Busca por cannabis medicinal aumenta na pandemia e faz usuárias largarem drogas tarja preta

Fotografia que mostra uma porção de buds de cannabis tipo pipoca sobre os dedos de uma mão estendida e mais desses sobre uma superfície verde-clara lisa, no segundo plano. Imagem: Nicole Plunkett | Unsplash.

De acordo com o psiquiatra Pietro Vanni, da Clínica Gravital, especializada em terapias canábicas, é a medicina do século. Saiba mais com as informações d’O Globo

A bancária Nair Azevedo, de 51 anos, começou a ter crises de ansiedade durante a pandemia. Antes, ela já sentia dores no corpo e colecionava algumas tendinites devido ao trabalho repetitivo. Depois de um período em que um relaxante muscular aqui e outro acolá faziam efeito, o cenário piorou e ela passou a tomar uma série de remédios diários, até mesmo corticoide. Nada mais fazia efeito. “Também estava entrando na menopausa. A situação ficou bastante complicada”, lembra ela. Foi ao ver uma senhora de 80 anos contando sobre o uso de uma pomada de canabidiol (uma das substâncias químicas encontradas na Cannabis sativa, a conhecida maconha) no programa de Fátima Bernardes, que Nair começou a pesquisar sobre o tema. Leu artigos, conheceu diversos relatos de pessoas que tinham sucesso em seus tratamentos e se animou. “Mas achava que só existia fora do Brasil. Até que encontrei uma clínica no Rio focada em tratamentos com CBD (sigla para canabidiol). Marquei uma consulta imediatamente”, conta ela.

Isso tem apenas três meses, mas o resultado, conta, apareceu nas primeiras semanas. “Com um mês, eu já não sentia os incômodos. A dor que me acompanhava havia 30 anos tinha sumido. A ansiedade acalmou, comecei a dormir muito bem. Ganhei qualidade de vida, coisa que eu não tinha há décadas”, comemora Nair, uma das mulheres que optou por mudar os medicamentos alopáticos pelos tratamentos à base de cannabis.

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A clínica a que a bancária se refere é a Gravital, especializada em medicina canábica e que funciona em Botafogo desde 2019. Ano passado, abriu uma filial em Porto Alegre e está inaugurando mais uma em Curitiba. Prova do crescimento exponencial dos psicoativos na medicina. Para o diretor técnico do espaço, o psiquiatra Pietro Vanni, o foco é ajudar em doenças como ansiedade, enxaqueca, adicção, menopausa e climatério, dores crônicas, fibromialgia, autismo e Alzheimer, entre outras. O perfil dos pacientes é tão variado quanto a gama de tratamentos, há crianças de 3 anos e idosos de 90. São pessoas que não conseguiram sucesso com a medicina alopática tradicional, em sua maioria.

“Deu um boom durante a pandemia. Pelo interesse sobre o tema e por causa da telemedicina, já que ainda somos carentes de médicos que usam o CBD no Brasil. Já fizemos quase 600 atendimentos desde a abertura da clínica”, diz Pietro. Além dele, a equipe conta com outros psiquiatras, neurologistas, endocrinologistas e até nutricionistas.

“Acredito que é a medicina do século. O canabidiol possui uma segurança farmacológica enorme, tem uma toxidade praticamente nula: não vicia, não causa dependência e não há chance de overdose. Enquanto os fármacos tradicionais da psiquiatria têm efeitos colaterais muito complexos”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Segundo o psiquiatra, com os óleos é possível atuar como um ansiolítico em uma queixa de insônia de maneira supersegura. “Para autismo, não há nada parecido, chega a ser milagroso. Mas vale lembrar que, ao mesmo tempo, continuo sendo psiquiatra tradicional. Se eu acreditar que a indicação é de algum remédio de farmácia, vou prescrever”, completa Pietro.

Um dos grandes avanços da medicina canábica é o novo modelo de liberação da Anvisa. Antes, o paciente precisava fazer o pedido na agência com uma receita, um termo de consentimento e um relatório citando outros remédios que ele já havia tomado, além de anexar artigos científicos. Uma burocracia enorme que podia durar três meses. Desde o ano passado, a Anvisa não demora mais de duas semanas para autorizar o paciente a comprar o óleo. Hoje, já são mais de 7 mil pessoas com essa permissão.

Como pacientes podem comprar produtos à base de cannabis

As consultas com os psiquiatras giram em torno dos R$ 500 e os óleos disponíveis no mercado brasileiro podem variar muito de preço, depende da sua concentração de CBD e THC: uma pessoa pode gastar de R$ 200 a mais de R$ 1 mil reais por mês, de acordo com a composição e a quantidade recomendada. Normalmente, é administrado em gotas sob a língua ou em novas versões como adesivos, sprays, pomadas e tinturas para serem diluídas em água. Há ainda fórmulas ácidas que estão sendo estudadas para a redução de apetite. Além disso, são diversos os canabinoides a serem explorados, que vão muito além de CBD e THC, como canabicromeno (CBC), canabinol (CBN), canabigerol (CBG), todos ainda sem previsão de serem permitidos por aqui, mas que prometem aumentar ainda mais a gama de tratamento com cannabis.

Ainda estamos engatinhando nessa questão das cepas da planta. Em lugares onde a medicina está mais avançada, já usam várias. Cada uma serve para um tratamento. Aqui ainda ficamos limitados ao CBD e THC. Temos que ter mais estudo, mais liberações, afinal, estamos falando de uma tecnologia de saúde”, comenta a psiquiatra Paula Fabricio, outra referência em cannabis medicinal no Brasil.

Mesmo tendo apenas dois ativos, a molécula já conseguiu sucesso com diversos pacientes. “Trocar medicações de uso crônico com diversos efeitos colaterais, como perda de memória, dependência e necessidade de aumentos de doses frequentes. O óleo vem ajudando nesse desmame e trazendo bem-estar ao paciente. Cada caso é um caso e acredito na troca para chegarmos à dose certa para o momento. São dois fatos importantes: o primeiro é que as pessoas respondem muito bem e o segundo é que é um medicamento seguro, sem casos de overdose ou morte. Ansiedade e insônia são os transtornos mais comuns nos quais vejo resultado mais rápido”, analisa a psiquiatra.

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Uma das pacientes de Paula é a instrumentadora cirúrgica curitibana Iara Cavassim, de 62 anos. Há quatro meses, ela começou os tratamentos com canabidiol e está impressionada no quanto apenas 15 gotinhas por dia a fizeram largar seus vários tarja preta. “Eu tomava sete remédios por dia, sou um caso grave. Tenho de insônia a epilepsia. Já estava cada vez mais limitada e dei uma chance ao novo porque não tinha mais o que tentar. Confesso que não esperava um resultado tão bom. Até a psoríase que tinha desde bebê e meu cabelo melhoraram. E tem gente que ainda trata o medicamento com preconceito”, comenta Iara, que há um mês não toma mais seus remédios pesados e usa o óleo há quatro. “É um sono reparador, diferente dos que eu tinha. Voltei a sonhar, fazia muitos anos que não acontecia. Além disso, gasto menos dinheiro”.

Os óleos chegam de muitas partes do mundo, como Estados Unidos, Israel, Reino Unido, Austrália e Uruguai. E há ainda as associações de pacientes. No Brasil, são apenas duas autorizadas pela Justiça: a Apepi, que fica no Rio e soma mil associados, e a paraibana Abrace Esperança, com 3 mil. Na primeira, o sócio paga uma mensalidade de R$ 29,90 e o vidrinho de óleo sai por R$ 150. Na segunda, são R$ 350 por ano e o óleo custa R$ 200 o vidro.

“Para certos pacientes a cannabis muda a vida, alguns transtornos somem, outros conseguem diminuir bastante o uso de medicações e sentir os mesmos efeitos. Tenho casos de pessoas que não respondem a remédios alopáticos e viviam depressões profundas, mas que se tornaram outras ao usar a medicina canábica. Voltaram a socializar, a rir, estão mais leves”, avalia Paula. “A Associação Brasileira de Psiquiatria ainda nega o uso de cannabis, abre uma brecha apenas para epilepsia refrataria. Mas não se pode fechar os olhos para tantos casos de sucesso em outros transtornos”.

Em setembro, em comunicado após a votação para aprovação do Projeto de Lei 399/2015, que viabiliza a comercialização de medicamentos com cannabis, a ABP se posicionou contrária à proposta.

Quando o preconceito sai de cena, as chances de cura podem aumentar.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra uma porção de buds tipo pipoca sobre os dedos de uma mão estendida e mais desses sobre uma superfície verde-clara lisa, no segundo plano. Imagem: Nicole Plunkett | Unsplash.

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