Coronavírus x fumo: tabaco, maconha e vape podem aumentar gravidade da Covid-19

‘Fumantes são mais vulneráveis a vírus respiratórios que os não fumantes’, explica especialista da área da saúde. Saiba mais no artigo do G1 / Bem-Estar

Os riscos do cigarro para a saúde das pessoas são conhecidos, mas a Covid-19 criou novas preocupações para os fumantes. Abaixo, o G1 esclarece dúvidas sobre a ação do coronavírus no organismo dos tabagistas.

1 – Quais riscos os fumantes correm em relação aos não fumantes?

Fernando Didier, pneumologista do Hospital do Coração (HCor), afirma que uma das preocupações em relação aos fumantes é o fato deles levarem as mãos ao rosto e à boca, tocando em outras superfícies que podem estar contaminadas pelo coronavírus, sem poderem higienizá-las adequadamente enquanto fuma.

“Além disso, como há uma expiração forçada após uma inspiração profunda acredita-se que possa haver maior propagação de partículas virais, inclusive nas grandes ‘nuvens’ produzidas pelos vaporizadores” — Fernando Didier, pneumologista do HCor.

Jose Miguel Chatkin, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), afirma que o tabagismo está associado a desfechos desfavoráveis em Covid-19. “Já foi possível apontar que ser fumante está significativamente relacionado com sintomas mais graves”.

“Os fumantes são mais vulneráveis a vírus respiratórios que os não fumantes, sendo o risco de infecção grave por Influenza duas vezes maior nos fumantes. Os quadros clínicos também são mais graves. Além disso, no surto pelo coronavírus MERS-CoV, de alguns anos atrás, os fumantes tiveram taxas de mortalidade maiores que os não fumantes. Como são vírus muito semelhantes, é possível que as consequências sejam muito similares” — Jose Miguel Chatkin, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

2 – Como a fumaça age nos pulmões?

Didier explica que as fumaças do tabaco, da maconha ou do narguilé, queimadas ou vaporizadas, são nocivas às células respiratórias já nos primeiros contatos. Elas levam à inflamação que se estende do nariz até as estruturas microscópicas responsáveis pela absorção do oxigênio, chamadas de alvéolos.

“Essa inflamação leva à perda da proteção contra agentes externos e ativa mecanismos de defesa como tosse e produção de secreção, mas com perda da qualidade de vida. Com a repetição da exposição, o dano vai ficando permanente, inclusive com destruição completa dos alvéolos, levando ao enfisema e à inflamação crônica dos brônquios e a bronquite crônica com dano irreversível. Além disso, a fumaça pode levar a mutações nas células que facilitam o desenvolvimento de câncer” — Fernando Didier, pneumologista do HCor.

Chatkin explica que o uso prolongado de tabaco, de qualquer maneira, atinge o trato respiratório em toda sua extensão.

“Desde as vias aéreas superiores até as vias aéreas inferiores (traqueia e brônquios), podendo chegar até a periferia dos pulmões (alvéolos). O mecanismo parece ser multifatorial, incluindo alterações estruturais das células e dos brônquios, mas também diminuição da produção de anticorpos e de células imunológicas de defesa” — Jose Miguel Chatkin, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

3 – O que pode acontecer com alguém que fuma e se infecta com o coronavírus?

Didier afirma que apesar de ser recente, pode-se dizer que há um aumento da chance dos pacientes fumantes desenvolverem as formas mais graves ou até chegarem à morte por causa da Covid-19.

“Entretanto, como a doença é muito nova ainda, não temos um número mínimo de cigarros consumidos ou o tempo de fumo para determinar o quanto o risco é maior. Porém, quando extrapolamos dados de outros vírus, vemos que até mesmo quem fuma há pouco tempo está mais propenso a evoluir mal” — Fernando Didier, pneumologista do HCor.

4 – Quem fuma pode ser considerado grupo de risco?

Segundo Didier, os fumantes são um grupo de risco para a Covid-19. “Quem fuma, quem já fumou ou já tem doença pulmonar crônica identificada é, sim, grupo de risco”.

“A doença pulmonar mais frequentemente associada ao tabagismo é a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), que nada mais é do que a presença de bronquite crônica ou enfisema decorrente da exposição frequente ao cigarro. Nos últimos estudos que analisam fatores de risco de pior prognóstico em Covid-19, o tabagismo parece estar relacionado a maior risco de pneumonia, mesmo na ausência da DPOC” — Fernando Didier, pneumologista do HCor.

Chatkin afirma que os estudos iniciais mostram que o tabagista ativo está associado aos seguintes riscos, quando comparados a uma pessoa não fumante:

  • 1,4 vez maior de sintomas graves
  • 2,4 vezes maior de necessidade de ventilação mecânica

“Além disso, o fato de serem fumantes por longos períodos faz com que sejam mais frequentes as doenças de base, sejam cardíacas, pulmonares ou neoplásicas, todas elas ligadas ao uso de tabaco. Estes achados são nitidamente dose-dependente, isto é, quanto maior o número de cigarros fumados por dia e por maior número de anos, maior a probabilidade de surgirem estas doenças” — Jose Miguel Chatkin, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

Chatkin aponta ainda que há mais facilidade para os tabagistas contraírem o vírus pelos rituais do ato de fumar, envolvendo movimentos repetidos da mão à face.

5 – Como o cigarro eletrônico (vape) afeta o pulmão? Quais riscos ele traz?

Didier explica que o cigarro eletrônico, antes da pandemia, foi associado a dezenas de mortes nos Estados Unidos. Segundo o pneumologista, o dano já acontece nos primeiros minutos de uso. “Isso deixa claro que o mecanismo de agressão pulmonar da fumaça desse dispositivo independe da presença de um vírus”.

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“Extrapolando o que já conhecemos dos outros vírus e dos milhares de estudos com cigarro convencional sabemos que muito provavelmente o cigarro eletrônico pode estar envolvido em diversos desfechos graves em jovens americanos durante a atual pandemia. Jovens esses que antes eram classificados como sem doença crônica e fora de grupos de risco. Dados brasileiros sobre isso ainda não foram elaborados” — Fernando Didier, pneumologista do HCor.

Chatkin diz que o uso de cigarros eletrônicos e os de tabaco aquecido estão relacionados a maior frequência de infecções respiratórias, especialmente virais e possivelmente também ao novo coronavírus.

Ele explica que os sintomas mais comuns relatados por usuários deste tipo de cigarros são: tosse seca, boca seca, garganta seca ou irritada.

“As partículas ultrafinas liberadas pelo cigarro eletrônico, por serem muito menores do que as liberadas pelos cigarros tradicionais, favorecem danos iguais ou maiores que os dos cigarros combustíveis” — Jose Miguel Chatkin, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

O médico chama a atenção para a inalação da fumaça por não usuários. “O material exalado pelos usuários de cigarro eletrônico pode ser inalado por outras pessoas, especialmente em ambientes fechados. A inalação passiva de gotículas e substâncias vaporizadas também pode ter efeitos adversos significativos à saúde”.

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6 – Como a maconha atua no pulmão? Ela tem os mesmos efeitos que o tabaco?

Didier fala que há estimativas que afirmam que o dano de um cigarro de maconha equivale a 5 cigarros de tabaco, “porém há alguma compensação pelo fato de serem consumidos menos cigarros de maconha”.

“A maconha possui menos componentes químicos que o tabaco industrializado, porém queima de maneira menos eficiente e não possui filtro quando consumida em forma de cigarro, o que aumenta o dano. O consumo da maconha pode piorar bastante doenças pulmonares pré-existentes e causar novas doenças ao longo do tempo, praticamente, as mesmas causadas pelo tabaco” — Fernando Didier, pneumologista do HCor.

Chatkin afirma que a folha da maconha é muito semelhante a do tabaco. “Ambas quando são queimadas para produzirem fumaça a ser inaladas, produzem muitos produtos tóxicos. Calcula-se em mais de 7,5 mil substâncias”.

Segundo o médico, os mais frequentes danos do uso continuado da maconha são neuropsiquiátricos. “Mas também ocasionam sintomas respiratórios, como piora da asma, exacerbações de bronquite crônica”.

7 – Há diferenças na forma como cachimbo, charuto e narguilé atuam nos pulmões?

Segundo Didier, o cachimbo e o charuto trazem risco de câncer de pulmão, bronquite crônica e enfisema menores que o cigarro convencional, um dos motivos é que os consumos deles, normalmente, são feitos em menor frequência e por haver inspiração menos profunda, sem tragar.

“Entretanto essas formas são bastante relacionadas a câncer de boca, língua e garganta. O risco de charuto e cachimbo na Covid-19 ainda não foi bem definido, porém acredita-se que qualquer inalação de fumaça traga algum grau de risco adicional”.

“No caso do narguilé o dano pulmonar é mais evidente, inclusive com o assombroso dado que revela que uma hora de narguilé equivale a 100 cigarros em termos de dano pulmonar. Muito provavelmente esses pacientes estão mais propensos a desenvolver piores formas da Covid-19” — Fernando Didier, pneumologista do HCor.

Notas sobre a questão do fumo e a Covid-19

A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT) diz que o tabagismo causa ou aumenta o risco de complicações de dezenas de doenças, como: as doenças cardiovasculares isquêmicas (insuficiência vascular periférica, infarto do miocárdio e derrame cerebral), as doenças respiratórias (bronquite e enfisema) e diversos tipos de câncer.

Sobre a Covid-19, a SBPT afirma que a doença é muito recente e, por esse motivo, ainda não existem evidências fortes sobre a sua relação com o tabagismo. Mas que o observado até agora mostra que o número de pacientes graves, ou seja, que necessitam de UTI, foi maior entre os fumantes.

“Especialmente naqueles mais idosos e com doenças crônicas não infecciosas, em sua maioria, causadas ou agravadas pelo tabagismo. Além disso, nesses primeiros estudos com grande casuística, entre os pacientes com Covid-19 grave, os fumantes faleceram em maior porcentagem do que os que não fumavam”, nota da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia.

Outro ponto de preocupação da SBPT é o compartilhamento de cigarros, o que aumenta o risco de contaminação com o coronavírus. Esse compartilhamento pode ser feito com pessoas infectadas, muitas das quais estão assintomáticas ou com poucos sintomas da Covid-19.

O Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) afirma que os tabagistas têm seu sistema respiratório prejudicado pelo fumo e, se infectados pelo coronavírus, podem ter sua saúde ainda mais ameaçada. “Devido a um possível comprometimento da capacidade pulmonar, o fumante possui mais chances de desenvolver sintomas graves da doença”.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra a mão de uma pessoa que está atrás da câmera e segura um cigarro aceso e um fundo desfocado em tons de cinza-escuro. Foto: Irina Iriser | Pexels.

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