Cannabis Queens: brasileiras empreendem no mercado da cannabis e fazem sucesso até no exterior

Três fotos, uma de Stephanie Seitz Meza segurando um frasco de cosmético, outra de Viviane Sedola e a terceira, da esquerda para a direita, de Marcela Ikeda, que segura um bud de cannabis próximo ao nariz.

Algumas das empreendedoras de sucesso na cena canábica falaram à Universa sobre suas jornadas e como enfrentaram o preconceito e o machismo para se tornarem rainhas de seus próprios mundos

Stephanie comanda uma marca de produtos eróticos que mira no prazer feminino, um negócio de alcance internacional. Marcela é chef de um espaço gastronômico que proporciona experiências únicas ao paladar em Montevidéu, no Uruguai. Viviane desenvolveu uma plataforma digital que liga médicos e pacientes em busca de tratamento alternativo. Apesar de empreenderem em ramos completamente distintos, o sucesso dessas mulheres carrega algo em comum: a cannabis.

Apesar do cenário conservador brasileiro, elas estão se destacando. Maconha sempre foi tabu e, mesmo depois de a Anvisa ter liberado há pouco mais de um ano a venda de produtos medicinais à base de cannabis, é lento o debate da descriminalização. No Senado e na Câmara projetos são engavetados e poucos são os políticos que se arriscam a tocar no assunto de maneira incisiva com receio de queimar sua imagem pública até a última ponta.

E olha que as estimativas em torno do negócio são lucrativas. Segundo relatório da consultoria New Frontier Data em parceria com a The ­Green Hub — uma aceleradora brasileira de startups de cannabis — entre 2020 e 2023 o Brasil poderia movimentar até R$ 4,6 bilhões nesse nicho.

Aqui, Stephanie, Marcela e Viviane falaram sobre suas jornadas e como enfrentaram o preconceito e o machismo para se tornarem rainhas de seus próprios mundos.

“Defender a legalização da maconha é quase uma pauta feminista”

“Os benefícios da cannabis em produtos sensuais trazem mais resultados para a mulher do que para o homem”, quem garante é Stephanie Seitz Meza, 25, diretora da INTT Cosméticos. A marca brasileira surgiu há 15 anos, criada pela bisavó de Stephanie, mas ao assumir o comando ela introduziu a maconha em parte da produção, com produtos voltados para o mercado europeu.

Lá, a INTT vende dois itens à base de cannabis: um lubrificante e um excitante. Aqui no Brasil, porém, a venda desses dois elementos é proibida. O que Stephanie lamenta, mas não só por questões profissionais. “Defender a legalização da maconha é quase uma pauta feminista”, diz ela.

“Nosso excitante é unissex, mas a mulher usa muito mais do que o homem. É um produto que traz uma sensação de relaxamento, elas ficam menos tensas na transa. Aumenta a lubrificação e é ótimo para aquelas que têm vaginismo.”

Desde que a marca passou a comercializar seus produtos na Europa, o faturamento da empresa cresceu 120%, assegura a empresária. De todos os produtos que a INTT vende, a única matéria-prima que não é produzida no Brasil é o óleo da maconha, feito na Europa. “Dos três lubrificantes da minha marca, o de cannabis é o que mais vende”.

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Stephanie reconhece que trabalhar com produtos eróticos já lhe traz um estigma. Somar ao currículo o título de “Cannabis queen”, a torna ainda mais alvo de julgamentos. Mas ela aprendeu a não se importar com a opinião alheia. “É um título inovador. Sobre uma mulher que não tem medo de dar a cara para bater, que quer investir em coisas novas, que está sempre ligada nas tendências mundiais. Eu fico agradecida”.

“O mercado farmacêutico já começou a liberar medicamentos à base de cannabis. É um pontapé inicial. A legalização ainda vai demorar, mas estamos caminhando para isso no Brasil” — Stephanie Seitz, empresária do ramo erótico.

Um restaurante que começou com um brownie canábico

Entre um brownie e outro, Marcela Ikeda, 32, responde e-mails, bola um baseado, prepara ingredientes e atende ao público que frequenta o Larica, espaço gastronômico que ela administra em sua própria casa, em Montevidéu. Brasileira que vive na capital uruguaia há 5 anos, a chef de cozinha ganhou reconhecimento internacional por preparar “menus canábicos”.

“Eu e o Larica estamos juntos desde 2015. Tudo começou quando eu me mudei para o Uruguai. Na época, não tinha nenhuma ligação com a gastronomia”, conta. Aeromoça e fotógrafa de formação, a cannabis entrou na vida de Marcela em 2010.

Quando se mudou para o Uruguai, em 2015, a maconha tinha acabado de ser legalizada no país. Foi outra mulher, aliás, a peça fundamental nesse processo. Como presidente da Associação de Estudos de Cannabis, Laura Blanco é reconhecida mundialmente como uma das principais ativistas da luta pela legalização do cultivo da erva.

“O projeto começou como La Rica, não tinha nada a ver com cannabis. Até que um dia eu fiz meu primeiro brownie canábico, comecei a vender no parque e foi muito interessante, daí senti a necessidade de criar a marca”, explica Marcela.

Depois do sucesso dos brownies, que Marcela relata ter aumentado a demanda durante a pandemia, a brasileira transformou sua casa em um restaurante particular, que recebe cerca de 10 pessoas por jantar em que a cannabis é a estrela do tempero. “Deixei de ser uma marca de doces para você ficar loucão e me tornei uma experiência visando a qualidade de vida”.

“O azeite da erva é um antioxidante natural, previne o envelhecimento. Acalma, deixa dormir feliz e tranquila, hidrata o cabelo e ainda dá para temperar a salada, porque tem um leve gostinho de gengibre” — Marcela Ikeda, chef de cozinha canábica.

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“Não compactuo com um país que não me deixa ser quem eu sou”

Para experimentar os pratos de Marcela, você terá que desembolsar U$ 75 (cerca de R$ 400). O preço não intimida os brasileiros que a visitam, e, segundo ela, correspondem a 80% dos clientes do Larica. “Cobro assim por que é muito alto o custo de produção. Não cultivo cannabis, sou membro de um clube e recebo a matéria-prima, mas não planto. Um dia espero que eu consiga realizar o ciclo completo: da terra à mesa”.

É através dos clientes que Marcela mata a saudade do Brasil, para onde ela não pretende voltar tão cedo. “Não compactuo com um país que não me deixa ser o que eu sou”, ela diz.

“Por mais que eu deixe de fumar maconha um dia, não sei se voltaria para o Brasil. Tem a questão das pautas conservadoras… Espero que a maconha seja legalizada aí, mas ainda falta muito. Falta educar a população, falta apoio do governo.”

Ela reuniu mais de três mil profissionais da saúde interessados em cannabis

É longa a lista de doenças e transtornos que podem ter seus efeitos atenuados ou tratados com medicamentos à base de canabidiol. Epilepsia, insônia, ansiedade, estresse pós-traumático, são alguns deles. No Brasil já é possível adquirir legalmente remédios deste tipo desde 2019.

Um dos negócios que dominam esse nicho de mercado nacional foi fundado por uma mulher, Viviane Sedola, 35. Ela é a CEO da plataforma digital Dr Cannabis, que não fabrica os remédios, mas organiza conteúdos sobre o assunto, permite que pacientes entrem em contato com médicos que prescrevem canabinoides e auxilia no processo com a Anvisa para a importação dos produtos. Cerca de três mil profissionais de saúde já estão inscritos no site, o que Viviane enxerga como um avanço.

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“Muitas coisas mudaram desde que a maconha medicinal passou a ser legalizada no Brasil. Percebo uma aceitação maior por parte dos médicos. Antigamente falavam: ‘não, eu não prescrevo isso’. Hoje, já falam ‘eu não prescrevo, mas posso te encaminhar para um colega’”.

Viviane já foi eleita pela revista “High Times” — publicação que é referência no setor — uma das 50 mulheres mais influentes do mercado de cannabis no mundo. Antes de entrar para o ramo, ela já foi executiva do Groupon e foi uma das fundadoras da plataforma de financiamento coletivo Kickante.

Ela diz que um dos principais motivos da criação da Dr Cannabis foi a luta de mães que têm filhos com condições raras. “Quando comecei a pesquisar, vi que no Brasil existia uma demanda, mas o tratamento era reprimido, muitas vezes por falta de conhecimento”, conta.

“A gente tem no Brasil cerca de 600 mil epilépticos refratários, aqueles que não conseguem controlar a crise. Na época, só mil pessoas podiam importar produtos com cannabis. Eu vi que podia ajudar a causa” — Viviane Sedola, CEO da plataforma Dr Cannabis.

“Por causa do nome da empresa, não consigo fazer anúncio no Facebook”

Se você fizer uma busca no Google sobre maconha, a maioria das informações que encontrará será sobre ilegalidade e tráfico — o mundo digital não é lá muito amigável com os negócios de Viviane. “Não consigo usar várias ferramentas de disparo de e-mail, de anúncio de propaganda no Facebook, por causa do nome da minha empresa”, explica.

Viviane conta que enfrentou preconceito do mercado e alguns inconvenientes familiares.

“Quando eu contei para o meu filho com o que eu trabalhava, na época ele tinha uns 10 anos. Ele perguntou: ‘mãe, mas as crianças que precisam usar cannabis, elas fumam?’. ‘Não filho, na verdade tem um óleo que as mães pingam debaixo da língua, ou às vezes cozinham com ele, não precisa fumar nada’”.

Ela diz que entre as principais dúvidas dos pais que buscam informações na plataforma está se a criança ficará “chapada” com o tratamento. “É difícil… Os médicos evitam prescrever produtos com THC”, conta. A empresária diz que, na hora das críticas, não escapa nem dos ativistas da legalização da maconha.

“Eu esperava, principalmente no começo, encontrar vários haters na rede social. Mas não foi o que aconteceu. Eu vejo dentro do ativismo da cannabis uma cobrança maior. Existia uma expectativa de que o autocultivo fosse regulado — e seria maravilhoso se isso acontecesse, mas não aconteceu”, pondera.

“Qualquer regulamentação é positiva, hoje a gente tem alguma regra a seguir. Ela não é perfeita, mas se olharmos para o mundo, veremos que nenhum país está satisfeito com a legislação que tem. Para a maconha ser liberada no Brasil, é preciso que o mercado se estabeleça, que exista pressão para um processo de cultivo e regras mais adequadas”.

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