexos”.

“Fomos capazes de superar um déficit de aprendizagem associado a uma mutação genética com uma intervenção puramente comportamental”, acrescenta Albergaria, sugerindo uma consequência potencial no mundo real para essas descobertas.

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