Discussão sobre a cannabis também tem um pé na sustentabilidade

Fotografia que mostra um pequeno broto de cannabis (maconha) que desponta do solo, desfocado, com cobertura de perlita, e contém, além da casca da semente no caule, folhas no topo, duas serrilhadas e duas lisas, que partem do ponto central da imagem. Foto: THCameraPhoto. crianças

Com o avanço da pauta, especialistas defendem o papel da cannabis em uma economia sustentável. As informações são da GQ

Em junho, comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 399/15, dando um passo a mais na regulação do uso medicinal da maconha. Enquanto isso, outro setor já se movimenta: trata-se do mercado do cânhamo, uma variedade da planta cujo uso na indústria, no vestuário e em cosméticos, por exemplo, também deve se beneficiar do mesmo trâmite. A Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC), que reúne representantes do setor, trabalha desde o começo do ano em uma Frente Parlamentar Mista que está, no momento, na fase de coleta de assinaturas — atualmente, com apoio de 37 membros do congresso.

Leia também: Deputados apresentam recurso para impedir que PL da cannabis siga para o Senado

O cânhamo industrial é um tipo de cannabis que tem baixo teor de THC (tetraidrocanabinol, mais conhecido como o princípio psicoativo da planta). Em países como China, França e Alemanha, a lei exige que a composição não passe em média dos 0,3% de THC — índice abaixo daquele que caracteriza uma variedade da planta como psicoativa.

“A pauta medicinal tem alavancado toda discussão acerca da cannabis”, diz Rafael Arcuri, diretor executivo da ANC. “O apelo e necessidade dessa agenda regulatória, trazido muito no Brasil pelas mães que precisam do medicamento e por associações de pacientes, foi um passo importante para colocar a planta no debate público”, comenta.

A frente espera criar base legal para um mercado que pode se aproximar dos 10 bilhões de reais anuais nos próximos anos — caso ele seja regulamentado, claro. O número vem de levantamento publicado em junho pela empresa de inteligência de mercado Kaya Mind, que traz ainda outro dado interessante: enquanto a produção de 1 kg de algodão gasta 17 mil litros de água, a mesma quantidade de cânhamo exige uma fração desse volume: 700 litros. A planta tem uma produção de carbono negativa, segundo o estudo: ela absorve mais CO2 da atmosfera do que sua colheita, processamento e transporte jogam à atmosfera.

“É uma questão biológica da planta: ela é super-resistente e superabsorvível, puxa tudo. O cânhamo consegue, por exemplo, reter água por mais tempo do que o algodão”, explica Maria Eugênia, CEO da Kaya Mind.

 

 

 

Maria também aponta para o uso diverso do cânhamo em países nos quais seu uso é regulado: nos Estados Unidos, país onde esse plantio voltou a ser legal em 2018, a startup Hemp Plastic Company desenvolve bioplásticos — alternativas ao plástico tradicional não baseadas em petróleo — através do uso da planta, e já distribui produtos como vasilhas, bases para estantes e coolers (o cânhamo, vale salientar, é também um isolante térmico). A conterrânea TreeFree Hemp comercializa um tipo de papel que leva 25% de cânhamo e 75% de material reciclado. Já na França, apesar de entraves com o governo local, a startup Qairos Energies espera em breve montar uma usina de bioenergia na região de Sarthe baseada no bagaço do cânhamo, capaz de produzir metano e hidrogênio que servirão como biocombustíveis não poluentes. A empreitada é resultado de um investimento de 18,8 bilhões de euros, anunciado ano passado.

Leia também: Regulamentação da maconha movimentaria R$ 26,1 bi em quatro anos no Brasil

Por ora, a lei brasileira proíbe importar, exportar, comercializar e manipular a cannabis (incluindo o cânhamo) na forma de planta. Por outro lado, é permitido trazer de fora certos medicamentos (aqueles que não contenham THC), tecidos e fibras produzidos com a matéria-prima.

Não é à toa que a pesquisa dedique todo um capítulo à sustentabilidade, ou que o site da Associação Nacional do Cânhamo tenha estampado um objetivo que inclua o conceito verde como condição essencial. “É um mercado muito mais idealista do que outros. Eu advoguei bastante tempo e você percebe que é qualitativamente diferente: existem players mais pragmáticos que os outros, que não colocam sustentabilidade com condição necessária, mas todos consideram um fato relevante ainda assim”, diz Rafael, da ANC. No país, a indústria da cannabis ainda é movida por startups focadas em inovação e de perfil mais jovem.

Cenário diferente de quatro anos após a regulação do plantio no Brasil, quando a projeção Kaya Mind aponta que haverá cerca de 15 mil hectares de cânhamo sendo produzido. “Há um cuidado muito importante como ele vai ser liberado em alta escala”, diz Thiago Dessena, CIO da empresa de pesquisa. “Se você exige o plantio indoor, tem essa probabilidade de um alto consumo energético, entrando totalmente em conflito com o sol e o clima brasileiro”, conclui. Mesmo a resistência da planta a pragas pode ser colocada em teste quando seu cultivo for legalizado — e eventualmente intensificado. “[O baixo emprego de pesticidas] tem a ver com a resiliência natural do cânhamo, e também com a pouca cultura dele. Poucas pessoas o plantam e ele ainda não criou muita resistência às substâncias”.

Os especialistas alertam sobre a importância de não fazer do cânhamo uma panaceia, solução para todos os problemas do mundo — do plástico ao CO2. Mas apontam que seu papel em uma economia sustentável ainda assim é importante. “Onde o cânhamo ganha muito versus outras culturas é na quantidade de indústrias que ele pode fornecer matéria-prima. Ele não vai substituir todos os usos do algodão, da juta, do linho, de algum cosmético, mas vai pegar parte desses mercados”, conclui Thiago.

Leia também:

Rótulos de pegada de carbono estão chegando à indústria da cannabis

#PraTodosVerem: fotografia, em close, de um pequeno broto de cannabis com quatro folhas, duas serrilhadas e duas lisas, no topo do caule, onde também se vê a casca da semente na base, e um fundo desfocado que revela o solo coberto de perlita. Foto: THCamera Cannabis Art.

Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!