CRIMINALIZAÇÃO RACISTA DA MACONHA

Ilustração que mostra um escravo ajudando outro a acender um cigarro de maconha, ambos com cestas de palha nas costas, enquanto um terceiro observa, sentado em uma cesta.

A legalização da maconha é necessária não somente para combater efetivamente o narcotráfico e o mercenário esquema da guerra às drogas, mas também para reparar uma política racista do Estado. É urgente abrirmos o debate sobre a legalização da venda da maconha nas favelas como medida de justiça, reparação social e de segurança pública. Saiba mais sobre o tema no texto do advogado militante Dr. André Barros.

No 24º episódio do programa FUMAÇA DO BOM DIREITO, abordamos as raízes da criminalização da maconha no Brasil. O primeiro lugar do mundo que criminalizou a maconha foi o Rio de Janeiro. Em 4 de outubro de 1830, foi aprovada, pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a Lei de Posturas, cujo § 7º consistia na Lei do “Pito do Pango”. Seu texto demonstra bem o racismo, pois começa penalizando com 3 dias de cadeia os “escravos e outras pessoas” — e os escravos eram os negros — que fumassem maconha em pequenos cachimbos de bambu com uma pequena cuia de barro na ponta, o chamado “pito do pango”. Enquanto isso, o vendedor, em geral um boticário, recebia uma multa de 20$000. A primeira lei que criminaliza a maconha é tão racista que o comprador, que é o escravo negro, recebe uma pena mais severa que a do vendedor branco!

Mais emblemático ainda foi que, naquele mesmo ano, aprovou-se o primeiro código criminal do Brasil. Seu artigo 60 estampa como foi terrível a escravidão. Os negros escravizados, que já nasciam punidos, mesmo não sendo considerados juridicamente pessoas, podiam ser réus. Segundo a lei, por praticarem pequenos delitos, como furto de sapatos, conduta comum, pois escravos andavam quase sempre descalços, recebiam uma pena de, no máximo, 50 chicotadas por dia. Isso por que, antes da lei, eram de cem a quatrocentos açoites.

Como fumar maconha também era um pequeno delito, ao qual não caberia a pena de morte ou de galés, sobrava a pena de açoite. É bem possível que, por consumirem o Pito do Pango, sua pena fosse semelhante à sanção pelo furto de sapatos.

A prova maior da existência da Lei do Pito do Pango está no livro “MACONHA”, publicado em 1958 pelo Serviço Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Trata-se de uma coletânea de trabalhos brasileiros sobre maconha, dos quais o primeiro consiste num memorial escrito por Rodriguês Dória, médico e professor da Bahia, que havia também sido presidente de Sergipe. Dória apresentou seu trabalho ao Segundo Congresso Científico Pan-Americano, reunido em Washington D.C., em 27 de dezembro de 1915, e, ao referir-se à Guerra do Ópio na China, afirmou que, quando a imposição da importação pelos ingleses se espraiou pelo mundo civilizado e foram abertas inúmeras casas de ópio na Inglaterra e na França, “o vencido se vingava do seu vencedor”. Dória comparou a maconha ao ópio, no sentido de que a erva seria uma vingança dos negros contra os brancos em razão da escravidão.

Conhecer nossa história é reconhecer que o racismo sempre foi e é uma política de Estado no Brasil. É entender que a atual política de segurança pública, que concentra a repressão na venda no varejo de maconha e drogas nas favelas, é uma política racista de Estado, já que a maconha e as drogas são vendidas e compradas em todo o Estado do Rio de Janeiro por todas as classes sociais. Milhares de vendedores de classe média e alta fazem o seu comércio varejista. O sistema penal policial sequer reprime a distribuição de toneladas de maconha e drogas que chegam nas favelas. Permitem que cheguem fuzis, pistolas e drogas, já embrulhadas em pequenas mutucas, às mãos de jovens, negros e pobres, que frequentemente morrem antes de completar 24 anos de idade. É necessário e urgente abrir o debate sobre a legalização da venda da maconha nas favelas como medida de justiça, reparação social e de segurança pública!

Leia também: DIREITOS HUMANOS E FASCISMO

#PraCegoVer: ilustração (de capa) que mostra um escravo ajudando outro a acender um cigarro de maconha, ambos com cestas de palha nas costas, enquanto um terceiro observa, sentado em uma cesta.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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