Cannabis pode ser solução para crise econômica e doenças neurológicas

Fotografia que foca em uma das várias plantas de cannabis, em período de floração, de um grande cultivo que vai até o fundo (desfocado).

O uso medicinal da cannabis está a poucos passos de ser regulamentado no Brasil. A medida beneficiaria desde o tratamento de dores crônicas até a geração de empregos e impostos. Saiba mais na reportagem do Jornal Opção

A Associação Goiana de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal (Agape) é uma entidade filantrópica que ficou recentemente conhecida com a viralização do vídeo em que Ivo Suzin, aposentado portador de Alzheimer, teve os sintomas da doença amenizados com o uso de óleo derivado da maconha. Tendo o trabalho publicizado por Fátima Bernardes, auxiliando parlamentares a redigir projetos de lei e orientando juridicamente pacientes a receber tratamento, o presidente da associação, Yuri Ben-Hur da Rocha Tejota, conta que a cannabis tem um grande futuro.

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Atualmente, cientistas estudam as propriedades medicinais dos cerca de 120 compostos canabinoides que se encontram nas plantas da família Canabiáceas. Entre estes, os dois mais conhecidos são o cannabidiol (CBD) e tetra-hidrocanabinol (THC). A  Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reconhece e autoriza a importação de medicamentos derivados da cannabis para atender o pedido de médicos e pacientes que identificam o produto como uma alternativa para doenças graves e sem tratamento com resultado efetivo.

Essa autorização, entretanto, é feita em caráter excepcional, com análise caso a caso pelo órgão. Com tempo de espera de cerca de 45 dias, a Anvisa avalia receitas e laudos médicos – com custo de cerca de R$ 8 mil, na medicina particular – e autoriza ou não a importação de produtos – na prática, quase todos à base de CBD. Pacientes geralmente adquirem os produtos por meios de sites de importadores, como o Ease Labs, que cultiva e processa os medicamentos nos Estados Unidos e Uruguai.

A Anvisa e o Governo Federal prometem ferramentas para agilizar o atendimento de solicitações para a importação de medicamentos à base de canabidiol. Prevista para ser anunciada no dia 2 de outubro, a mudança ainda não foi concretamente detalhada, mas Gustavo de Lima Palhares, CEO da Ease Labs, afirma que a tendência é uma abertura para os medicamentos que já são correntes em diversos países do mundo:

“Temos visto um movimento da sociedade a favor”, afirma Gustavo Palhares. “Toda vez que há discussões no Congresso, consultas públicas, votação em reuniões do colegiado da Anvisa, notamos que quase todos os comentários são a favor da aprovação. Quem entende as aplicações dos medicamentos – a Anvisa não permite cultivo outdoor, é tudo extremamente controlado a nível farmacêutico – quem entende é a favor.”

Aliviando dores

O cientista brasileiro Elisaldo Carlini pesquisa as propriedades medicinais da cannabis há mais de cinquenta anos. Apesar do pioneirismo brasileiro, estudos na área ainda são considerados insuficientes, em parte graças à política antidrogas – como mostra o fato de que Carlini, aos 87 anos de idade, foi recentemente intimado a depor após se apresentar em um congresso sobre maconha.

A psiquiatra Adriana Faria Mello afirma que, na área da psiquiatria, os estudos são promissores, mas ainda insuficientes: “Os estudos mostraram eficácia nos quadros de ansiedade; em quadros psicóticos, como os que se vê na esquizofrenia; e para efeitos sedativos. Mas ainda são insuficientes para a liberação da medicação. É necessária uma quantidade muito grande de publicações comprovando a segurança para convencer a Anvisa. Já na área da neurologia, a eficácia já é comprovada para doenças como esclerose múltipla, como calmante na doença de alzheimer, epilepsias refratárias, e outros.”

A médica afirma que a razão pela qual estudos ainda são incipientes é a burocracia que envolve a pesquisa de uma substância internacionalmente controlada. “Na psiquiatria ainda é uma área em estudo. Quem usa, usa de forma off label. Quer dizer, há médicos que prescrevem e atestam com laudos a necessidade da importação desses produtos. O paciente então judicializa o pedido via Ministério Público, que consegue liberar a importação. Isso tudo mesmo sem estudos conclusivos para ser incluídos em bula.”

Adriana Faria Mello lembra que medicamentos feitos com base em cannabis não são isentos de efeitos colaterais. Déficit cognitivo, comprometimento de memória, atenção e concentração, sonolência e sintomas no trato gastrointestinal são alguns dos efeitos que podem decorrer da utilização desses fármacos. A psiquiatra aponta ainda que, como algumas das doenças tratadas com cannabis são incuráveis, alguns pacientes têm buscado o tratamento por conta própria, sem indicação ou acompanhamento médico, o que representa um risco.

Entre os associados da Agape, a maior parte se encontra em um dos dois extremos – ou na terceira idade, ou são crianças. Yuri Ben-Hur da Rocha Tejota reforça que, por serem públicos sensíveis, é importante lembrar que ninguém discute a administração de cannabis de forma indiscriminada para crianças:

“Temos um médico que faz o acompanhamento dos casos. Este, inclusive, é o nosso maior gargalo: precisamos de mais médicos para fazer este, que é um trabalho social. Há também farmacêuticos que acompanham a titulação do produto. Não é tóxico, não é letal, não tem vício e nem a adicção ao bem estar que a cannabis traz.” Quanto aos resultados, Yuri Tejota afirma que, entre pacientes que sofrem de Alzheimer, todos os pacientes têm resposta. “Na mesma semana que se inicia o tratamento vemos melhor interação, calma, melhor alimentação. Nenhum paciente com Alzheimer nosso deixou de ter resposta.”

Mudança

Yuri Ben-Hur da Rocha Tejota conta que a ambição da Agape é conseguir autorização para realizar o cultivo associativo, como já logrou a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), ong de João Pessoa, Paraíba. A ideia é ter permissão jurídica para cultivar e manipular medicamentos com base na planta inteira – não apenas no CBD isolado – de forma individualizada, de acordo com as necessidades de cada paciente, conforme prescrição médica e farmacêutica.

Fotografia em primeiro plano de Yuri Tejota, que gesticula ao falar, sentado a uma mesa.

#PraCegoVer: fotografia em primeiro plano de Yuri Tejota, que gesticula ao falar, sentado a uma mesa. Créditos: Fernando Leite | Jornal Opção.

Segundo Yuri Ben-Hur da Rocha Tejota, o modelo já existe e funciona em outros países como Israel, onde a regulamentação farmacêutica de níveis dos compostos é feita pelo Ministério da Saúde Israelense, os Estados Unidos, que têm o Bureau of Cannabis Control (BCC), o Canadá, e outros. O presidente da Agape afirma que este é o modo de produção de medicamentos mais bem sucedido porque leva em consideração variáveis que não podem ser reproduzidas em larga escala pela indústria farmacêutica tradicional. Ele diz:

“Nossos associados, às vezes, já vêm tratando com remédios importados e não têm resultados. Isso porque compostos isolados não têm efeito de sinergia, efeito comitiva; terpenos e flavonoides. O ideal é poder isolar o que cada paciente necessita, ou fazer uma tintura da planta inteira, de forma equilibrada. Fazemos isso através da escolha da cepa, semente, forma de cultivo, forma de colheita e seca. O modelo que funciona é como uma mistura de cultivo de tomates com farmácia de manipulação.”

Para que este modelo possa ser possível no Brasil, entretanto, serão necessárias mudanças legais, e não apenas facilitações ferramentais da Anvisa. O deputado estadual goiano Diego Sorgatto (PSDB) apresentou o Projeto de Lei Nº 413 de 2019, que trata da Política Estadual de uso da cannabis para fins medicinais e distribuição gratuita de medicamentos prescritos à base da planta por meio do SUS em Goiás. O texto está sendo apreciado pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação e deve ser aprovado na semana do dia 29 de setembro, então seguindo para primeira votação.

Caso aprovado, o projeto de lei de Diego Sorgatto deverá criar uma demanda pelos medicamentos à base de cannabis. Segundo Gustavo de Lima Palhares, o número de aplicações para os derivados da planta no Brasil ultrapassa a população do país, já que uma pessoa pode ter mais de um sintoma ou mais de uma doença – cerca de 60 milhões de brasileiros sofrem de dores crônicas, por exemplo. O CEO da Ease Labs afirma que este fato não passa despercebido em um momento de crise:

“É evidente o potencial do mercado brasileiro. Caso flexibilizada a legislação, o Brasil seria o segundo ou terceiro maior mercado do mundo. Haveria um retorno gigantesco em termos de geração de empregos e impostos. Seria um ganha-ganha para todos.”

A Ease Labs atualmente aguarda o resultado da consulta pública realizada pela Anvisa para investir cerca de R$ 30 milhões na produção controlada da cannabis sativa em Minas Gerais. A Anvisa elaborou duas minutas de regulamentação, permitindo cultivo e agilizando o registro de medicamentos à base de cannabis, que tiveram 1.154 contribuições em consulta pública. Caso as minutas de regulamentação tenham parecer favorável da agência, Gustavo Palhares afirma que migrará as operações para o Brasil.

“Nossas análises financeiras dizem que o preço dos medicamentos reduzirá bastante”, diz o CEO. O custo para se importar um medicamento pela Ease Labs vai de U$ 80 a U$ 300. “A produção do mundo é concentrada na América do Norte e Europa. Lá, a mão de obra e a terra são mais caros; tudo é mais caro. No Brasil, além dos custos mais baixos, temos a facilidade da tecnologia agrária avançada.”

Caso publicadas, as minutas de regulamentação não liberariam o cultivo indiscriminado da planta. O cultivo autorizado seria apenas o indoor (em galpões controlados) e monitorado a nível farmacêutico. Essas medidas tornam o produto rastreável e coíbe o desvio de finalidade – uso recreativo do remédio – pois garante baixas concentrações de psicotrópicos no medicamento.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) que foca em uma das várias plantas de maconha, em período de floração, de um grande cultivo que vai até o fundo (desfocado).

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