Do Canadá à Jamaica, dados do setor de maconha são questionados

Fotografia frontal de um pé de maconha no primeiro plano (na parte esquerda da foto) e, no segundo, várias outras plantas de cannabis plantadas em fileiras uniformes em uma fazenda; ao fundo pode-se ver uma mata dividindo o horizonte com um céu azul e algumas nuvens branquinhas.

O mercado global de maconha não para de crescer e aquisições com valores “exorbitantes” chamam a atenção em um cenário no qual se torna difícil documentar e valorizar os ativos. As informações são da Bloomberg, via InfoMoney.

À beira de uma estrada de terra próxima de Kingston, na Jamaica, 300 pés de maconha crescem em fileiras perfeitas, cuidados por um mestre rastafari conhecido como “Bob on the Job.”

A produtora canadense de maconha Aphria afirma que a fazenda faz parte de seu crescente portfólio de ativos internacionais. Duas firmas de investimento dos EUA focadas em vendas a descoberto colocaram a fazenda na ofensiva que derrubou as ações da Aphria em dezembro.

Hindenburg Research e Quintessential Capital Management questionaram a existência da propriedade e alertaram que a Aphria pagou demais por ativos “praticamente sem valor” em um acordo que envolve três países.

A verdade, apurada por repórteres da Bloomberg no interior da Jamaica e nas ruas de Buenos Aires, é mais complexa. Em se tratando de investimentos globais em maconha, é difícil documentar a existência de ativos e ainda mais difícil estabelecer seu valor.

A Aphria, sediada em Leamington, na província de Ontário, comprou a LATAM Holdings por um valor estimado na ocasião do anúncio, em setembro, de 193 milhões de dólares canadenses (US$ 144 milhões). A vendedora SOL Global Investments informou que a empresa valia 298 milhões de dólares canadenses quando o acordo foi fechado. Entre os ativos da empresa estão uma produtora licenciada na Jamaica chamada Marigold Projects, um galpão de distribuição de produtos farmacêuticos na Argentina e terras licenciadas na Colômbia.

‘Enorme oportunidade’

Em meados de dezembro, a Aphria apresentou como prova do valor dos ativos a maconha de potência medicinal resultante de 2.500 quilogramas de erva cultivada em quatro hectares de antigos canaviais que a empresa alugou do governo.

“Há tanto interesse na maconha medicinal da Jamaica que vieram empresas da ilha toda avaliar a situação”, afirmou o fundador da Marigold, Lloyd Tomlinson, em conversa no escritório dele, em Kingston. No país que o cantor de reggae Bob Marley tornou famoso, isso é “uma enorme oportunidade”.

Já para a Hindenburg e o fundo de hedge Quintessential, com sede em Nova York, as aquisições fazem parte de um esquema de empresas de fachada montado para enriquecer alguns. O relatório, divulgado em 3 de dezembro, fez a ação da Aphria perder metade do valor em três pregões, eliminando 1,4 bilhão de dólares canadenses em valor de mercado.

A Aphria declarou que o relatório é “malicioso”, falso e difamador e acrescentou que as transações tiveram parecer favorável do banco de investimento Cormark Securities, de Toronto. A Hindenburg pediu que o Cormark divulgasse publicamente o parecer.

A polêmica ficou mais apimentada após uma varejista de maconha dos EUA chamada Green Growth Brands anunciar uma tentativa de compra hostil em 27 de dezembro, avaliando a Aphria em quase 2,8 bilhões de dólares canadenses. A ação da Aphria disparou 13 por cento no dia seguinte à oferta. Para a Hindenburg, o lance não tem credibilidade e a conexão entre as duas companhias é suspeita. A Aphria afirmou que a oferta “subestima significativamente a empresa”.

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Lojas para consumidores

A Jamaica não permite exportação de maconha. O governo pretende apresentar ainda neste ano ao parlamento um projeto de lei que autoriza os embarques internacionais, segundo a Autoridade de Licenciamento de Cannabis. O plano inicial da Aphria é comercializar o produto localmente, vendendo aos 2,9 milhões de residentes e mais de 4 milhões de turistas que visitam o país anualmente.

A Quintessential havia questionado a existência de uma loja da empresa em Kingston, mas a Bloomberg encontrou a mesma com facilidade no segundo andar de um prédio, acima de uma pizzaria. No entanto, as prateleiras da loja estavam vazias. Um vendedor, que pediu para não ser identificado, avisou que o plano era contratar um médico que ficaria no local escrevendo receitas para os 3.000 clientes esperados semanalmente.

Operações na Argentina

A Marigold tem três outras lojas que ainda não inaugurou, de acordo com documentos vistos pela Bloomberg.

Na Argentina, uma subsidiária da Aphria chamada ABP está reformando um galpão no bairro residencial Parque Patricios, em Buenos Aires. A ABP também distribui produtos a farmácias, clínicas e hospitais e afirma que entregou 1.500 ampolas de óleo derivado de cannabis para testes clínicos em crianças com epilepsia refratária.

O acordo com a LATAM foi financiado pela emissão de 15,7 milhões de ações ordinárias da Aphria mais US$ 1 milhão em dívidas assumidas. Segundo o relatório elaborado por Quintessential e Hindenburg, com base no valor das ações da Aphria na data de fechamento do acordo, isso equivale a 280 milhões de dólares canadenses, sendo que os ativos na Jamaica corresponderiam a 145 milhões de dólares canadenses.

“A Aphria pagou 15-20 vezes mais pelas operações na Jamaica do que a concorrência”, escreveu Nathan Anderson, fundador da Hindenburg, em e-mail enviado no sábado à reportagem. “Um sítio com estrada de terra não justifica o preço de aquisição absurdo.”

Terras na Colômbia

A Aphria comprou uma participação de 90 por cento na Colcanna, dona de 13 hectares de terras em uma região cafeicultora a 320 quilômetros de Bogotá.

“Essas transações nos indicam que o preço de 193 milhões de dólares canadenses que a Aphria pagou por ativos na Colômbia, Argentina e Jamaica é, no mínimo, racional e talvez até relativamente barato”, escreveram analistas do Scotiabank.

A aquisição da LATAM representa pequena parte dos ativos totais da Aphria, que incluem capacidade de produção no Canadá de 255 toneladas anuais em 2019, 314 milhões de dólares canadenses no caixa e acordos de fornecimento com todas as províncias do país.

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#PraCegoVer: fotografia (capa) frontal de um pé de maconha no primeiro plano (na parte esquerda da foto) e, no segundo, várias outras plantas de cannabis plantadas em fileiras uniformes em uma fazenda; ao fundo pode-se ver uma mata dividindo o horizonte com um céu azul e algumas nuvens branquinhas. Créditos da foto: Ezra Fieser – Bloomberg.

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