Vestido de palhaço, psiquiatra preenche lacuna deixada pelo estado na Cracolândia

Fotografia de Flavio Falcone, onde o psiquiatra aparece com o rosto pintado de vermelho, preto e branco, nariz de palhaço, boné preto e colares feitos de guias pretas e vermelhas trançadas, em um espaço urbano que aparece ao fundo, desfocado. Crédito: reprodução / Instagram.

Flavio Falcone usa as roupas e o hip-hop para quebrar o gelo com os sem-teto, como um primeiro passo para o tratamento de saúde mental e para dependência de que necessitam. As informações são da Reuters

Com seu jaleco branco de médico, o psiquiatra Flavio Falcone não conseguia fazer com que pessoas em situação de rua falassem.

Mas vestido de palhaço, com um nariz vermelho brilhante, ele se tornou um ícone da Cracolândia: uma área de cerca de oito quarteirões no centro histórico de São Paulo, onde pessoas com problemas relacionados ao uso abusivo de drogas disputam o espaço.

Os pacientes de Falcone o conhecem como “O Palhaço”, não como médico.

Ele atende um número cada vez maior de pessoas levadas às ruas pela pandemia de Covid-19, que assolou a economia do país. O apoio inicial do governo, uma tábua de salvação para muitos, também vacilou.

“Esse personagem representa a exposição dos erros, da fragilidade do que existe nas sombras. A exposição de fracassos”, disse Falcone.

“O que faz você rir é o palhaço que tropeça, não o palhaço que anda direito. As pessoas que estão nas ruas são na realidade os fracassos ​​da sociedade capitalista”.

Falcone não é um palhaço de circo comum.

Infundido com a cultura de rua hip-hop, ele usa uma corrente de ouro e um boné de aba reta e percorre as ruas acompanhado por um alto-falante estridente que toca rap.

Trabalhando com a atriz Andrea Macera, Falcone usa os figurinos e a música para quebrar o gelo com os sem-teto, como um primeiro passo para o tratamento de saúde mental e para dependência de que precisam. Durante o “momento do rádio”, organizado por Falcone e Macera, moradores de rua da Cracolândia podem solicitar músicas e até fazer rap. Ao redor da praça pública, pessoas se reúnem e acendem abertamente seus cachimbos finos de crack.

Seu trabalho no bairro desde 2012 lhe rendeu seguidores leais. Um homem que recebeu ajuda de Falcone para lidar com a dependência tatuou a palavra “palhaço” no pulso.

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Com o apoio do governo diminuindo na Cracolândia, Falcone tentou preencher o vazio.

Em abril de 2020, um mês depois que a pandemia atingiu o Brasil pela primeira vez, o governo fechou um abrigo para moradores de rua local como parte de um esforço para limpar o centro da cidade e abrir caminho para construções. O abrigo mais próximo fica a cerca de três quilômetros de distância.

Falcone e Macera ajudaram a encontrar moradia para cerca de 20 dos deslocados e a distribuir 200 tendas fornecidas por uma ONG brasileira. No final do ano passado, eles lançaram um novo programa denominado “Teto, Trabalho e Tratamento” para oferecer apoio às pessoas em situação de rua, com financiamento do Ministério Público do Trabalho.

A população sem-teto aumentou depois que os pagamentos do auxílio de emergência do governo federal de R$ 600 mensais aos pobres foram reduzidos e depois suspensos no final de 2020. Após um atraso na aprovação pelo Congresso, os pagamentos foram retomados no mês passado, com valor médio de R$ 250, a um número menor de pessoas.

Para muitos, essa ajuda é muito pequena, e tarde demais. Milhões afundaram na pobreza desde o início do ano.

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Para Jonatha de David Sousa Reis e Bruna Kelly Simões, isso significou perder a casa. O casal mudou-se para uma tenda improvisada, amarrada entre duas árvores, em uma praça pública na Cracolândia, neste ano.

“Enquanto não houver empregos, o pagamento de emergência deveria ter sido mantido como estava”, disse Reis, 34 anos. “Tem sido difícil, muito difícil.”

Eles chegaram às ruas no momento em que a Covid-19 atinge o ponto mais mortal já registrado no Brasil. Todas as semanas, desde o final de fevereiro, houve novos registros diários de mortes por coronavírus.

No dia 8 de abril, o país bateu o recorde de mortes por Covid-19 registradas em 24 horas, com 4.249. Até hoje (22/5), segundo o painel do Centro de Ciência e Engenharia de Sistemas da Universidade Johns Hopkins, mais de 446 mil pessoas foram mortas pela doença no Brasil e 3,4 milhões em todo o mundo.

Reis disse que espera conseguir um emprego de volta na companhia de navegação onde trabalhava assim que a pandemia diminuir, embora pareça improvável que isso aconteça em breve. Os epidemiologistas esperam que o surto piore nos próximos meses. O Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos em mortes e casos.

Para Jailson Antonio de Oliveira, 51, Falcone é sua principal tábua de salvação. O esforço de filantropia do palhaço paga por um quarto para ele e sua namorada, mesmo que ele não possa mais comprar carne depois que os pagamentos de emergência acabaram.

“Hoje tenho uma vida melhor por causa do palhaço Flavio Falcone”, disse Oliveira, com o palhaço tatuado no pulso. “Ele é meu braço direito, ele ajuda em tudo que pode.”

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#PraCegoVer: fotografia de Flavio Falcone, onde o psiquiatra aparece com o rosto pintado de vermelho, preto e branco, nariz de palhaço, boné preto e colares feitos de guias pretas e vermelhas trançadas, em um espaço urbano que aparece ao fundo, desfocado. Crédito: reprodução / Instagram.

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