Agosto Laranja: um papo com Gilberto Castro sobre esclerose múltipla e maconha

O ativista, jardineiro e paciente fala sobre estigma e diversidade, dos sintomas da EM e das possibilidades de tratamento com cannabis, além da importância do acesso, da informação e da conscientização

“O ponto comum é que a esclerose múltipla pode ter os sintomas de qualquer outra doença, por isso se chama a doença das mil faces, e a cannabis parece que consegue combater todos esses sintomas, impressionantemente”, conta Gilberto Castro, que é ativista antiproibicionista diagnosticado com EM em 1999, além de paciente com salvo-conduto para cultivo e uso de maconha terapêutica, colaborador da associação Cultive e caso de estudo da Unifesp.

A história de Gilberto com a maconha, que se estreitou com o diagnóstico de EM, em uma época em que ambos assuntos eram cobertos por desinformação e tabu, é digna de uma verdadeira jornada do herói, com tom de superação e notas de aventura, como quando o paciente foi alvo de busca do Denarc enquanto impetrava o HC.

Leia também: “Com esclerose múltipla, me deram cinco anos de vida. Maconha me salvou”

Por isso, no Dia Nacional de Conscientização Sobre a Esclerose Múltipla (30), instituído no mesmo ano da atual lei de drogas, convidamos Gilberto para refletir sobre temas que são pontos de convergência entre maconha e EM, e dar a sua perspectiva sobre a importância da informação para acender o debate.

ESTIGMA

Smoke Buddies: Assim como pessoas que usam maconha, as que são diagnosticadas com esclerose múltipla enfrentam estigmas que se perpetuam pela desinformação. Como você vê essa relação e qual a sua estratégia para combatê-los?

É uma doença rara, pouco conhecida. Conforme a doença vai ficando mais conhecida, isso vai acabar. E também tem a ajuda do ativismo, que se mobiliza no dia 30, que leva informação sobre as características da doença.

Eu levo a informação sobre como a cannabis é boa para os sintomas da esclerose múltipla e aproveito passando duas coisas: os sintomas da EM e como a cannabis é boa.

DIVERSIDADE

Mais um paralelo entre EM e a cannabis é a multiplicidade, de um lado a de sintomas e manifestações que a doença pode gerar, e de outro a de cepas e efeitos que a maconha pode proporcionar. Nesse sentido, quão complexo é encontrar os tipos de cannabis e métodos de consumo que melhor respondem à linha de tratamento adotada?

Sim, sem dúvida, é um desafio. Desde o começo, o que eu pude experimentar foram as poucas possibilidades de testes. Eu percebi que tenho sintomas da esclerose múltipla e que algumas cepas com características mais energéticas, antigamente conhecidas como as sativas, de manhã, podem ajudar com a fadiga crônica da EM. Gosto de uma média durante a tarde, para não dar moleza, e uma para ajudar com o sono à noite, bem relaxante. A descoberta foi na sorte, com as poucas genéticas que chegaram na minha mão, em cima do conhecimento que tinha eu fui escolhendo as que se encaixavam mais nesses perfis, e hoje tem algumas que eu gosto de usar.

A via de administração também é uma ferramenta que eu uso. Como quando ingerido oral o efeito é mais longo, uso à noite, para ajudar a ter uma noite melhor de sono. É uma característica que eu descobri também na experimentação, e depois de um tempo começaram a vir essas informações. Muita gente que eu já conversei não pode fumar, então faz uso do óleo, ou então uma pomada, ou se a gente tivesse a oportunidade de ter no Brasil as pastilhas, ou emplastro, eu já vi que tem na gringa.

INFORMAÇÃO

Você foi diagnosticado em 1999, quando as informações sobre o uso terapêutico da maconha e também sobre a esclerose múltipla eram menos difundidas. Pode comentar sobre a importância que o desenvolvimento da ciência e a democratização da informação têm nesses avanços?

Quando eu comecei em 1999, não tinha nada de informação. Fui correr atrás de informação sobre a esclerose múltipla e me deparei com informação sobre os benefícios da maconha que já eram testados. Neste começo, a cannabis era proibida de ser estudada, e sobre a esclerose múltipla, todos tinham vergonha de conversar.

A informação veio chegando devagarzinho, primeiro com o pessoal do Growroom traduzindo as notícias que saíam no exterior, depois começaram a surgir os veículos de notícia, como a Smoke Buddies, a Maryjuana também, e assim essa informação foi quebrando as grandes mentiras que foram impostas, e que até os maconheiros acreditam. Não sei onde foi que eu li que é mais fácil você espalhar uma mentira do que uma verdade, porque a verdade, além de espalhar, você precisa provar também.

ACESSO

Como você vislumbra um modelo ideal de acesso à cannabis como opção de tratamento aos portadores de esclerose múltipla? Como vê o privilégio do salvo-conduto para o autocultivo?

Eu sempre prego que tem que ter todas as formas de acesso: a pessoa pode comprar nas farmácias, pode ter acesso pela farmácia viva, ou por um jardineiro de confiança, tem que ter todos os tipos de formas de acesso. Tem que ter o óleo, o BHO, e de qualidade, além de poder plantar. E se não tiver bom, que possa reclamar no SAC.

Eu vejo com uma certa vergonha, sacal poder plantar e ver um monte de pessoas com problema, ou independente disso, sendo prejudicadas por uma lei injusta. Poucas pessoas vão conseguir o salvo-conduto, a princípio. É uma sacanagem que precisa acabar. Eu acho que a planta é um direito da humanidade.

CONSCIENTIZAÇÃO

Que mensagem você gostaria de conscientizar as pessoas neste Agosto Laranja?

Agosto Laranja é muito importante para conscientizar as pessoas da esclerose múltipla, que é uma doença que as pessoas não esperam, com sintomas que não podem ver. É difícil isso para as pessoas com EM. E a conscientização vem de uma forma geral: qual a melhor forma de tratamento, quais ferramentas existem além dos remédios da farmácia, e que acabe o preconceito. As pessoas com EM têm medo de contar no trabalho por serem demitidas, e são mesmo.

É uma doença sem cura, degenerativa, progressiva, mas hoje a gente tem na medicina muitas ferramentas para tratá-la. Diferente de em 1999, hoje a gente tem informação de que a cannabis é boa para EM, tem até um remédio na farmácia para isso, por R$ 2 mil, mas tem. Na maior parte dos casos, as pessoas conseguem ter uma vida razoavelmente normal, apesar da doença.

As pessoas precisam se conscientizar que nem todas as deficiências são aparentes. As deficiências invisíveis são muito incômodas e não é por que a pessoa não está vendo que não mereça atenção. Para quem quiser se informar, tem a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem).

_

Gilberto Casto e Thany Sanches, artista plástica, codiretora do filme Estado de Proibição e paciente de EM que usa cannabis, participaram do episódio de agosto (laranja) do podcast De Ponta a Ponta, da Smoke Buddies, falando mais sobre o tema.

Leia também:

Smoke Buddies indica: livros nacionais que analisam a guerra às drogas

#PraTodosVerem: fotografia mostra alguns pés de maconha florindo sob uma iluminação de cor violeta, no primeiro plano, e ao fundo outros pés de maconha sob iluminação amarelada e na direita vemos parte do torso de Gilberto Castro vestindo uma blusa de frio preta com vários ícones da cultura canábica na cor branca e sorrindo ao observar o cultivo. Foto: Drika Coelho.

mm

Sobre Thaís Ritli

Thaís Ritli é jornalista especializada em cannabis e editora-chefe na Smoke Buddies, onde também escreve perfis, crônicas e outras brisas.
Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!