Delegado defende a legalização das drogas no Brasil como método para reduzir a letalidade

Fotografia em primeiro plano de Orlando Zaccone, usando paletó preto, camisa azul-claro e óculos, falando ao microfone que segura e, ao fundo, as bandeiras do RJ e do Brasil arriadas.

Autor de dois livros sobre o tema, o delegado carioca Orlando Zaccone fala sobre as recentes movimentações em torno da política de drogas no país; ‘Vamos viver momentos difíceis [nesse governo]’, avisa. As informações são do Destak

Em dezembro, Orlando Zaccone completa 20 anos como delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Desde o início da carreira, ele sempre atuou em delegacias de bairro. Trabalhou no caso do ajudante de pedreiro Amarildo, morto em 2013 pela ação de policiais militares que o torturaram com a justificativa de ser um traficante.

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Autor de dois livros, “Acionistas do Nada: Quem São os Traficantes de Drogas” (2007) e “Indignos de Vida: A Forma Jurídica da Política de Extermínio de Inimigos na Cidade do Rio de Janeiro” (2014), o doutor em Ciências Penais defende a legalização das drogas no Brasil como método para reduzir problemas de saúde e para reduzir a letalidade, tanto do crime organizado quanto da polícia. Por conta disso, Destak entrevistou o delegado sobre recentes movimentações em torno da política de drogas no país.

Bolsonaro retirou a participação da sociedade civil do CONAD (Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas). Qual sua interpretação do fato?
As pequenas mudanças que ocorreram no Brasil em relação à política de drogas foram através de pressão da sociedade civil. A última grande mudança foi a autorização para o consumo de medicamentos à base de canabidiol, autorizada pela Anvisa por pressão muito grande vinda principalmente das mães dos pacientes que precisam do remédio. O julgamento do STF sobre a descriminalização da conduta do usuário é outro sinal disso. O direcionamento do presidente pretende remover conquistas principalmente na área da saúde pública ao restabelecer a política de internação compulsória. Vamos viver momentos difíceis na política de drogas no país.

Houve o caso da censura do governo à pesquisa da Fiocruz, em maio…
Sim, há negócios sendo geridos por essas políticas retrógradas. Qualquer dado, mesmo científico, que vá contra o governo será desconsiderado porque o governo quer impor um modelo de política de drogas voltado para a ideia de tratar o problema no campo da saúde como um negócio, prestigiando as clínicas de internação particulares e movimentando muitos recursos públicos para favorecimento de interesses privados com a entrada de grupos de igrejas evangélicas, que tratam a questão que algumas pessoas têm com drogas por uma via de cura sob aspecto religioso.

Há exemplos no próprio continente, como EUA e Uruguai, de como lidar com as drogas como negócio.
Uma das maiores economias do mundo é o mercado das drogas lícitas. O que existe no Brasil, hoje, é o monopólio de grupos específicos no sentido de manter a proibição como um modelo às custas do sofrimento e de toda uma guer-ra que atinge a população. É evidente que falar de legalização, como nos EUA, também implica em interesse de grupos, só que para participar abertamente do mercado das drogas. A proibição não afasta interesses econômicos. Legalizar coloca o negócio em farmácias e cessa a disputa violenta do mercado ilegal. Ninguém toma conta de farmácia com fuzil.

Se houvesse interesse em de fato proibir, o Estado não deveria centrar esforços no topo da hierarquia do narcotráfico em vez de favelas?
A proibição gera negócios ilícitos que o Estado não taxa, não possui controle, e na hora da repressão o que é selecionado são os campos mais vulneráveis do negócio. No caso, o varejo. A polícia só reprime os mais pobres. O grande negócio, que é a produção e a distribuição, fica praticamente intocável e, pior, no campo da lavagem de dinheiro. Onde está a economia da maconha, da cocaína, do ecstasy? Acaba no mesmo sistema financeiro. Uma economia deste tamanho não cabe em um colchão. O que não desaparece é o sofrimento imposto na guerra às drogas: a violência de Estado, entre gangues e mortes de civis.

Há quem veja na legalização sinônimo de “liberar geral”.
Regulamentar o mercado não significa que as pessoas vão usar drogas livremente. É preciso idade mínima, local e política pública para reduzir o consumo. O exemplo se dá pelo combate ao tabagismo com informações nas embalagens, proibição de propaganda e de uso em local fechado. No Uruguai, a liberação da maconha veio com uma série de medidas do governo para não incentivar o consumo. Lá, nem álcool tem propaganda. Aqui o que impera é a hipocrisia, onde há drogas do bem, as lícitas, e as do mal.

No discurso do combate às drogas está embutido a segurança pública.
No discurso da necessidade de segurança para o comércio, geração de riquezas e da população, criam-se os negócios da segurança, o que viabiliza a indústria da prisão. O Brasil tem cerca de 850 mil pessoas em presídios, e um terço está preso por drogas. A tendência é o superencarceramento para privatizar cadeias, assim como nos EUA, que realizou o processo quando a massa carcerária ultrapassou um milhão de pessoas. Hoje é possível ser acionista na Bolsa de Nova York de empresas que administram penitenciárias. A política atual de drogas do governo brasileiro afasta a sociedade do debate, tem postura irredutível a mudanças, e isso visa explodir a população carcerária para favorecer a privatização.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em primeiro plano de Orlando Zaccone, usando paletó preto, camisa azul-claro e óculos, falando ao microfone que segura e, ao fundo, as bandeiras do RJ e do Brasil arriadas. Foto: Thiago Lontra.

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