Deputado pede que PGR investigue cartilha de ministério sobre maconha

Fotografia de um cultivo de cannabis que mostra as folhagens de diversas plantas no primeiro plano e buds com pistilos alaranjados ao fundo. Imagem: Dave Coutinho | Smoke Buddies.

Marcelo Freixo (PSOL-RJ) solicitou que órgão apure se houve improbidade administrativa na produção da cartilha. As informações são da Folha

O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) enviou representação à Procuradoria-Geral da República pedindo que esta investigue cartilha sobre riscos do uso da maconha publicada pelos ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e da Cidadania.

O parlamentar pede que o órgão apure se houve “improbidade administrativa, violação dos princípios da administração pública e malversação de recursos públicos para defender posição ideológica” para produzir a cartilha, que ignora evidências científicas e afirma que “não existe ‘maconha medicinal'”, como mostrou reportagem da Folha.

“O que se observa é que a cartilha pode ter sido executada com desvio de finalidade dos ministérios citados, visando fins pessoais, por divulgar desinformação para manipular a opinião pública para corroborar as posições dos responsáveis pelas pastas e do próprio presidente da República, omitindo fontes científicas, acadêmicas, da Organização Mundial da Saúde e da própria Anvisa”, escreve o deputado na representação.

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Sobre a afirmação da cartilha de que “não existe ‘maconha medicinal'”, o documento assinado por Freixo lembra que resoluções da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabelecem requisitos para a comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos de cânabis para fins medicinais e dispõem sobre critérios e procedimentos para a importação de produtos dela derivados para tratamentos de saúde.

O documento dos ministérios da Mulher, Família e Direitos Humanos e da Cidadania faz associações sem comprovação, como a de que o uso da droga causa transtornos mentais e de que houve aumento da violência em locais em que a substância foi legalizada.

Apesar de a secretária nacional da Família, Angela Gandra, apresentar o documento como técnico em seu prefácio, o texto cita como fontes apenas estudos científicos que dão suporte a suas afirmações e não lista papers com conclusões divergentes.

A maconha medicinal é legal em mais de 40 países ou territórios; nos EUA, é permitida em 36 estados e no Distrito de Columbia. No Brasil, apenas o chamado uso compassivo é permitido, ou seja, apenas quando esgotadas outras opções terapêuticas.

Neste mês, a Comissão de Drogas Narcóticas da ONU (Organização das Nações Unidas) retirou a maconha da Lista 4 da Convenção sobre Drogas de 1961, de drogas consideradas perigosas e sem potencial terapêutico. A droga passou para a Lista 1, para as quais a ONU também recomenda controle, mas que podem ser prescritas por motivos médicos. O Brasil votou contra a mudança.

Uma revisão de estudos feita pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos em 2017 aponta que há evidências conclusivas de que a cânabis in natura e canabinoides reduzem sintomas em pacientes com dor crônica.

A mesma revisão aponta a efetividade de canabinoides para tratar sintomas de esclerose múltipla e náuseas e vômitos associados à quimioterapia. Também há estudos mostrando eficácia do CBD para alguns tipos de epilepsias graves.

A cartilha afirma que apenas um dos canabinoides conhecidos, o canabidiol (CBD), que sozinho não tem efeitos psicoativos, vem tendo seu potencial terapêutico estudado. No entanto, existem estudos e revisões que investigam a eficácia da maconha in natura para tratamento de dor crônica, por exemplo — alguns apontam redução dos sintomas, enquanto outros não acharam diferença entre o grupo tratado com placebo e aquele que consumiu maconha.

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Existe também um medicamento aprovado no Brasil para tratamento dos sintomas de esclerose múltipla, o Mevatyl, que contém tanto CBD quanto THC (tetraidrocanabinol, que causa “barato”). Em abril, a Anvisa permitiu a fabricação e comercialização de canabidiol no Brasil, com até 0,2% de THC, ainda que seja considerado um fitofármaco, e não um medicamento. O plantio da cânabis no país não foi liberado.

Questionado sobre as inconsistências da cartilha, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos reafirmou o que diz a publicação.

“Pesquisas foram feitas com relação ao canabidiol, mas ainda insuficientes, que demonstram sua eficácia”, disse a pasta em resposta a perguntas da Folha. “Ilustra esse entendimento a Nota de 17/05/2017 emitida pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Brasileira de Psiquiatria acerca do assunto: ‘As duas entidades reiteram aos médicos o entendimento de que somente o canabidiol, um dos derivados da Cannabis sativa L., por ter mínimos estudos em forma de pesquisa, tem a autorização para sua prescrição no tratamento de epilepsias em crianças e adolescentes refratários aos métodos convencionais”.

Decerto, existem riscos no consumo da maconha, muitos deles citados na cartilha, como a ingestão acidental por crianças, efeitos no aprendizado de adolescentes e o risco de desenvolvimento de dependência.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia de um cultivo de maconha que mostra as folhagens de diversas plantas no primeiro plano e inflorescências com pistilos alaranjados ao fundo. Imagem: Dave Coutinho | Smoke Buddies.

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