Polícia faz chacina em plantação de maconha na zona rural de Cavalcante (GO)

Amigos e moradores da região questionam a versão da PM, que alega ter sido recebida a tiros no local, e dizem que vítimas não eram violentas

Na manhã dessa quinta-feira (20), quatro pessoas foram executadas pela polícia militar de Goiás. A chacina ocorreu na zona rural da cidade de Cavalcante, na região da Chapada dos Veadeiros, em uma chácara onde havia um plantio de cannabis.

Segundo o boletim de ocorrência, foram efetuados 58 disparos por seis policiais, 40 de fuzil e 18 de pistola. De acordo com a corporação, a equipe se dirigiu à propriedade para checar uma denúncia anônima quando foi recebida a tiros pelos suspeitos, informou o Metrópoles.

A versão da polícia é contestada por moradores da região e amigos das vítimas nas redes sociais. “Chacina! Não foram recebidos a bala. Foram torturados. Por uma plantação de maconha! Num país onde está nas vias de liberar o plantio devido principalmente ao uso medicinal. Não eram bandidos! Nem todos estavam trabalhando na ‘colheita’. Mas estavam ali e foram mortos por isso”, diz uma internauta.

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A PM informou inicialmente que o número de plantas de maconha encontradas no local era cerca de 2 mil e depois corrigiu a quantidade para entre 500 e 600 pés.

“Os corpos cravejados de bala foram jogados no hospital. Tiro na cara. Execução! Chacina! Sem testemunhas. Não há como confrontar a versão da Polícia. Esse é o modus operandi. Nenhum policial ferido. Do outro lado, todos mortos”, diz outra publicação na redes.

PMs atiraram 58 vezes contra suspeitos mortos em plantação de maconha

#PraTodosVerem: fotografia, em perfil, de Ozanir Batista da Silva, uma pessoa negra de barba grisalha e dread, em fundo desfocado de vegetação. Imagem: DudaSegredo / Metrópoles.

Os lavradores Ozanir Batista da Silva, de 46 anos, conhecido como Niro ou Jacaré, e Chico Kalunga, que não teve o nome completo divulgado, seriam vizinhos do cultivo de cannabis, segundo amigos ouvidos pelo Metrópoles.

“Eram pessoas que não tinham uma moto, um automóvel, viviam pedindo ajuda para comer, porque na vila de São Jorge a gente é uma família. A gente se ajudava. Quando não tinha dinheiro, dava uns trocados para rastelar. (…) A gente quer Justiça. A gente não vai abaixar a cabeça para isso”, afirmou um familiar das vítimas ao jornal.

PMs atiraram 58 vezes contra suspeitos mortos em plantação de maconha

#PraTodosVerem: fotografia mostra Chico Kalunga, negro, com um boné preto e branco e uma regata roxa, próximo a várias estacas de bambu. Foto: Diego Baravelli / Metrópoles.

Já Salviano Souza Conceição, de 63 anos, seria o dono da plantação, mas não seria uma pessoa de comportamento violento, segundo amigos. “Não justifica o que aconteceu, ele era uma pessoa pacata e tranquila”, disse um conhecido. Alan Pereira Soares, de 27 anos, era morador de Colinas do Sul.

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“(…) acredito em muitas coisas, inclusive que o pai de duas crianças estivesse plantando maconha para sustentar sua família. Era um Kalunga conhecido por muita gente, nunca foi violento e nem devia ter armas. E a pena para plantio e tráfico NÃO É MORTE. E a polícia de Niquelândia não tinha que vir fazer chacina com quilombolas no município do maior Quilombo do Brasil”, diz outro post nas redes sociais.

Em um vídeo publicado pelo produtor cultural Murillo Aleixo Bianchini no Instagram, Chico Kalunga aparece falando sobre a árvore utilizada na confecção do mastro da Festa do Divino e cortando uma.

“Revoltante e inadmissível a chacina que aconteceu na Chapada dos Veadeiros, pessoas que eu conheço e convivo aqui na Vila de São Jorge, foram executadas pela polícia, numa ação cruel, injusta, brutal e desproporcional. O que aconteceu foi uma execução a sangue frio, sem direito à defesa ou julgamento. Mataram meu amigo Chico Kalunga, ele foi pescar no sítio do meu amigo Nirinho, vulgo Jacaré, que também foi assassinado pela polícia. Eu compartilhei muitas histórias boas com os dois, nas folias de São Sebastião, na Romaria do Vão de Almas e pelas ruas da Vila. Uma coisa tenho certeza: eles não são bandidos e foram mortos injustamente. Morreram por serem negros e pobres, nesse país que mata um jovem negro a cada 23 minutos”, diz Murillo na publicação.

Lamentavelmente, o que aconteceu na Chapada dos Veadeiros é mais um caso em que pessoas vulnerabilizadas são mortas em nome da racista e higienista “guerra às drogas”, uma necropolítica que protege assassinos fardados com o manto da impunidade e legitima a violência, promovendo a aniquilação de negros, indígenas e pobres.

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#PraTodosVerem: fotografia mostra as casas de barro com telhado de palha da comunidade Kalunga, no município de Cavalcante. Imagem: Paulo de Araújo / Ministério do Meio Ambiente.

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