Emenda do PL da cannabis, de Osmar Terra, não contempla cultivo

Fotografia de uma folha de cannabis seca e amarelada, com os folíolos contorcidos, e um fundo escuro. Foto: THCameraphoto.

Famoso por suas posições contrárias e equivocadas sobre a regulamentação da cannabis no Brasil e no mundo, Osmar Terra, deputado do MDB-RS, apresenta substitutivo ao PL 399/15. Baseada em falácias e achismos, se aprovada, emenda ceifará possibilidades de cultivo em solo nacional, prejudicando economia, geração de emprego e acessibilidade de pacientes aos produtos à base de cannabis para saúde a preços acessíveis

Um dos atores mais conhecidos no país por suas posições recheadas de achismos e mentira, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) apresentou uma Emenda ao Substitutivo ao Projeto de Lei nº 399 de 2015, que recebeu parecer favorável na Câmara dos Deputados, no dia 20 de abril.

Coincidentemente, no dia que conhecido mundialmente como da cannabis, o vinte de abril, foi quando o deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR), relator do Projeto de Lei sobre medicamentos formulados com cannabis (PL 399/15), apresentou parecer favorável ao PL que pode regulamentar a cultura, a colheita, a produção, o fornecimento, a industrialização e a comercialização da planta e de seus derivados para fins medicinais no Brasil, assim como do cânhamo industrial. O relatório, fruto de debates através de audiências públicas e de visitas técnicas, pode ainda receber emendas dos membros da Comissão Especial, que deve votar a matéria em Reunião Extraordinária convocada para o dia 17 de maio, às 15h.

Ouça o podcast ‘De Ponta a Ponta’ do mês de abril

E, considerando o “pode ainda receber emendas”, já aguardávamos por alguma peça que seja pior (ou muito pior) que o parecer apresentado pelo relator. Dito e feito. Protocolada em 29/4, a Emenda ao Substitutivo do Sr. Osmar Terra, nosso velho conhecido, juntamente com os deputados Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) e Diego Garcia (PODE-PR), vem como uma foice, cortando amplas possibilidades que, se aprovado, o parecer original do deputado Ducci contemplaria.

A Emenda ao Substitutivo pode ser digerida na íntegra aqui, mas para facilitar a digestão de nossos leitores apresento abaixo algumas mudanças que afetam não só os pacientes, mas também boa parte da sociedade que pode se beneficiar com algum passo regulatório da cannabis no país.

Na versão primária, onde o Art. 1º permite as atividades de cultivo, processamento, pesquisa, armazenagem, transporte, produção, industrialização, manipulação, comercialização, importação e exportação de produtos à base de cannabis por pessoas jurídicas e associações, a Emenda apresentada pelo Sr. Osmar permite apenas os processos de fabricação, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos de cannabis, destacando ser estritamente para fins medicinais.

Nos dois parágrafos do primeiro artigo, a emenda exige que, além do estrito fim medicinal, os produtos de cannabis deverão ter comprovação científica, e proíbe expressamente o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de cannabis para extração ou produção de produtos derivados.

Logo no primeiro artigo é possível ver a ausência de esforço em querer a evolução e o empenho em barrar pesquisas e outros pontos que podem favorecer toda a sociedade brasileira. Como, por exemplo, a indústria nacional do cânhamo, que pode gerar produtos com inúmeras possibilidades de uso, da alimentação à construção civil, sem considerar que o cultivo em solo nacional geraria produtos para fins terapêuticos a um preço mais acessível, geraria empregos e entre tantos outros benefícios socioeconômicos que originariam um livro por si só.

Da fabricação de produtos derivados de cannabis para fins medicinais 

O relatório original contempla a fabricação de produtos de cânhamo e cannabis para fins terapêuticos por pessoas jurídicas, associações e Farmácias Vivas, no âmbito do SUS, que ficam autorizadas a cultivar e processar plantas de cannabis para elaboração de produtos magistrais ou oficinais fitoterápicos. Já no texto do Sr. Osmar, ficaria permitida apenas a fabricação de produtos derivados da cannabis em todo o território nacional, por pessoa jurídica, desde que para os fins estritamente medicinais e de acordo com as regras previstas na emenda.

Leia também: “Ainda há muito o que caminhar”: PL 399 e o cultivo associativo

Da importação

Para Terra, os pacientes continuariam com a opção de importar o produto final a um custo elevado e com um dólar cada vez mais alto. E as empresas que desejarem produzir o produto, lembrando, como ele gosta de frisar, estritamente para uso medicinal, poderão importar o insumo farmacêutico nas formas de derivado vegetal e fitofármaco, a granel, ou o produto industrializado, não sendo permitida a importação da planta ou de suas partes.

Se não há possibilidades para cultivo e produção de produtos em solo nacional, óbvio que para exportação menos ainda. Este é outro ponto que a emenda derruba.

Da venda

Pouco muda do que ocorre hoje, a não ser a inserção de mais regras e deveres a quem vai comercializar. Longe de mim falar que não deve haver regras para comercialização dos produtos de cannabis, para uso terapêutico, no Brasil, mas o que propõe Terra não beneficia em nada o consumidor final, ou seja, os produtos continuarão sendo caros, ficando poucas opções para mercado. Pacientes continuarão pagando caro e rendidos a poucas opções existentes para a manutenção da saúde e do bem-estar.

Diante do que explanamos, dá para se ter ideia de como Osmar Terra segue em sua Emenda quando aborda sobre a prescrição médica, da dispensação e monitoramento dos produtos de cannabis. Parece que estamos diante de um produto mortal a quem manipula, utiliza e a toda a sociedade.

Lobby da Maconha é a justificativa 

Quase fazendo rir, Osmar Terra apresenta em suas considerações finais um breve histórico do fantasioso lobby da maconha e seu objetivo, alegando ser a verdade sobre os fatos.

Criado pelo próprio deputado, o denominado inimigo que só visa o lucro e o caos, o tal Lobby da Maconha, é resumidamente um prefácio de um devaneio proibicionista, que Osmar Terra vive em sua cruzada de vida.

Para ele, isso tudo vem desde a década de 70, quando o interesse dos políticos de esquerda e empresários ligados à indústria do cigarro começaram a mirar na maconha em substituição ao tabaco, ou da Coca-Cola e outra gigantes da indústria de bebidas que estão seguindo o mesmo caminho com sucos e cervejas misturadas a maconha, e, segundo Terra, “não se enganem, se não tomarmos cuidado, também acontecerá aqui”.

Em sua fantasia ele vai além, “eles não vão parar em cigarros ou bebidas com cannabis. O lobby quer avançar sobre nossas crianças e jovens, para forjar uma clientela fiel e futura. E como eles farão isso? Introduzindo a cannabis na indústria alimentícia, na produção de doces, chocolates e bolos, por exemplo. Senhores, já existe chocolate Kit-Kat com maconha, Nutella com maconha, cereal com maconha, pipoca com maconha, jujubas com maconha. Todo esse mercado é consumido por crianças e jovens. Eles são as maiores vítimas”.

Terra segue discorrendo em “verdades”, manipuladas a seu modo. Os tais produtos citados acima existem sim, mas nenhum deles é comercializado à vontade, sem regras e restrições, uma vez que todos, independente do modelo regulatório do país, são expressamente proibidos ao consumo por menores de idade (vale ressaltar que em alguns estados norte-americanos a maioridade é acima dos 21 anos).

Para Terra, “o lobby da maconha com os políticos que apoiam o PL 399/15 pretendem legalizar a maconha medicinal alegando que já está aprovado seu uso e benefício para diversas enfermidades e tratamentos”.

No mantra de que a maconha medicinal não existe e que isso é pretexto, como nos EUA, para introduzir a maconha no mercado e tirar sua percepção de risco, e sustentando que atualmente apenas nos caso de crise epiléticas refratárias em crianças é que o CFM apoia o uso do “remédio à base de canabidiol, o resto é pura especulação, sem comprovação”, Osmar Terra desmerece todas as pesquisas e o trabalho realizado por milhares de médicos e bons resultados apresentados por pacientes de todas as idades e de inúmeras condições, das mais raras às mais comuns, como dores crônicas, insônia e enxaqueca.

“Em relação às Associações de Pacientes sem Fins lucrativos precisamos ficar atentos à ‘pegadinha’, isso não passa de uma ‘armadilha’. Esse tipo associação vai ter sim uma minoria que precisa de verdade do medicamento, e uma grande maioria de jovens que vão relatar dores lombares ou outras para conseguirem sua autorização para fumar a maconha”. Se antes, com o parecer do relator, ainda havia muito o que caminhar sobre o cultivo associativo no PL 399, na versão de Osmar isso será enterrado.

Depois dessa, apesar do “Sr. Osmar” não parar em seu fantasioso discurso, cabe à sociedade ficar alerta e cobrar dos deputados que esta Emenda ao Substitutivo do relator Luciano Ducci ao PL 399/15 não seja aprovada, em sua totalidade. Por fim, vale reforçar que políticas e leis não são baseadas em vieses ideológicos, em cima de mentiras e “verdades” manipuladas para causar caos social, uma prática comum e recorrente do deputado Osmar Terra, como dar prazo de validade à pandemia. Lamentável!

Leia também:

Goiânia promulga lei que estabelece política pública de maconha medicinal

#PraCegoVer: fotografia de uma folha de maconha seca e amarelada, com os folíolos contorcidos, em fundo escuro. Foto: THCamera Cannabis Art.

mm

Sobre Dave Coutinho

Carioca, Maconheiro, Ativista na Luta pela Legalização da Maconha e outras causas. CEO "faz-tudo" e Co-fundador da Smoke Buddies, um projeto que começou em 2011 e para o qual, desde então, tenho me dedicado exclusivamente.
Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!