Cannabis e TOC: o que a ciência diz?
Evidências sugerem que o sistema endocanabinoide poderia ser um novo alvo no tratamento do transtorno. Mas, afinal, a cannabis pode ajudar no manejo do TOC? Confira a resposta no artigo do Leafly traduzido pela Smoke Buddies
As chances são de que você tenha ouvido o TOC ser usado irreverentemente de forma pejorativa. Alegar ter tendências de TOC ou acusar alguém de comportamento de TOC ilumina uma condição de saúde mental que afeta até um em cada quarenta adultos. Viver com o distúrbio pode ser angustiante e debilitante, e encontrar métodos para gerenciar a condição, de modo a não impedir o fluxo da vida cotidiana, pode ser desafiador.
Um crescente corpo de pesquisa está descobrindo o papel do sistema endocanabinoide (SEC) no gerenciamento da ansiedade, medo e comportamentos repetitivos. Como resultado, cientistas especializados em TOC começaram recentemente a olhar para os canabinoides como um tratamento potencial para o manejo ou alívio dos sintomas do TOC.
Os tratamentos de primeira linha existentes fornecem eficácia limitada — a cannabis poderia ajudar no manejo do TOC? Vamos nos aprofundar mais.
Primeiras as coisas primeiras — o que é TOC?
Na sua origem, o TOC, ou transtorno obsessivo-compulsivo, é um distúrbio de ansiedade que dificulta a capacidade do cérebro de fazer a transição entre comportamento habitual e comportamento direcionado a objetivos.
Como a maioria das condições de saúde mental, afeta pessoas com diferentes graus de gravidade e de várias maneiras: alguns indivíduos podem experimentar o TOC como uma fixação com contaminação, enquanto outros podem sentir um desejo de alinhar objetos simetricamente. Existem também outros distúrbios obsessivo-compulsivos centrados no corpo, como puxar o cabelo ou cutucar a pele.
A experiência de TOC de cada pessoa é específica para ela, mas as pessoas com TOC compartilham a experiência comum de obsessões ou pensamentos persistentes e incontroláveis ou impulsos intrusivos e perturbadores. Essas ruminações obsessivas podem fazer com que um indivíduo com TOC sinta ansiedade e realize ações repetitivas, conhecidas como compulsões ou rituais — como verificar e rever as fechaduras — para dispersar a ansiedade.
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Então, como a cannabis pode ajudar?
Uma revisão de 2019 publicada na Cannabis and Cannabinoid Research desentocou as evidências, sugerindo que o sistema endocanabinoide poderia representar um novo alvo no tratamento para transtorno obsessivo-compulsivo. O TOC afeta as partes do cérebro associadas à ansiedade, reatividade ao estresse, condicionamento ao medo e comportamentos habituais. O sistema endocanabinoide pode modular esses padrões comportamentais e respostas emocionais.
Os receptores CB1, que são um componente fundamental do sistema endocanabinoide, são encontrados em altas densidades em regiões do cérebro que se acredita estarem envolvidas no TOC, incluindo o córtex pré-frontal, os gânglios da base, o hipocampo e a amígdala. Essa conexão sugere que a ativação cuidadosa dos receptores CB1 pode ajudar a aliviar sintomas específicos associados ao TOC.
Ansiedade e estresse
A ansiedade é um elemento definidor do TOC e pode consumir tanto que diminui o senso de si mesmo. Já existem evidências consideráveis de que a cannabis pode ajudar a regular a ansiedade e o estresse quando administrada na dose certa.
Os receptores CB1, um componente do sistema endocanabinoide do corpo, ajudam a calibrar o cérebro quando aciona neurônios ou inibe sua ação. Os agonistas, substâncias que se ligam aos receptores CB1, podem ajudar a aliviar a ansiedade ou aumentá-la, dependendo da dose, da maneira como o agonista foi administrado ou da sensibilidade dos receptores CB1.
O THC é um exemplo de agonista. Quando o THC se liga aos receptores CB1, ele pode exercer um efeito calmante em doses baixas. Por outro lado, também pode elevar a ansiedade em doses mais altas.
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A pesquisa mostrou ainda que quando os receptores CB1 são bloqueados, ou quando os genes que os codificam são excluídos, a ansiedade aumenta.
Estudos em roedores também mostraram que o sistema endocanabinoide influencia a resposta do corpo ao estresse. Os endocanabinoides do próprio corpo promovem a adaptação ao estresse prolongado, enquanto o THC e outros canabinoides podem diminuir a resposta ao estresse quando administrados em doses baixas.
Novamente, altas doses de THC podem exacerbar o estresse. Para o gerenciamento da ansiedade e do estresse, a chave parece ser a administração da dose certa.
Medo condicionado
O medo, ou mais especificamente, o medo condicionado, é um componente fundamental do TOC. A rede de medo do cérebro emparelha um pensamento aversivo com um gatilho neutro, enviando um sinal de que algo está errado e que precisa ser abordado imediatamente. Estudos observaram que indivíduos que vivem com TOC têm uma capacidade prejudicada de extinguir o medo e que as vias neurais desordenadas são responsáveis.
A extinção do medo condicionado está no repertório da cannabis. Estudos pré-clínicos com camundongos sugerem que o sistema endocanabinoide e, mais especificamente, o receptor CB1 são críticos para ajudar a apagar as memórias de medo na amígdala.
Canabinoides exógenos, como THC e CBD, demonstraram a capacidade de diminuir o medo condicionado em roedores, enquanto os antagonistas do CB1 — estes se ligam aos receptores CB1, impedindo que eles sejam ativados — inibem o processo de extinção do medo.
Também há literatura clínica sobre participantes humanos indicando que o CBD e o dronabinol, uma forma sintética de cannabis, podem ajudar na extinção do medo. Em um estudo com indivíduos saudáveis, o dronabinol reduziu a resposta a estímulos que induziam o medo. Além disso, o CBD demonstrou diminuir a ansiedade e ajudar a diminuir as memórias condicionadas de medo em adultos saudáveis.
Comportamento habitual
Estudos com roedores conectaram o sistema endocanabinoide a hábitos de aprendizagem e comportamento repetitivo. A pesquisa descobriu que o THC e o CBD podem reduzir comportamentos repetitivos em camundongos. Pesquisa específica sobre o CBD mostrou resultados persistentes em comportamento repetitivo quando administrado diariamente durante uma semana. Em contraste, o diazepam, um medicamento antiansiedade comum, mostrou eficácia decrescente ao longo do tempo.
Em um estudo com pessoas com Síndrome de Tourette, o consumo fumado de cannabis foi associado a menos tiques e impulsos para o comportamento compulsivo. Em outra pesquisa, mulheres com distúrbio do ‘puxão de cabelo’ (tricotilomania) experimentaram uma redução na mania de puxar o cabelo após usar dronabinol por 12 semanas.
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Pesquisa sobre canabinoides e TOC e orientações futuras
Atualmente, existem apenas três estudos de caso que exploraram especificamente os efeitos dos canabinoides no TOC. Em cada caso, os sujeitos em questão responderam mal ou nada aos medicamentos de primeira linha, incluindo SRIs, antipsicóticos, estabilizadores de humor ou terapia cognitivo-comportamental.
Cada pessoa recebeu dronabinol e, durante dez dias a duas semanas, cada uma delas relatou uma melhora na qualidade de vida, além de uma redução nos sintomas do TOC.
Vale ressaltar que algumas pessoas com TOC podem usar cannabis para aliviar seus sintomas, mas para outras, a cannabis pode não produzir efeito ou até agravar sua ansiedade.
Inúmeros fatores podem contribuir para essas experiências conflitantes: para iniciantes, uma dose generosa pode produzir efeitos indesejados. Aqueles que são novos com a cannabis podem ter maior probabilidade de sentir alguma ansiedade sobre consumi-la do que aqueles que já estão familiarizados com ela. Além disso, a cannabis com altas concentrações de THC pode intensificar a ansiedade ou outros sintomas adversos.
Embora existam evidências de que o sistema endocanabinoide possa impactar o circuito neural subjacente ao TOC, atualmente existem poucas pesquisas investigando os canabinoides como um tratamento potencial para a doença. Isso deve mudar, no entanto. O Dr. Reilly Kayser, um dos principais autores da revisão acima, está atualmente investigando os efeitos do uso de canabinoides em pessoas com TOC.
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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em plano fechado que mostra duas mãos, vindas da parte de cima da foto, unidas em forma de concha e sustentando uma porção de buds secos de maconha, e um fundo escuro. Imagem: Sharon McCutcheon | Pexels.
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