Empresas de maconha ainda esbarram em resistência dos bancos nos EUA

Fotografia mostra dois buds de maconha e três moedas de metais diferentes (níquel, cobre e bronze) sobre uma porção de erva seca triturada e ao lado de um pote de vidro contendo notas de dinheiro deitado.

Nos EUA, o mercado da maconha vem crescendo na maior parte do país, contudo a divergência entre as leis de drogas estaduais e federais faz com que muitas empresas do setor corram riscos ao terem que guardar seu dinheiro de formal manual, sem acesso ao sistema bancário. As informações são do The New York Times, via Gazeta do Povo.

Charity Gates telefona para seu contato todos os meses para marcar um horário; quando chega a hora, ela e um colega saem de carro por Denver, coletando maços de notas de US$ 20 que ela guarda em vários cofres desde a última entrega. Depois de contar o dinheiro, coloca em uma pequena mochila ou sacola, carregando até US$ 20 mil por vez.

Aí vai até um escritório em um prédio cinzento de dois andares no centro da cidade e para o carro na rua ou em um estacionamento nas proximidades. Ela tem medo de ser roubada, por isso os dois se vestem de modo simples, para evitar chamar a atenção, e usam veículos e dias de entrega diferentes para variar a rotina. “Ficamos tensos todas as vezes”, disse Gates.

Eles passam por guardas armados no saguão, Gates entra em uma sala e dá as malas para um grupo de pessoas que vai contar seu dinheiro com máquinas específicas, para verificar se nenhuma nota é falsa.

É assim que ela paga seus impostos.

Gates administra a Colorado’s Best Dabs, empresa que processa a cannabis para extrair óleos concentrados que serão usados na criação de artigos comestíveis infundidos com maconha, como brownies e chás. Ela integra um grupo cada vez maior de empresários que opera em zonas nebulosas, pois vários estados por todos os EUA legalizaram a erva, mas o governo federal ainda a considera uma substância ilegal, como a heroína e o LSD.

#PraCegoVer: fotografia de Tai Cheng, diretor de operações do dispensário Aloha Green Apothecary, no Havaí, EUA.

Quem quiser pode abrir uma loja e vender seus produtos aos clientes em 30 estados que já legalizaram a erva para uso medicinal ou recreativo, mas não terá acesso aos bancos que poderiam lhes fazer empréstimos ou abrir contas.

“Podemos ser multados por mudar a localização de um interruptor de luz sem avisar o departamento de construção, mas não podemos ter uma conta bancária”, disse Gates.

O resultado disso é uma economia baseada em dinheiro, com muita gente como ela pagando impostos mensais e anuais com dinheiro vivo, em vez de cheques ou transferências eletrônicas.

As empresas que produzem, processam ou vendem produtos de cannabis relataram receitas estimadas em US$12,9 bilhões em 2017, de acordo com a BDS Analytics, um grupo da indústria em Boulder, Colorado. E pagam impostos de até US$4,7 bilhões.

Para a maioria das outras companhias, pagar impostos muitas vezes significa usar o Sistema Eletrônico de Pagamento de Imposto Federal, um portal on-line gerido pela Receita que permite que as pessoas transfiram fundos de uma conta bancária para o Departamento do Tesouro; entretanto, sem acesso aos bancos, os empresários da maconha precisam pagar de forma mais manual.

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“Imagine inserir US$ 20 mil em dinheiro, em uma máquina, uma nota de 20 por vez. Isso pode levar duas ou três horas”, disse Gates sobre o processo de pagamento de impostos.

Tradicionalmente, o governo dos EUA não vê com bons olhos esse setor. Em 2015, o Banco Central de Kansas City comparou a legalização da maconha no Colorado à permissão de comercialização de espécies ameaçadas de extinção ou ao comércio com a Coreia do Norte.

Mas essa linha dura está começando a mudar, o que poderia significar que, no futuro, as leis federais sejam talvez relaxadas.

O senador Chuck Schumer, democrata de Nova York, disse, em 20 de abril, que ia apresentar um projeto de lei de descriminalização da maconha. E o presidente Donald Trump recentemente sugeriu que estaria aberto a assinar uma lei que permita que os estados-membros controlem suas indústrias de cannabis sem a ameaça de um processo federal.

A Associação Nacional da Indústria de Cannabis, que é um grupo de negócios, produziu recentemente um vídeo encorajando os cidadãos a pedir ao Congresso que “apoiem pequenas empresas que estejam substituindo com sucesso o mercado criminoso da maconha”. Mais de 200 de seus membros visitaram Washington, começando um lobby em 21 de maio para pressionar os parlamentares em questões bancárias e impostos.

John Boehner, o ex-presidente da Câmara que fora um dos mais ferrenhos opositores da maconha legal, disse que mudou de opinião. Recentemente, ele se juntou ao conselho da Acreage Holdings, uma empresa de investimentos dedicada à indústria de cannabis. Bill Weld, ex-governador republicano de Massachusetts que também se juntou a esse conselho, disse acreditar que a maconha pode ajudar a afastar as pessoas dos opioides.

Barrar o acesso ao sistema bancário federal apresenta uma variedade de riscos, disse Peter Conti-Brown, professor assistente de Estudos Jurídicos e de Ética nos Negócios na Faculdade de Administração Wharton da Universidade da Pensilvânia. A chance de existir renda não declarada aumenta, disse ele, assim como a possibilidade de roubos feitos pelos empregados ou assaltos à mão armada, pois grandes quantidades de dinheiro são movimentadas através do ecossistema de negócios.

“Os bancos e as empresas de maconha estão no meio do fogo cruzado”, disse Conti-Brown.

Algumas cooperativas de crédito e pequenos bancos estaduais não pelo governo federal tentaram preencher esse vazio oferecendo serviços bancários básicos para a indústria de cannabis. George Allen, presidente da Acreage Holdings, disse que as empresas nas quais investiu têm sido capazes de trabalhar com bancos nos 11 estados onde atuam, o que, entre outras coisas, lhes permitiu pagar impostos por via eletrônica ou por cheque.

#PraCegoVer: fotografia da fachada de um dispensário de maconha com porta e janelas de vidro escuro e uma placa com o nome “Aloha Green Apothecary”, no estado do Havaí. Créditos: Valerie Narte – NYT.

Tai Cheng, o diretor de operações da Aloha Green Apothecary, no Havaí, estado onde a maconha é legal para fins medicinais, toca sua empresa quase que exclusivamente com dinheiro vivo.

A Aloha Green planta, processa e colhe cannabis, e vende uma variedade de produtos de maconha em um dispensário em Honolulu. Cheng diz que não consegue encontrar qualquer banco ou cooperativa de crédito no estado que abra uma conta bancária para sua empresa.

Lugares como o Havaí começaram a tentar soluções tecnológicas na ausência de uma opção legislativa. O governo permite que os dispensários usem o CanPay, sistema de pagamento móvel para os pacientes de maconha medicinal administrado em parceria com uma cooperativa de crédito baseada no Colorado. Os dispensários podem usar o dinheiro recebido através desse método para emitir cheques ou pagar impostos e outras contas eletronicamente. Entretanto, Cheng conta que, até agora, poucos pacientes aderiram, o que dificulta usá-lo como uma fonte confiável de fundos eletrônicos.

Ele diz que só quer trabalhar como qualquer outro negócio. Quando paga seus impostos, Cheng contrata equipes de segurança privada para acompanhá-lo até o escritório estadual. Ele conta que estudou diferentes entradas e saídas do edifício e que chega lá em diferentes dias e horários para evitar ser alvo de roubo. (Linda Takayama, diretora do Departamento de Tributação do Havaí, disse que nenhum incidente foi relatado até agora.)

“Pagamos nossos impostos direitinho e o governo aceita o dinheiro alegremente. É ridículo ter que passar por todas essas dificuldades”, disse ele.

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#PraCegoVer: fotografia de duas flores de maconha ao lado de um pote de vidro deitado cheio de notas de dinheiro sobre flores trituradas e moedas.

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