Como a legalização da maconha avançou em 2019 no mundo (e quase nada no Brasil)

Fotografia em vista superior que mostra vários vasos quadrados com pés de maconha em período vegetativo, sob uma iluminação amarela, em um clube de cultivo de Montevidéu.

Enquanto, em 2019, o cultivo e porte de maconha foram legalizados, ou no mínimo descriminalizados, em vários países, aqui no Brasil permitiu-se a venda de produtos importados à base de cannabis e a queima de recursos públicos na repressão à erva. Saiba mais no artigo de Phillip Smith com tradução por Cynara Menezes da Socialista Morena

2020 começou, hora de olhar para o ano que passou para checar quão longe foi o mundo em termos de reformar as leis sobre a maconha — e o quanto ainda precisa avançar. O muro da proibição da maconha continuou a ruir em 2019, mesmo devagarinho.

As maiores movimentações neste sentido aconteceram na Europa. Em fevereiro, a Suíça anunciou planos de autorizar 5 mil pessoas a fumarem maconha legalmente, como um piloto para embasar a legalização do uso recreativo da erva.

Na Holanda, em agosto, o governo finalmente se mexeu para mudar o conceito de “problema debaixo do tapete”, onde é permitido vender maconha, mas não existe fornecedor legal. Eles anunciaram um programa-piloto que terá início em 2021, em que os cafés e 10 cidades holandesas serão abastecidos com maconha legalmente cultivada. Cidades grandes como Amsterdam e Rotterdam decidiram não participar, preocupados com os problemas que surgiriam se eles todos decidissem abandonar seus fornecedores ilícitos simultaneamente.

Em agosto, Luxemburgo parecia pronta a se tornar o primeiro país europeu a liberar a maconha, após o governo confirmar os planos de legalizar a erva, declarando que residentes acima dos 18 anos poderão usar e portar durante dois anos. Em dezembro, no entanto, o governo declarou que isto ainda tardará pelo menos um par de anos, citando “atraso em elaborar as políticas relativas à legislação”.

No final do ano, a Suprema Corte da Itália decidiu que o cultivo pessoal de maconha em pequena escala é legal, desencadeando um movimento pró-legalização. A Corte declarou que as leis contra o cultivo não se aplicam “a pequenas quantidades cultivadas dentro de casa para uso exclusivo do cultivador”.

Israel descriminalizou a posse de maconha em abril. A posse de pequenas quantidades de maconha em casa não será mais tratada como um delito, criminal ou de qualquer tipo, enquanto a posse na rua irá gerar uma multa de cerca de 275 dólares, com este valor dobrando no caso de uma segunda vez, num espaço de cinco anos, em que a pessoa esteja portando maconha em público. Somente se a pessoa for flagrada pela terceira vez portando maconha dentro de sete anos é que poderá enfrentar alguma acusação criminal.

Na Austrália, a capital Camberra se tornou a primeira cidade do país a legalizar o uso e o cultivo pessoal de maconha. A lei permite até 50 gramas e duas plantas por pessoa, mas não o comércio. Estava previsto que começaria a valer em 31 de janeiro, mas como essa decisão bate de frente com a proibição nacional, é melhor ficar ligado. Na vizinha Nova Zelândia, a coalizão que governa o país anunciou em maio que fará um referendo sobre a legalização da maconha durante as eleições de 2020. Em dezembro, foi colocado no ar pelo governo um website com informações sobre a proposta de legalização que será apreciada pelos votantes.

No hemisfério ocidental, o Uruguai e o Canadá lideram a corrida para a legalização, mas o México parece ser o próximo. Após os parlamentares falharem em aprovar a legalização dentro do prazo estabelecido pela Suprema Corte, que terminava em outubro, o tribunal estendeu até 30 de abril de 2020. Os legisladores chegaram bem perto em 2019, mas não conseguiram aprovar por conta de interesses comerciais. Houve também movimentação na Colômbia, onde um senador da oposição apresentou um projeto de legalização em agosto. Este projeto seria apoiado pelo ex-presidente Juan Manuel Santos, mas são os votos do Partido Liberal que irão definir se irá avançar ou não.

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Houve ainda progresso no Caribe. Em Trinidad e Tobago, a legalização de maconha para uso não comercial começou a valer em dezembro, permitindo a posse de 30 gramas e o cultivo de quatro plantas. Um mercado de maconha regulado pode ter início em 2020. Em St. Kitts e Nevis, o governo apresentou um projeto durante o verão para legalizar a maconha para uso “medicinal e científico, religioso, e recreativo” que ainda não havia sido votado até o final do ano. Uma iniciativa similar acontece nas Ilhas Virgens Britânicas, onde um projeto de legalização está sendo revisado por membros do governo.

Os avanços em relação à maconha para usos medicinais continuam. A aceitação da maconha medicinal em termos globais continuou a crescer em 2019, e o ano começou bem em janeiro, quando o governo israelense aprovou a exportação de maconha para uso medicinal, tornando-se o terceiro país após o Canadá e a Holanda a fazê-lo. No mês seguinte, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução para avançar a maconha medicinal nos países que integram a União Europeia.

Enquanto isso, a Tailândia formalmente abraçou a maconha medicinal quando o rei Maha Vajiralongkorn assinou um decreto legalizando-a e também o kratom, em seguida um membro da coalizão que governa o país apresentou um projeto que permitiria às pessoas a cultivar até seis plantas para uso medicinal. Nas Filipinas, um projeto de legalização da maconha medicinal foi reapresentado em 2019. Projetos similares vêm sendo apresentados a cada ano desde 2014. Em 2019, o projeto foi aprovado pela Câmara, mas ainda está emperrado no Senado.

Na América Latina, o Peru entrou para o clube dos países que aprovaram a maconha medicinal mais de um ano após se tornar lei, quando o governo finalmente regulamentou a produção e o uso. No México, em agosto a Suprema Corte deu ao ministro da Saúde seis meses para regular a maconha medicinal.

No Caribe, “em agosto, Barbados apresentou uma lei para estabelecer a fundação de uma indústria de maconha medicinal, se juntando à Jamaica, St. Vincent e as Granadinas, assim como Antigua e Barbuda, em aprovar o cultivo da cannabis”.

O uso medicinal da maconha também entrou em discussão nas Nações Unidas. No final de janeiro de 2019, a Organização Mundial de Saúde recomendou uma classificação mais branda da maconha nos tratados internacionais, junto com outras mudanças. Isso ficaria aquém do tipo de selo que a OMS concede a muitos medicamentos — a maconha não se tornaria um “remédio essencial” —, mas iria eliminar a designação que alguns governos podem achar mais propícia para permitir o uso medicinal em seus países. Mais importante, isso seria visto como um reconhecimento por parte da ONU da maconha como um remédio (embora a lei internacional já não proíba o uso medicinal da maconha).

A Comissão de Drogas Narcóticas da ONU votaria as recomendações da OMS durante o encontro de março de 2019, mas isto não aconteceu porque as recomendações atrasaram no final de 2018, levando vários países a reclamar que precisavam de mais tempo para estudá-las.

O progresso em acabar com a proibição de maconha é lento e desigual, mas está acontecendo — reforma a reforma, país a país — e não parece que haverá jeito de colocar o gênio verde de volta na garrafa.

Nota da editora: No Brasil, o único avanço foi a permissão pela Anvisa, em dezembro, da venda de produtos à base de cannabis em farmácias, mas a agência rejeitou a possibilidade de plantar em casa até para uso medicinal. A permissão favorece apenas os fabricantes estrangeiros. Enquanto isso, o ministro da Justiça, Sergio Moro, continua sua cruzada de queimar pés de maconha.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia em vista superior que mostra vários vasos quadrados com pés de maconha em período vegetativo, sob uma iluminação amarela, em um clube de cultivo de Montevidéu. Foto: João Fontoura.

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