Café com cannabis: reduto da lei islâmica na Indonésia ignora a proibição das drogas

Fotografia de uma grande porção de grãos de café misturados com flores de maconha trituradas, em uma wok branca, e uma mão segurando uma concha de madeira que derrama a mistura.

Na ilha de Sumatra, onde beijar em público é proibido e consumidores de maconha são presos, a maior preocupação de um empreendedor local é atingir a proporção ideal de seu preparado de café com cannabis. Com informações da AFP, e tradução pela Smoke Buddies

Agus mergulha uma concha de madeira em sua wok cheia de café e maconha, tomando o cuidado de tostar a mistura certa de ingredientes — e ficar um passo à frente da polícia na província de Aceh, na Indonésia.

Sua bebida contrabandeada é um sucesso entre moradores e compradores de outras partes do arquipélago do Sudeste Asiático, que pagam 1,0 milhão de rupias (US$ 75) por um quilo do preparo.

Mas esse é um negócio arriscado em Aceh, onde até beber álcool ou beijar em público pode lhe render chicotadas dolorosas sob a estrita lei islâmica.

Agus, que não é seu nome verdadeiro, faz parte de uma economia clandestina na região na ponta de Sumatra que, apesar de sua reputação absurda, é o principal produtor de maconha da Indonésia, com campos que cobrem uma área quase sete vezes maior que Singapura, segundo estimativas oficiais.

A maconha era tão comum em Aceh que os habitantes locais a cultivavam em seus quintais e a vendiam ao público.

Mas isso foi proibido nos anos setenta e a maioria muçulmana da Indonésia adotou algumas das mais rigorosas leis sobre drogas do mundo, incluindo a pena de morte para traficantes.

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O país se declarou em meio a uma “emergência” de drogas por causa do alto uso de metanfetamina.

Mas a situação é que Aceh está confusa.

A polícia caça agricultores de maconha, aprisiona usuários e queima montanhas de maconha confiscada — mais de 100 toneladas somente no ano passado.

Ainda na semana passada, um legislador da província propôs no Parlamento que a droga fosse legalizada, para que o país pudesse exportá-la para fins farmacêuticos.

Ele foi rapidamente repreendido pelo Partido da Justiça Próspera (PKS), enquanto a agência nacional de narcóticos criticou a proposta, alegando que desencorajaria os agricultores de ganja de Aceh de adotarem suas sugestões para mudar para hortaliças e outras culturas.

Apesar dos riscos, Agus afirma que tem pouco medo de ir para a cadeia.

“Como você pode banir algo que está em todo lugar?”, ele disse, acrescentando: “Está tudo em Aceh. Essa enorme repressão apenas torna mais raro ver em público, mas as pessoas ainda a usam”.

Na maioria dos dias, sua maior preocupação é atingir a proporção perfeita para seu java — 70% de café e 30% de maconha.

“Se você colocar mais de 30% de ganja, você perde o sabor do café”, explicou.

Por duas décadas, Agus foi um profissional de colarinho branco, mas trocou sua prestigiada carreira por um comércio mais lucrativo, a fim de melhor sustentar sua família.

“Eu queria me concentrar no café, porque esta é minha área de especialização”, acrescentou.

Agus insiste que sua receita oferece uma bebida agradável e menos intensa do que fumar ou comer o popular dodol ganja.

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A especialidade local mistura maconha com um doce de arroz glutinoso, açúcar de palma e leite de coco.

“Essas coisas podem realmente fazer você alucinar”, disse Agus.

Como a maconha se tornou um negócio em Aceh é uma questão de debate.

Alguns dizem que foi trazido por colonos holandeses, centenas de anos atrás, como presente para um sultão na região coberta de selva.

Mas o historiador local Tarmizi Abdul Hamid rebate que o uso da maconha — para tudo, desde remédios e culinária até repelir pragas das lavouras e preservar alimentos — pode ser encontrado em manuscritos anteriores à chegada dos holandeses.

“Eles mostram que a ganja pode ser usada para curar a calvície ou pressão alta”, disse ele em um texto.

“A ganja também foi usada na culinária e na medicina. No entanto, fumar não é mencionado nas antigas escrituras”, acrescentou.

Séculos depois, a maconha estava na linha de frente — literalmente — de uma insurgência separatista em Aceh.

O ex-agricultor de maconha Fauzan lembra-se de colher sua colheita quando as balas começaram a voar pelo campo em um tiroteio entre soldados do governo e rebeldes em 2002, três anos antes de um acordo de paz encerrar o sangrento conflito.

Fauzan estima que cerca de 80% das pessoas em Lamteuba, sua cidade natal, a cerca de 50 quilômetros da capital da província Banda Aceh, eram agricultores de ganja.

Os moradores da antiga fortaleza rebelde criaram caminhos secretos para seus cultivos lucrativos e até construíram esconderijos para esconder suas colheitas de maconha em um jogo de gato e rato com as autoridades.

“Esta vila é como o paraíso. O que você plantar aqui vai crescer”, disse Fauzan.

“Jogue uma semente de ganja no chão, deixe-a e depois volte para a colheita.”

Mas, temendo ser preso, mais tarde ele abandonou o comércio.

Fauzan, que agora cultiva pimentões para sustentar sua família, trabalha com o governo para convencer os agricultores a mudar para vegetais e outras culturas.

É uma venda difícil em uma vila empobrecida, com poucas oportunidades de emprego.

“Se o governo não cuidar das pessoas e fornecer assistência, é provável que eles voltem à sua antiga rotina”, reconheceu Fauzan.

Para o entusiasta da maconha Iqbal — não é seu nome verdadeiro —, a única coisa que a proibição fez é tornar os moradores locais melhores em esconder maconha em uma xícara de café ou em um prato de macarrão.

Ele refletiu: “É impossível se livrar da ganja em Aceh. É mais fácil reprimir a metanfetamina destruindo um laboratório. Mas quando a polícia destrói uma plantação de ganja, ela simplesmente cresce em outro lugar”.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia de uma grande porção de grãos de café misturados com flores de maconha trituradas, em uma wok branca, e uma mão segurando uma concha de madeira que derrama a mistura. Foto: AFP.

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