‘É outra vida’, diz mãe que obteve na Justiça o direito de plantar maconha medicinal

Fotografia de Liane sentada em um sofá, enquanto observa a pequena Caroline que segura sorridente o salvo-conduto que obteve na Justiça. Maconha.

A garota deixou para trás a cadeira de rodas, as frequentes convulsões e as internações hospitalares que enfrentava, após começar o tratamento com óleo de maconha. As informações são do G1.

Uma decisão judicial mudou a vida da pequena Caroline. Aos 9 anos, deixou para trás a cadeira de rodas que precisava para se locomover, e as frequentes convulsões e internações hospitalares que tinha de enfrentar. Tudo graças ao óleo de canabidiol que a mãe, a professora Liane Pereira, de 50 anos, fabrica em casa a partir da planta que obteve neste mês o direito de cultivar.

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A decisão é de 9 de abril, do juiz Roberto Coutinho Borba, da 4ª Vara Criminal de Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre. Liane ingressou na Justiça para poder plantar um tipo específico de maconha, após aprender a produzir o óleo que acaba com as crises de convulsão causadas pela síndrome de Dravet, forma rara de epilepsia, da qual Caroline é portadora.

“É outra vida”, diz Liane, aliviada com a melhora da filha.

“Estávamos há um ano e dois meses sem por os pés no hospital, sendo que em um ano, passamos seis meses direto no hospital. Agora é curtir e ser feliz. Somos felizes vendo ela feliz no dia a dia”, conta.

Caroline teve a primeira crise de convulsão com 25 dias de vida. A partir de então, a enfermidade impediu a menina de ter uma infância normal.

“Ela tinha de 50 a 60 crises convulsivas diárias. Teve dias em que, das 24 horas, ela passava 23 convulsionando”, conta Liane.

#PraCegoVer: fotografia em vista superior de Caroline dentro de uma piscina, com a cabeça para fora e voltada para cima, com os olhos fechados e um sorriso nos lábios.

O desespero pelo estado de saúde da filha levou Liane a procurar um tratamento à base de cannabidiol. O medicamento, no entanto, é importado a um preço alto. A família chegou a fazer rifas, vaquinhas na internet e até mesmo retirar empréstimos bancários para bancar o produto.

Embora tenha melhorado o estado da menina, o óleo importado não cessou completamente as crises. Ainda assim valia o esforço, e a família conseguiu na Justiça que o SUS bancasse o medicamento. Mas o embate judicial era árduo, e por muitos meses Caroline ficou sem o remédio do qual tanto precisava.

“Conseguimos o repasse de aproximadamente seis meses de tratamento, durante três anos de processo. O Estado impunha muita burocracia, e no nosso entender, meios de procrastinar a decisão. Foi preciso bloquear as contas”, afirma a advogada Bianca da Silva Uequed, que representou a família no processo.

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Em abril de 2017, Liane viu no Fantástico a história de uma família que também obteve na Justiça o direito de plantar maconha medicinal. Entrou em contato com eles, e foi a São Paulo para aprender a cultivar e fabricar o óleo, ainda sem ter ideia do quanto impactaria positivamente na vida da filha.

“Não foi fácil. Eu cresci achando que maconha era uma droga e não dava para chegar perto. Primeiro tivemos que desmistificar dentro da gente”, conta a mãe.

A advogada da família explica que foi necessário fazer o plantio, ainda que de forma ilegal, para entrar com o pedido. Por isso, Liane tomou precauções para provar que tinha como única finalidade a melhora da filha.

“Ela muniu-se de documentos antes, fez esses cursos, participou de muitos encontros de mães que precisavam de apoio do Estado, e já tinha essa outra ação judicial [que pedia o fornecimento do óleo importado]”, explica Bianca.

O óleo fabricado em casa era ainda melhor que o que era comprado a alto custo. “O medicamento importado deu melhora, mas não zerou as crises, e a partir do momento em que começamos a usar o nosso artesanal, as crises foram diminuindo até parar”, celebra Liane.

Presença de THC

#PraCegoVer: fotografia em vista superior que mostra Caroline fazendo atividades de recorte e colagem.

O motivo da vantagem do óleo caseiro tem relação com um dos pontos mais polêmicos da discussão sobre o uso medicinal de maconha: a variedade da Cannabis sativa usada por Liane resulta em um óleo com uma pequena presença de tetraidrocanabinol (THC), princípio ativo da planta que causa efeitos psicoativos.

Com base em laudo de especialistas em toxicologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), usado no processo, a família garante que não há prejuízos para a saúde de Caroline. Pelo contrário, o THC, na proporção de 8%, é benéfico para a menina.

“Já tem estudos sobre o Efeito Entourage, ou Efeito Comitiva, de que é necessário ter um pouco de THC. A própria Anvisa, quando tivemos a primeira autorização, em 2015, a Anvisa liberava só o CBD [cannabidiol], e hoje já inclui remédios à base de CBD com outros canabinoides”, explica Liane.

Decisão inédita no RS
A decisão, 34ª do país nesse sentido, é inédita no Rio Grande do Sul, segundo a advogada da família. “Esperamos que abra portas para muitas crianças e adultos”, diz Bianca.

O juiz destacou que a família comprovou no processo a necessidade do plantio de maconha para que a menina melhorasse.

“À luz de todos os argumentos apresentados, imperiosa a concessão da ordem, forma de evitar que a admirável luta dos pacientes pela saúde e felicidade de sua filha C. não seja interrompida pelo aparato de persecução estatal, fruto de uma legislação vetusta, em completo descompasso com os avanços da medicina”, diz trecho da decisão.

O Ministério Público havia dado parecer favorável ao pedido. O salvo-conduto concedido pelo magistrado tem duração de um ano, e depois precisa ser renovado dentro do mesmo processo. Para a alegria da pequena Caroline, que depois de nove anos de sofrimento, poderá ter uma infância apropriada.

#PraCegoVer: fotografia (de capa) de Liane sentada em um sofá, enquanto observa a pequena Caroline que segura sorridente o salvo-conduto que obteve na Justiça. Créditos da foto: Paulo Pires – GES.

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