Com maconha no debate, dor volta ao centro da discussão na NFL

Fotografia em plano fechado de uma bola de futebol americano em pé e com o desenho de uma folha de maconha bordado, e um fundo escuro. Dor.

A presença da maconha já é uma realidade na NFL, que hoje conduz testes antidoping apenas na pré-temporada em atletas sem histórico de resultados positivos e realizará estudo sobre o uso de CBD no alívio da dor causada por lesões. Com informações da Folha

Foi sob vaias da própria torcida que Andrew Luck deixou o campo após sua última partida como atleta profissional de futebol americano, em agosto. Em um esporte no qual sempre foram valorizadas a virilidade e a resistência à dor, sucumbir a esta ainda é visto por muitos como demonstração de fraqueza.

A manifestação dos fãs do Indianapolis Colts, no entanto, não mascara o fato de que a dor está deixando de ser um tabu para os jogadores. Buscar soluções para o sofrimento virou uma preocupação central para aqueles cujo trabalho tem colisões fortes e recorrentes como parte essencial.

“Nos últimos anos, estive em um ciclo de lesão, dor, reabilitação”, disse Luck, explicando por que estava abandonando a carreira aos 29 anos. “Eu me senti preso nesse ciclo, e a única saída que vejo é não jogar mais futebol. Tirou minha alegria do jogo.”

O caso do quarterback não é isolado. A mesma trilha foi percorrida por outros jogadores de destaque que deram adeus à NFL (liga nacional de futebol americano) precocemente. Foi assim, por exemplo, com Patrick Willis, aposentado aos 30 em 2014, e com Arian Foster, que também parou aos 30, em 2016.

“Sei que não é comum fazer isso durante a temporada, mas meu corpo simplesmente não aguenta mais a punição que esse jogo requer”, escreveu Foster, na carta em que anunciou a despedida.

Os relatos se repetem e envolvem até baldes colocados ao lado da cama, em noites pós-jogo nas quais o trajeto do quarto ao banheiro se torna torturantemente longo. Por isso, com o atraso que lhe é peculiar para lidar com assuntos espinhosos, a NFL passou a dar mais ênfase ao bem-estar dos atletas.

Em maio, a liga anunciou uma série de medidas ligadas à saúde dos jogadores. Os times agora devem ter um especialista em dor e um clínico de saúde mental. Foi formado também um comitê de estudo para o tratamento de lesões. Mas nenhuma disposição chamou tanto a atenção quanto a inclusão de substâncias derivadas da maconha, como o canabidiol (CBD), no estudo.

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#PraCegoVer: fotografia de Patrick Mahomes, do Kansas Chiefs, deitado no gramado do campo com a mão na cabeça, próxima ao capacete, rodeado pela equipe médica e outro jogador. Foto: Dustin Bradford | AFP.

Isso está longe de significar uma permissão. A maconha continua proibida pela liga, mas sua mera presença nas pesquisas foi comemorada pelos entusiastas.

Se os atletas ainda na ativa evitam falar abertamente sobre o assunto, alguns nomes importantes que já deixaram o esporte são fortes defensores da Cannabis medicinal.

O lendário quarterback Joe Montana, que atuou na NFL entre 1979 e 1994, investiu em uma empresa do ramo. O ex-running back Terrell Davis, 46, e o ex-tight end Rob Gronkowski, que se aposentou em março, aos 29, após seguidas lesões, também estão ligados a companhias que vendem produtos à base de canabidiol.

“Teria feito uma enorme diferença no controle da dor durante minha carreira”, afirmou Gronkowski.

Kyle Turley, 44, que totalizou oito anos atuando na linha ofensiva de diferentes equipes na NFL, demonstra um entusiasmo ainda maior. Depois de se aposentar, em 2007, ele passou a andar com a ajuda de uma bengala e a sofrer surtos de depressão e ira.

“Todos sabem que o jogo é brutal. A Cannabis salvou minha vida e poderia ajudar muitos outros”, disse Turley, mais um hoje envolvido na venda de produtos à base de CBD. “Não é uma poção mágica fabricada por hippies no norte da Califórnia. A NFL poderia fazer um estudo e mudar tudo.”

#PraCegoVer: fotografia que registra o momento em que dois jogadores se chocam, sendo um de uniforme branco com detalhes em laranja, que está inclinado para frente com a perna esticada para trás, e outro de uniforme preto com detalhes em verde, que está inclinado para trás, com a perna flexionada; ao fundo desfocado, pode-se ver pessoas atrás da linha do campo. Foto: Elsa | AFP.

Não será, ao que tudo indica, uma mudança rápida. A maconha ainda é incluída pelo governo dos EUA na lista de drogas e substâncias com alto potencial de abuso, o que impõe uma série de limites às pesquisas.

A liga de futebol americano, na figura do comissário Roger Goodell, já deixou bem claro que pretende seguir cautelosamente evidências científicas.

“A ciência, infelizmente, está atrás da opinião popular e da imprensa. Temos muito mais opinião do que ciência no uso da maconha para a dor”, afirmou Allen Sills, chefe médico da NFL.

Os contrários à permissão apontam um estudo de 2017 da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina, segundo o qual são inconclusivas as evidências sobre o efeito da Cannabis para o tratamento da dor.

Leia: Estudo mais longo sobre maconha aponta eficácia para dores

De qualquer maneira, na prática, a presença da maconha já é uma realidade na NFL. O protocolo atual prevê testes antidoping apenas na pré-temporada em atletas sem histórico de resultados positivos.

Federações esportivas privadas fora do ambiente olímpico, como a NFL, podem criar regras e políticas próprias sobre o tema em vez seguir as recomendações da Wada (Agência Mundial Antidoping).

A entidade removeu o CBD de sua lista de substâncias proibidas em 2018, mas o THC (composto intoxicante da maconha) e outros canabinoides continuam vetados.

Fotografia em primeiro plano de Roger Goodell, vestido com paletó azul escuro e camisa de cor clara, olhando para cima com a boca entreaberta, e mais pessoas atrás dele; ao fundo, pode-se ver as arquibancadas do estádio.

#PraCegoVer: fotografia em primeiro plano de Roger Goodell, vestido com paletó azul escuro e camisa de cor clara, olhando para cima com a boca entreaberta, e mais pessoas atrás dele; ao fundo, pode-se ver as arquibancadas do estádio. Foto: Mike DiNovo | USA Today Sports.

Ainda assim, a Wada recomenda cautela. “É muito difícil ter 100% de certeza de que os produtos de CBD não contêm THC”, disse ao The New York Times Danielle Furich, porta-voz da Agência Antidoping dos Estados Unidos (Usada).

Calvin Johnson, 34, contou em entrevista à revista Sports Illustrated que fumava maconha após cada partida. Wide receiver aposentado em 2016, ele calcula ter sofrido pelo menos nove concussões na carreira.

Segundo Johnson, a decisão feita pela maconha foi por ter observado, logo que chegou à NFL, um difundido abuso de opioides, como a oxicodona, de alto grau de dependência.

Há muito ainda a ser comprovado, no entanto, como aponta a NFL. A discussão pode ganhar um componente econômico que nada tem a ver com o investimento em pesquisas ou com o potencial comercial da Cannabis.

Expira em 2021 o acordo coletivo de trabalho da liga de futebol americano, o contrato firmado que estipula as regras na relação da NFL com os jogadores. O acerto divide o bolo do dinheiro arrecadado pela liga entre os atletas e os donos das equipes, e muitos analistas apostam que os times vão cobrar uma fatia para liberar a maconha ou eliminar as punições por seu uso.

Outros consideram improvável que os donos tentem barganhar em um assunto como a saúde dos jogadores, mas nada parece descartado neste momento.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em plano fechado de uma bola de futebol americano em pé e com o desenho de uma folha de maconha bordado, e um fundo escuro. Foto: Jamie Chung | ESPN.

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