Como funcionam as propriedades psicotrópicas da cannabis?

Fotografia que mostra uma porção de cannabis triturada e disposta em formato de cérebro sobre um fundo em degradê de amarelo e laranja. Imagem: Aaron Tilley.

Os cientistas ainda estão trabalhando para encontrar os mecanismos responsáveis pelos efeitos psicotrópicos da maconha, mas há razão para pensar que um efeito na rede de modo padrão do cérebro é uma peça significativa do quebra-cabeça. Saiba mais com as informações do Live Science

As plantas de cannabis são conhecidas por produzir pelo menos 140 tipos de canabinoides, mas um deles é amplamente responsável por muitos dos efeitos associados ao uso adulto da maconha: o tetraidrocanabinol ou THC.

Quando uma pessoa fuma ou inala cannabis, o THC “vai para os pulmões e é absorvido… indo para o sangue”, de acordo com Daniele Piomelli, professora de anatomia e neurobiologia, química biológica e farmacologia da Universidade da Califórnia, Escola de Medicina de Irvine. Os comestíveis fazem uma viagem um pouco mais longa através do fígado, onde enzimas transformam o THC em um composto diferente que leva um pouco mais de tempo para produzir os efeitos psicotrópicos.

O THC que é inalado “atinge altos níveis rapidamente”, disse Piomelli ao Live Science. Em 20 minutos, o sistema circulatório já está carregando moléculas de THC para todos os tecidos do corpo, incluindo o cérebro, onde pode alterar a química neural.

As moléculas de THC que passam pela barreira hematoencefálica descobrem que se encaixam perfeitamente nos receptores que habitualmente recebem compostos chamados endocanabinoides, que o próprio corpo produz. Esses receptores fazem parte do sistema endocanabinoide, que está envolvido em várias funções, incluindo estresse, ingestão alimentar, metabolismo e dor, segundo Piomelli, que também dirige o Centro para Estudos da Cannabis da UC Irvine.

“O sistema endocanabinoide é o sistema modulatório mais difundido e importante no cérebro porque controla a liberação de quase todos os neurotransmissores”, disse Piomelli. Neurotransmissores são moléculas que as células cerebrais, ou neurônios, usam para se comunicarem. Um neurônio envia uma mensagem para o próximo ao liberar neurotransmissores, como a dopamina ou a serotonina, em uma lacuna infinitesimal que separa um neurônio do seguinte. A lacuna é chamada de sinapse.

O neurônio na extremidade receptora da sinapse é chamado de neurônio pós-sináptico, e ele “decide se dispara com base na entrada que recebe”, disse Kelly Drew, professora de química e bioquímica da Universidade do Alaska em Fairbanks, ao Live ScienceEsses sinais neurais cascateiam através de circuitos intrincados de conexões neurais que funcionam em uma escala tremenda; existem cerca de 85 bilhões de neurônios no cérebro e até 100 trilhões de conexões entre eles.

O neurônio pré-sináptico envia neurotransmissores através da sinapse para o neurônio pós-sináptico, disse Piomelli. Mas o neurônio pré-sináptico também pode receber informações. Quando um neurônio pós-sináptico dispara, ele pode enviar uma mensagem através da sinapse que diz “o neurônio de onde venho foi ativado”, pare de enviar neurotransmissores, disse Piomelli. Ele envia esta mensagem de “parada” na forma de endocanabinoides que se ligam a um receptor chamado canabinoide 1 (CB1).

Além do THC e CBD: a ciência dos canabinoides e o cérebro

Os efeitos

Quando o THC entra no cérebro, as moléculas se difundem nas sinapses, onde “ativam os receptores CB1”, disse Drew. O THC não causa a resposta mais extrema possível como alguns canabinoides sintéticos, como K2 ou spice, mas “aumenta o volume” e aumenta a probabilidade de o neurônio pré-sináptico que afeta parar temporariamente de enviar neurotransmissores, disse ela.

“O barato é um fenômeno muito simples”, disse Piomelli. “O THC chega como uma marreta”, inundando o sistema endocanabinoide com sinais que os neurônios pós-sinápticos não enviaram. Quando neurônios pré-sinápticos em todo o cérebro obtêm o memorando para parar de enviar neurotransmissores, isso altera o fluxo normal de informações entre os neurônios e resulta na ‘alta’.

Os cientistas ainda precisam decifrar exatamente o que acontece durante essa euforia, no entanto.

Isso por que, em parte, as restrições legais dificultam o estudo da cannabis. Mas pelo que os pesquisadores reuniram até agora, o THC parece “desconectar” temporariamente a rede de modo padrão. Esta é a rede cerebral que nos permite sonhar acordado e pensar sobre o passado e o futuro. Quando nossos cérebros estão focados em uma tarefa específica, silenciamos essa rede para permitir que nossa função executiva assuma o controle.

Há evidências de que o THC tem um efeito significativo na rede, mas os pesquisadores não têm certeza de como isso acontece. Existem receptores canabinoides em todo o cérebro, inclusive em “áreas que constituem os nós-chave [da rede de modo padrão]”, disse Piomelli. Pode ser “que o THC a desative [a rede de modo padrão] combinando-se com esses receptores”, mas também é possível que o THC acalme a rede por meio de um “efeito indireto que envolve os receptores canabinoides em outras regiões do cérebro”.

Os cientistas ainda estão trabalhando para encontrar os mecanismos que fazem com que uma pessoa se sinta chapada, mas há alguma razão para pensar que esse efeito na rede de modo padrão é uma peça significativa do quebra-cabeça.

Desconectar a rede de modo padrão “nos leva a um estado mental onde a função das coisas que experimentamos é menos importante do que as coisas em si: nossas mãos não são mais apenas algo que usamos para tocar ou agarrar, mas algo com existência interior e valor intrínseco”, Disse Piomelli. Psicodélicos, como LSD ou cogumelos secos contendo psilocibina, fazem a mesma coisa.

No entanto, as pessoas podem experimentar os efeitos de maneiras diferentes. “A sensação de ficar fascinado e ‘conectado’ com coisas comuns, coisas que vemos e usamos todos os dias, não é universal, mas acontece, especialmente quando altas doses de cannabis contendo THC são usadas”, disse Piomelli.

O THC não afeta apenas a rede de modo padrão. Também pode, no curto prazo, inundar o cérebro com dopamina, o sinal de recompensa do cérebro, de acordo com um estudo de 2017 na revista Nature. (A longo prazo, pode diminuir os efeitos da dopamina, descobriu o estudo.) Isso, em parte, pode explicar parte da euforia associada à alta e equipara a cannabis a outras drogas que as pessoas usam para sentir prazer.

“Cada droga com propriedades recompensadoras afeta esse sistema”, disse Drew.

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Depois dos efeitos

Os efeitos associados ao uso adulto da cannabis, quando a mesma é fumada ou inalada, geralmente duram algumas horas, embora possa levar quase tanto tempo quanto o consumo de comestíveis para começar a afetar os usuários. E embora a cannabis não seja a substância perigosa como foi concebida no século 20, seu uso tem alguns riscos.

Também é importante ter em mente que a cannabis é uma substância farmacológica potente. A cannabis pode atravessar a placenta, portanto, as grávidas devem evitá-la. E “o uso pesado na adolescência pode ser problemático”, disse Piomelli. Por exemplo, a cannabis — e especialmente os canabinoides sintéticos como o spice — pode exacerbar a psicose. “As pessoas que estão em risco não deveriam fumar”, disse Drew.

Finalmente, a cannabis afeta a capacidade de dirigir, especialmente em usuários ocasionais. Drew alertou que as pessoas não devem dirigir por três horas após fumar.

Eventualmente, o THC deixará o cérebro; a profusão de sangue que trouxe o THC para o cérebro o levará ao fígado, onde será destruído e expelido na urina.

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