Educação e informação podem reduzir estigma associado às pessoas que usam drogas

Fotografia de uma folha de cannabis (fan leave) colocada sobre um globo de luz branca e um fundo escuro que aparece nos cantos superiores. Foto: THCameraphoto.

De acordo com um estudo conduzido por pesquisadoras brasileiras, indivíduos com maior escolaridade são mais propensos a considerar o usuário de drogas tão importante quanto qualquer outra pessoa

O uso de drogas faz parte da cultura da humanidade desde a pré-história — evidências arqueológicas mostram que já em 7.000 a.E.C. agricultores chineses fabricavam álcool fermentando uma mistura de arroz, uvas, pilriteiro e mel —, entretanto, nas últimas décadas, principalmente após a declaração de “guerra às drogas” do presidente americano Richard Nixon, em 1971, observamos o surgimento da estigmatização dos indivíduos que fazem uso de substâncias.

Além dos efeitos negativos à saúde física, as pessoas que consomem drogas enfrentam várias consequências sociais resultantes da estigmatização, como limitação das interações sociais, desemprego, violação de direitos, criminalização, barreiras ao acesso a programas sociais, internações involuntárias em comunidades terapêuticas, que usam da imposição de trabalhos forçados e conversão religiosa como tratamento, entre outras.

Segundo um estudo publicado na semana passada, na revista Ciência & Saúde Coletiva, o estigma imposto aos usuários de drogas, em que pese ser um fenômeno multifatorial, é influenciado pela escolaridade de quem observa.

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Pesquisadoras lideradas pela professora Andrea Donatti Gallassi, coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidades Associadas da UnB, realizaram um estudo com 180 indivíduos em uma comunidade em Brasília sobre seu julgamento moral e comportamentos em relação às pessoas que abusam de drogas, com ênfase no nível de escolaridade do participante.

Dos 180 participantes, houve maior proporção do sexo feminino (58%), na faixa etária 30-49 (40,2%), seguida de 18-29 anos (33,7%) e 50-65 anos (26%), declarou-se religioso 78,1%, casado 61,6% e empregado 62,2%. A maioria desses participantes cursou o ensino médio (64,6%) e os demais (35,4%) o ensino fundamental.

O estudo verificou que, em relação ao julgamento moral, os participantes com maior escolaridade consideraram que usuários abusivos de álcool, maconha, cocaína e crack são importantes como qualquer outro indivíduo.

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Houve associações positivas entre maior escolaridade e o fato de considerar o usuário de drogas tão importante quanto qualquer outro nos modelos não ajustados, sendo que a maior associação encontrada foi para a maconha, seguida de cocaína, álcool e crack.

Após o ajuste dos modelos (por idade e ocupação), a associação permaneceu apenas para a maconha. Participantes com maior escolaridade tiveram 4,26 vezes mais chance de considerar que o usuário abusivo de maconha é tão importante quanto qualquer outro.

Apesar dos altos níveis de estigmatização associada a indivíduos com qualquer problema de uso de substâncias, as percepções de estigma podem variar de acordo com o tipo de droga. Os resultados do estudo sugeriram menor estigma sobre o usuário de maconha — o que, segundos as autoras, pode ser explicado tanto pela maior prevalência quanto pelo menor potencial ofensivo da planta em relação às demais drogas estudadas.

No artigo publicado, as pesquisadoras observam que a religião também deve ser considerada um fator importante que influencia o julgamento moral das pessoas sobre os usuários. Quando perguntados sobre o uso de crack, os participantes do estudo que afirmaram ter uma religião consideraram o usuário “tão importante quanto qualquer outra pessoa”, apesar do grande potencial ofensivo da substância.

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Conclusões

As autoras alertam que a atitude negativa em torno da questão do abuso de drogas, um problema de saúde pública global, pode ser um entrave à adequada abordagem dos usuários, contribuindo para o agravamento do problema.

Os resultados do estudo sugerem que a educação e a informação sobre o uso de drogas podem ajudar a reduzir o estigma associado ao usuário. Dessa forma, políticas públicas de esclarecimento seriam importantes para aumentar o sucesso na prevenção e minimização dos danos sociais causados ​​por visões estigmatizadas de usuários de substâncias.

Sobre o estudo

O estudo faz parte do estudo multicêntrico “Atitudes em dez comunidades urbanas em relação a pessoas que abusam de drogas”, realizado por dez países da América Latina e Caribe (Bahamas, Belize, Brasil, Chile, Equador, Guiana, Jamaica, Nicarágua, Peru e Trindade e Tobago), apoiado pela CICAD/OEA (Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas da Organização dos Estados Americanos) e organizado em 2013 no Centro para Dependência e Saúde Mental (CAMH) afiliado à Universidade de Toronto, Canadá.

Nenhum dos demais países que fazem parte do estudo multicêntrico possui artigos publicados para que seja possível fazer a comparação com os dados apresentados pelas pesquisadoras brasileiras.

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#PraTodosVerem: fotografia de uma folha de cannabis (fan leave) colocada sobre um globo de luz branca e um fundo escuro que aparece nos cantos superiores. Foto: THCamera Cannabis Art.

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