Buds de maconha não são flores, mas sim frutos partenocárpicos

Segundo estudo do pesquisador Kenzi Riboulet-Zemouli, o produto de cannabis que você consome fumando, extraindo o óleo ou por infinitas formas de consumo pode não ser uma flor
Kenzi Riboulet-Zemouli realizou um estudo de três anos, em paralelo a uma avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a maconha, com o objetivo de identificar uma nomenclatura coerente para os derivados da planta de cannabis.
A problematização do estudo surgiu durante as discussões realizadas nas reuniões da Comissão para Drogas Narcóticas da Organização das Nações Unidas (ONU), de 2014 em diante. Uma conclusão comum foi compartilhada por pacientes, médicos, farmacêuticos, farmacologistas, toxicologistas, químicos, biólogos, botânicos, funcionários da ONU e da OMS, advogados e pessoas que trabalham com Cannabis sativa em vários contextos, de todos os cantos do mundo: dificuldades em compreender uns aos outros devido a inconsistências linguísticas críticas com termos específicos para a cannabis.
“Qual é a utilidade de terem nomes”, disse o Mosquito, “se não atendem por eles?”
“Não tem utilidade para eles”, disse Alice, “mas é útil para as pessoas que os nomeiam, eu suponho. Se não, por que as coisas têm nomes?”
(Lewis Caroll, Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá)
O trabalho de Riboulet-Zemouli abrange todos os produtos de cannabis que possam ser incorporados ao organismo humano (consumo interno ou tópico), mas a parte que mais me chamou a atenção, e talvez surpreenda a muitos consumidores, adultos e médicos, é a abordagem ao que o estudo chamou de “produto de cannabis botânico básico”: a famosa flor da maconha.
“Flor” é o nome dado à parte colhida da cannabis preferida, que contém ingredientes fitofarmacêuticos (canabinoides, terpenos, flavonoides etc.), a designação mais comumente encontrada na literatura e um termo amplamente utilizado no universo canábico.
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Como demonstrou o estudo, numerosas referências usam formulações imaginativas para dizer que as flores têm sementes, sem verbalizar diretamente “flores com sementes”. Isso de fato se oporia aos fundamentos da botânica, onde flores com sementes não são uma opção. Em 1894, foi notado que os materiais usados para a produção de um extrato local na Índia eram “cabeças de flor, que agora estão cheias de sementes, descartando as folhas mais grossas” (Indian Hemp Drugs Commission, 1894). 123 anos depois, um artigo descreve as partes botânicas colhidas por sua psicoatividade, no Nepal, como as “inflorescências femininas com sementes maduras” (Clarke, 2007).
Alternativas criativas, como buds, bracteazinhas, cálices (Frank, 2018), “brácteas que circundam os ovários” (Dewick, 2009), ou “cachos florais sem sementes” foram encontradas pelo pesquisador, refletindo a falta de consenso em torno da designação dessa parte tão popular e cobiçada da maconha.
No cultivo tradicional ao ar livre, plantas estaminadas (masculinas) e hermafroditas podem ocorrer no campo, resultando na polinização de algumas flores e sua transformação em frutos com sementes (Chopra e Chopra, 1957; Clarke, 2007). Os agricultores de Cannabis sativa desenvolveram estratégias para evitar isso e reduzir a presença de sementes nas lavouras, principalmente impedindo a polinização. Ram Nath Chopra, considerado o “pai da farmacologia indiana”, e seu filho I.C. Chopra observaram que uma operação importante dos fazendeiros de cannabis da década de 1950 na Índia consistia em ir pelo campo cortando todas as plantas masculinas para “prevenir a formação de sementes”. Hamayun e Shinwari (2004) explicam que o estágio inicial de floração das flores pistiladas (femininas) permite a fácil remoção dos campos. Eles observam que “mesmo os frutos jovens da planta feminina de cannabis” são usados para a produção de produtos psicoativos. As plantas resultantes de safras onde essa seleção sexual ocorreu são conhecidas como “sinsemilla” (Clarke e Merlin, 2013), derivado do espanhol sin semilla, que significa literalmente “sem semente”.
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Dito isto, Riboulet-Zemouli explica que a consideração de “buds” (brotos, na tradução literal) como flores entra em conflito com as repetidas menções de uma maturidade de flores, aparentemente necessária para que seja feita a colheita. As flores não amadurecem: elas murcham e se transformam em frutos que, por sua vez, amadurecem.
O autor sugere que a melhor abordagem seria considerar os “buds” não como flores ou inflorescências, mas sim como frutos ou infrutescências. As ciências botânicas modernas contemplam o desenvolvimento de frutos a partir de flores femininas não fertilizadas, um mecanismo denominado “partenocarpia”.
Nobody smokes cannabis #flowers. What you smoke are probable #cannabis #fruits.
That’s one of the findings in my paper, “‘Cannabis’ ontologies I: Conceptual issues with Cannabis and cannabinoids terminology” just published in @Drug_Science Journal.https://t.co/7WWQbiyWJA pic.twitter.com/ZskHer6hdU— Kenzi Riboulet-Zemouli (@teluobir) January 3, 2021
Conclusão
Todas essas observações sugerem que o “produto de cannabis básico”, que você consome fumando, extraindo o óleo ou através das infinitas formas possíveis de consumo, pode não ser composto de flores, mas de frutos — mais precisamente, frutos partenocárpicos.
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#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra o topo de uma flor (fruto) de maconha onde cálices roxos repletos de tricomas aparecem junto a pistilos verde-claros e laranjas, em fundo escuro. Imagem: THCamera Cannabis Art.

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