Craco Resiste divulga vídeos com ações violentas da GCM na Cracolândia durante pandemia

Captura de tela do vídeo gravado pela Craco Resiste que mostra agentes da GCM próximo a um grupo de pessoas, na Cracolândia, enquanto um dos guardas atira em direção às pessoas.

Imagens mostram Guarda Civil Metropolitana atirando balas de borracha, spray de pimenta e dando golpes de cassetetes na população em situação de rua que mora na região situada no Centro da capital de São Paulo. Coletivo ainda informou ter relatos de violência cometida pela PM. As informações são do G1

A Craco Resiste divulgou nesta segunda-feira (5) vídeos que denunciam ao menos 12 ações violentas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) contra a população em situação de rua na Cracolândia, no Centro de São Paulo, durante a pandemia de Covid-19. A região é conhecida por esse nome devido à presença de usuários e de traficantes de drogas.

Segundo o coletivo, as imagens foram gravadas por voluntários do movimento social entre o final de dezembro de 2020 até março deste ano. Elas mostram guardas civis usando armas e disparando bombas de gás, balas de borracha, usando spray de pimenta e dando golpes de cassetetes, aparentemente sem motivo, nas pessoas que ocupam praças e ruas da região com barracas.

Segundo a Craco Resiste, seus membros e os moradores da Cracolândia também presenciaram ações violentas da Polícia Militar (PM) na região logo após a intervenção da GCM. Os policiais militares não aparecem nas filmagens, no entanto.

Os vídeos e essas denúncias estão num dossiê que o coletivo informou ter entregado à Defensoria Pública e à Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo. O objetivo da Craco Resiste é que esses órgãos levem as denúncias de violência cometidas pelos guardas-civis e pelos policiais militares na Cracolândia para o Ministério Público (MP). O coletivo quer que a Promotoria apure as eventuais responsabilidades dos agentes envolvidos e busque suas punições na Justiça.

“O dossiê prova o que a gente fala há muitos anos: há um massacre na região, não é confronto como as autoridades repetem. Agora a gente vê que é uma política pública. Tem vários vídeos que mostram as pessoas sendo agredidas com balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo sem fazerem nada. E a gente também mostra que o custo disso é absurdo, para algo absolutamente ineficiente porque ninguém sai da rua ou do crack por que apanhou”, disse Roberta Costa, uma das voluntárias da Craco Resiste.

 

 

 

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O que dizem os citados

De acordo com o advogado Arnobio Rocha, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, o grupo de trabalho recebeu as denúncias do coletivo e está “analisando as medidas [que irá tomar], como oficiar a SSP [Secretaria da Segurança Pública], Ouvidoria [da Polícia] e GCM, entre outras medidas”.

As imagens da Cracolândia não mostram a violência da GCM momentos antes da revolta

A assessoria de imprensa da Defensoria Pública informou que recebeu as denúncias e que irá avaliar que medidas irá tomar, e que o órgão tem acompanhado constantemente as questões e problemas envolvendo a Cracolândia.

A Polícia Militar não se posicionou sobre as denúncias até a última atualização desta reportagem.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo comentou as denúncias feitas pela Craco Resiste contra a Guarda Metropolitana.

“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Segurança Urbana, informa que as imagens fornecidas não permitem uma análise apropriada, pois não mostram toda a dinâmica das ocorrências, mas apenas um recorte da ação dos guardas”, informa um trecho do comunicado.

Dossiê

O dossiê da Craco Resiste informa que, desde dezembro, tanto a GCM como a PM “agridem e humilham a população em situação de rua. São ataques de surpresa e sem necessidade com spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo, socos e empurrões quando os guardas não sabem que estão sendo filmados. Isso enquanto as pessoas estão sentadas, distraídas ou simplesmente passando”.

O coletivo obteve, via Lei de Acesso à Informação, a informação de que a Secretaria Municipal de Segurança Urbana declarou que cada bala de borracha custa R$ 31,32 e cada granada de gás lacrimogêneo custa R$ 356,20. O levantamento feito aponta que, em apenas um dia de ação na Cracolândia, foram gastos R$ 14.201,28. A Craco Resiste calculou que, de setembro de 2020 a março deste ano, a GCM gastou R$ 60.247,12 com munição.

Ainda de acordo com o relatório, “não são desvios de conduta de dois guardas ou três policiais, é o projeto da Prefeitura de São Paulo que vem sendo denunciado pela Craco Resiste desde 2017. O projeto de expulsão das pessoas pobres do centro da cidade. A violência cotidiana também afeta às dezenas de famílias ameaçadas de despejo nos quarteirões marcados para a demolição na região da Luz”.

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O dossiê aponta que as ações representam desperdício de recursos públicos nas ações da GCM e da PM, que poderiam ter sido aplicados na distribuição de alimentos e cestas básicas. O valor poderia servir para oferecer seis mil refeições na pandemia, segundo o coletivo.

De acordo com Roberta, a Craco Resiste entende que os problemas na Cracolândia vão terminar quando o poder público e as autoridades resolverem questões: da falta de moradia na região; legalizar todas as drogas; acabar com o encarceramento para todos os crimes; dar acolhimento de saúde mental à população; e criar espaços de convívio social.

Ainda por meio de nota, a Prefeitura respondeu que “a comparação proposta pela reportagem entre gastos com segurança e fornecimento de alimentos é descabida”.

“A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) distribuiu mais de 210 mil refeições na região da Luz no período citado (set/2020 a mar/2021), pois são entregues mil refeições diárias (500 almoços e 500 jantares). Já a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania mantém pontos do programa Rede Cozinha Cidadã na Luz. O programa distribuiu mais de 2,4 milhões de marmitas em toda a cidade durante a pandemia. Há também um banheiro montado na Praça Júlio Prestes — da ação Vidas no Centro, que já contabilizou mais de 181 mil atendimentos neste perímetro — e pias para higienização das mãos instaladas próximo à praça Princesa Isabel, endereços do entorno do quadrilátero onde há o fluxo de usuários”, informa outro trecho do comunicado da administração pública.

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Cronologia das ações violentas da GCM

31 de dezembro de 2020: um dos vídeos mostra a tropa jogando uma bomba contra um homem que está abaixado no chão.

16 de janeiro de 2021: outro vídeo foi feito em 16 de janeiro, quando guardas disparam bombas contra uma multidão. A Craco Resiste pediu informações sobre a ação via Lei de Acesso à Informação e obteve a resposta de que a GCM “não usou munição menos letal na operação deste dia”.

20 de janeiro: a sequência de vídeos mostra uma multidão na esquina da rua Helvétia e alameda Dino Bueno, enquanto guardas usam balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. O relatório da ONG aponta que neste dia a corporação gastou R$ 2.928,16 com 48 tiros de bala de borracha e quatro bombas de gás.

29 de janeiro: guardas disparam bombas de gás contra a população que estava no local. O relatório da ONG indica que nesse dia foram gastos R$ 3.507,32 com 8 bombas de gás e 21 balas de borracha.

30 de janeiro: os guardas voltaram ao local e, na alameda Dino Bueno, jogaram bombas de gás contra as pessoas. O levantamento da ONG mostra que foram usadas nesta ação 11 balas de borracha e nove granadas de gás ao custo de R$ 3.550,32.

20 de fevereiro: um guarda dispara um jato de spray de pimenta contra pessoa que se aproxima dele.

5 de março: guardas-civis lançam granadas contra o “fluxo” (nome dado ao local onde os usuários de drogas se reúnem) na Cracolândia. Neste dia a GCM usou 11 bombas de gás e 4 balas de borracha ao custo de R$ 4.043,48.

9 de março: um homem é empurrado por um guarda e agredido com spray de pimenta. Os guardas também lançam bombas e balas de borracha contra outras pessoas.

12 de março: um carro da GCM avança sobre um homem deitado no chão.

16 de março: guardas se aproximam da fila de banheiro químico na região e um deles dá um soco no peito de um homem.

27 de março: guardas jogam bombas de gás contra pessoas na esquina da alameda Cleveland e rua Helvétia. As pessoas atiram rojões contra os guardas, que seguem até a alameda Dino Bueno, quando disparam mais bombas.

29 de março: guardas disparam balas de borracha e bombas na rua Helvétia.

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#PraCegoVer: em destaque, captura de tela do vídeo gravado pela Craco Resiste que mostra agentes da GCM próximo a um grupo de pessoas, enquanto um dos guardas atira em direção às pessoas.

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