CRM do Paraná é contrário à divulgação do uso medicinal da cannabis

Foto mostra a mão de uma pessoa segurando um conta-gotas contendo um pouco de óleo de cannabis acima de um frasco âmbar com rótulo preto e dourado que, próximo a dois outros vidros com a mesma etiqueta, se encontra sobre uma superfície marmorizada em tons de cinza e lisa que se mistura ao fundo da imagem. Crédito: Crystalweed / Unsplash.

Órgão de classe sustenta que não existe medicina canábica fora o uso do CBD para epilepsia e notifica clínica por divulgar informações sobre o tema em suas redes sociais

O Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) vem questionando desde maio deste ano a atuação de médicos em um dos campos da medicina com maior potencial de trazer inovação e conforto a milhões de pacientes: o tratamento médico canábico.

Em uma visão que contraria o delineamento legal estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ignora os avanços da ciência sobre o uso medicinal da cannabis, o CRM-PR sustenta, baseado em uma resolução do Conselho Federal de Medicina de 2014, que o uso da cannabis medicinal está restrito à epilepsia em crianças e jovens refratários ao tratamento convencional.

Ademais, o conselho defende que apenas o canabidiol (CBD), um dos compostos mais famosos da cannabis, de forma isolada, pode ser prescrito pelos médicos, estando todos os demais canabinoides como o THC, o canabigerol, o canabinol e outros com importantes propriedades medicinais encontrados na planta proibidos.

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A Gravital, clínica canábica com sede no Rio de Janeiro funcionando desde dezembro de 2019 e filial recém-inaugurada em Curitiba, recebeu duas interpelações do CRM-PR comunicando atos de fiscalização daquele conselho em suas redes sociais e site.

Em um comunicado divulgado ao público sobre o assunto, a clínica expressou seu desapontamento com a postura do órgão de classe e prometeu não desistir de trazer o debate sobre a cannabis medicinal à tona no Brasil e tampouco deixar de divulgar informações sobre o tema para seus pacientes e sociedade.

“Nós somos a primeira clínica canábica do Brasil. Já atendemos mais de 2 mil pacientes das mais diversas condições clínicas. Vimos vidas de famílias se transformarem graças ao uso da cannabis. Além disso, estamos constantemente conectados com os avanços que ocorrem no exterior sobre o tema. Quantos desses pacientes só puderam se beneficiar após terem olhado nosso material educativo no website ou em nossas redes sociais? Qual o sentido e qual o benefício para o público em se censurar a ampla divulgação de conteúdo sobre o tema?”, defende Joaquim Castro, fundador da Gravital.

A resolução do CFM vai de encontro a todas as resoluções da Anvisa sobre o tema. Os dados da agência mostram que a cannabis tem sido muito utilizada por pacientes brasileiros portadores das mais diversas condições clínicas tais como transtornos ansiosos, Parkinson, Alzheimer, dor crônica, depressão, além da própria epilepsia.

“A resolução do CFM limita a prescrição para a molécula do CBD isolada, porém, na prática clínica e já amplamente suportado por pesquisas, o mais utilizado é o óleo dito ‘full spectrum’. O óleo full spectrum contém todos os canabinoides da planta, além de terpenos. É o seu efeito em conjunto, dito efeito comitiva, que potencializa o resultado do uso da cannabis nos tratamentos. Inclusive a Anvisa, sabiamente, tem o mesmo entendimento”, explica a Dra. Amélia Carvalho, médica e diretora técnica da Gravital de Curitiba.

A realidade é que o CFM ficou para trás em relação ao dinamismo e velocidade da evolução do tema da cannabis medicinal no mundo. Ao não atualizar suas normativas nos últimos sete anos, esses já ficaram ultrapassados.

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A advogada Fabiana Mascarenhas, do núcleo de cannabis legal do escritório carioca FCM Law, aponta nessa direção: “Precavidamente, o Conselho, em sua Resolução CFM 2113/2014, a qual regulamenta o tema da prescrição da cannabis, já previa em seu artigo 5º que a mesma precisaria ser atualizada após dois anos. Passaram-se sete anos e nada foi feito. Assim, ao descumprir a sua própria Resolução e não considerar os avanços científicos sobre o tema, o CFM causa insegurança jurídica aos prescritores, os quais estão devidamente respaldados pelas Resoluções posteriores da Anvisa”, afirma a advogada.

A postura do conselho causa preocupações nos representantes da nascente indústria da cannabis medicinal e industrial brasileira. Pois não haveria espaço para florescer uma indústria — incentivada na RDC 327/2019 da Anvisa — se fossem seguidos os parâmetros defendidos pelo CFM, tendo em vista que a base de pacientes e de médicos aptos a prescrever não justificaria os milhões de reais que já vêm sendo investidos por companhias do setor.

O CRM-PR precisa buscar parcerias para reorientar as equipes da Comissão de Divulgação de Assuntos Médicos, para se atualizarem sobre os avanços científicos médicos e P&D em torno da cannabis para uso terapêutico. São mais de 250 patologias mapeadas, e felizmente a Anvisa informa que até julho de 2021 mais de 45 tipos de especialidades médicas aviaram receitas, solicitando o acesso a produtos de cannabis para seus pacientes”, diz Thiago Ermano, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann), a qual representa os interesses de dezenas de agentes que começam a se organizar no mercado brasileiro e nas Américas.

De acordo com Ermano, represar acesso à informação e produto para saúde só retarda grandes oportunidades de investimentos, de atração de capital. Empresas já contratam, geram renda, investem em fábricas, em produtos e em sistemas de distribuição permitidos pelo Estado.

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“E tudo isso depende da capacidade dos médicos de poderem prescrever com segurança jurídica, tendo o apoio, a orientação e disseminação de informação técnica por meio de seus conselhos de classes. Quem foi notificada foi nossa associada Gravital, que buscou solução educativa e pacífica, porém, sem a devida atenção. Pedimos revisão ao CRM-PR, porque manter essa decisão só gerará um alerta a todos os prescritores e em efeito cascata a todos que se movimentam para tornar realidade essa indústria no país. Sem falar nas associações de pacientes”, finaliza o representante da Abicann.

Contrário à prerrogativa de que apenas pacientes com epilepsia refratária poderiam fazer uso da cannabis medicinal é o caso impressionante da senhora Hilda Gaio Bida, de 83 anos, que apresentava sintomas agudos de demência. A neta dela, a nutricionista Priscila Wandscheer, conta que a avó percebeu os primeiros sintomas em 2018, que foram alguns lapsos esporádicos de memória, e logo iniciou o tratamento com a cannabis.

A neta conta que dona Hilda passou a ficar mais calma, menos ansiosa, mais ativa, e já não tem mais as alucinações. “Ela voltou a fazer coisas que não fazia há muitos anos, como andar na rua, porque a doença deixava ela muito depressiva, sempre foi de ficar deitada e hoje está infinitamente melhor e isso tem só um mês. A gente está vendo grandes resultados e estamos confiantes de que ela possa ser mais independente”, comemora a neta. “É muito bom poder vê-la evoluindo e saber que pode melhorar cada dia mais sua qualidade de vida. Eu recomendo o canabidiol para todos”, resume.

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#PraTodosVerem: foto mostra a mão de uma pessoa segurando um conta-gotas contendo um pouco de óleo de cannabis acima de um frasco âmbar com rótulo preto e dourado que, próximo a dois outros vidros com a mesma etiqueta, se encontra sobre uma superfície marmorizada em tons de cinza e lisa que se mistura ao fundo da imagem. Crédito: Crystalweed / Unsplash.

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