Argentina: Ministério do Desenvolvimento elabora projeto para progresso do mercado de cannabis

Fotografia em ângulo superior de um bud de cannabis em início de formação, circundado por diversas folhas rajadas de marrom, com as outras plantas do cultivo aparecendo ao fundo. Imagem: Tim Foster | Unsplash.

Orientada pelas legislações canadense, uruguaia, colombiana e de estados como a Califórnia, nos EUA, a proposta visa promover o investimento público e privado em cada um dos elos da cadeia produtiva da planta. As informações são do Industria Cannabis

O governo da Argentina está preparando um amplo projeto de lei para o desenvolvimento de todas as etapas da cadeia produtiva da cannabis para uso medicinal e do cânhamo para uso industrial, com o objetivo de gerar um mercado interno e, ao mesmo tempo, promover as exportações.

“Estamos trabalhando no desenho de um marco regulatório sólido e abrangente para o desenvolvimento de todas as etapas da cadeia produtiva da cannabis para uso medicinal e do cânhamo para uso industrial”, disse Natalia del Cogliano, diretora nacional de articulação de assuntos produtivos com as províncias, do Ministério de Desenvolvimento Produtivo da Argentina, em diálogo com o Industria Cannabis.

#PraCegoVer: foto de rosto e em meio perfil de Natalia del Cogliano que, com a mão no queixo, posa sorridente. Crédito: Universidade Católica Argentina.

 

“Entendemos que é uma aposta estratégica que devemos fazer para gerar um mercado interno poderoso e rastreável para os produtos derivados da cannabis medicinal que, acima de tudo, permita aos pacientes o acesso a produtos que oferecem informações claras, transparentes e seguras; e estimular, paralelamente, a entrada de divisas legítimas via exportação”, acrescentou Natalia del Cogliano.

O projeto, que é norteado pelas legislações do Canadá, Uruguai, Colômbia e estados como a Califórnia, nos Estados Unidos, visa promover projetos de investimento público, privado e misto em cada um dos elos da cadeia produtiva. Para isso, prevê a criação de um órgão regulador e articulador da cadeia, com o objetivo de maximizar os mecanismos de regulação e controle de cada um dos setores.

Dependendo da matriz produtiva, tecnológica e de pesquisa, a Argentina apresenta uma série de vantagens comparativas. “Nosso país tem comprovada capacidade tecnológica na agricultura, incluindo o desenvolvimento genético de sementes, um elo fundamental na cadeia da cannabis. Da mesma forma, temos uma extensa rede de laboratórios nacionais (públicos e privados) e transnacionais, e um ecossistema de ciência e tecnologia que já demonstrou interesse em investigar as propriedades e aplicações da cannabis”, explicou Del Cogliano.

“Por sua vez”, continuou, “temos terras disponíveis, e terras dispostas a fazer a transição para esta cultura, temos recursos humanos altamente capacitados e uma lei de economia do conhecimento que constitui uma ferramenta fundamental para acompanhar o desenvolvimento do setor”.

A cadeia produtiva e a geração de empregos

A cadeia de valor da indústria da cannabis abrange a produção de sementes, o desenvolvimento de suas variedades, a produção de mudas, a colheita e a secagem, a produção de subprodutos, além da distribuição e da comercialização. Da mesma forma, esses vínculos coexistem com empresas que se dedicam a trabalhos específicos, como desenvolvedores de genética, fornecedores de equipamentos especializados, serviços técnicos e fitossanitários e defensivos agrícolas.

Existem três formas de produção primária: cultivo ao ar livre, cultivo em estufas e cultivo interno. Cada alternativa de cultivo impacta a demanda de mão de obra por hectare e traz diferentes tipos de vantagens e desvantagens e custos de investimento.

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No caso da produção industrial de cânhamo, o cultivo é frequentemente realizado ao ar livre e rende ao menos três colheitas por ano. Segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Produtivo, a estimativa de absorção de mão de obra por hectare é comparável às atividades ligadas à produção de frutas finas, como mirtilo ou uva de mesa. Para esses modelos de produção, calcula-se que a demanda de mão de obra seja de três a quatro operadores por hectare.

Por outro lado, nas produções em estufa e/ou de interior — modalidade privilegiada de cultivo de cannabis para uso medicinal, mais controlada e com maior investimento —, o uso de mão de obra é mais intensivo. A modalidade de cultivo interno pode ser comparada com a demanda de mão de obra na indústria de flores, que requer entre dez e quinze operadores por hectare, conforme informações da pasta de Desenvolvimento acessadas pelo Industria Cannabis. No mesmo sentido, para o caso das estufas estima-se em cerca de seis ou sete operadores por hectare.

“Qualquer uma das atividades ou modelos que se desenvolvem na cadeia da cannabis tem um potencial de geração de mão de obra por unidade de área muito superior ao observado nas culturas da azeitona, castanha ou citrinos e, claro, na soja ou no milho”, disse Del Cogliano ao Industria Cannabis.

A cadeia de valor da cannabis inclui uma série de atividades que representam um potencial significativo para o mercado do setor. Por exemplo, a produção legal global de cannabis cresceu de 1,4 tonelada em 2000 para 289,5 toneladas em 2018, de acordo com o International Narcotics Control Board (INCB). Da mesma forma, os gastos globais com cannabis legal de US$ 15 bilhões em 2019 são estimados em US$ 41 bilhões até 2024, de acordo com Arcview Market Research and BDS Analytics. A principal condição para o desenvolvimento de projetos produtivos, de comercialização e mesmo de exportação, para geração de divisas, são legislações que sigam de mãos dadas com o interesse do setor privado em impulsionar a indústria.

Na Argentina, a falta desses marcos regulatórios impede o início efetivo do setor. A nova regulamentação da Lei 27.350 legalizou o autocultivo, demanda que se sustenta há muito tempo, embora ainda esteja pendente uma lei que ative todos os elos do setor. “Temos uma legislação muito ambígua, porque a planta continua proibida além do novo regulamento”, disse Marcos Chigal, advogado da Reset, ao Industria Cannabis. “O que agora está resolvido é a legalização das safras domésticas. Por não ter esse problema, a verdade é que podemos avançar em uma regulamentação muito mais ampla que leve em conta toda a planta e todos os seus usos”, acrescentou.

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Os casos do Uruguai e da Colômbia: indicadores produtivos

Nestes países, onde suas indústrias se destacaram na região, os relatórios privados e públicos servem de subsídio para a Argentina, pois fornecem dados sobre os indicadores da atividade industrial e medicinal da cannabis, que está em pleno desenvolvimento graças às regulamentações que a permitem.

Uruguai

No primeiro país do mundo a legalizar os diferentes usos da cannabis, até março de 2020 havia 40 empresas de cultivo de cannabis não psicoativa autorizadas pelo Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca (MGAP), que somavam uma área de cerca de 600 hectares, a maior parte a céu aberto. O rendimento pesquisado é baixo em estufas e situa-se em torno de 500 a 1.000 kg por hectare, segundo relatório da agência de exportação uruguaia.

Dos cinco subprodutos do cânhamo (fibra, biomassa, flor, grãos e sementes), segundo informações do MGAP, 90% das empresas se dedicam à produção de flores voltadas à exportação para a produção de extratos, principalmente os ricos em CBD. O rendimento médio das flores produzidas em baixa densidade e com irrigação “varia de 300 a 500 kg por hectare”, segundo reportagem do jornal uruguaio El Observador. Já o “grão para alimentação, sem irrigação, tem rendimento médio entre 800 e 1.000 kg por hectare”.

Já os preços das flores de cânhamo com 10% de CBD, secas e de alta qualidade — para uso não medicinal — giram em torno de US$ 400 o quilo, acrescenta o relatório. “Os preços do grão de cânhamo não orgânico, para uso alimentar, giram em torno de US$ 2 mil a tonelada”, completa.

Colômbia

Na Colômbia, a indústria se volta para a produção e exportação de cannabis medicinal. Um relatório da Fundação para o Ensino Superior e o Desenvolvimento (Fedesarrollo), que descreve a caracterização produtiva da indústria segundo um inquérito a trinta empresas — a maior parte delas dedicadas ao cultivo —, sintetiza a seguinte série de dados:

  • Empregos agrícolas por hectare: 17,3 (todos formais).
  • Custo de geração de emprego: 50 milhões de pesos colombianos (US$ 13.980, em 2/2/2021).
  • Área cultivada: 45 hectares por empresa em média.
  • Tamanho médio da cultura: 2,1 hectares.
  • Plantas por metro quadro: de 1 a 4.
  • Número de ciclos por ano: 3,4.
  • Rendimento por metro quadrado, por ciclo: 180 gramas de flores secas.

A pesquisa consultou empresas que possuem licenças do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde para a produção e transformação de cannabis para fins medicinais.

Outro trecho do relatório detalha a estrutura de custo médio para o cultivo de cannabis medicinal. No topo da lista estão as remunerações dos empregados (52,1%), seguido por matérias-primas (18,2%), locações (7,2%), serviços contratados (7,1%), consumo de energia (5,8%), serviços públicos (3,5%). Também calcula a estrutura de custos da transformação da flor seca para produção de extratos e resinas. Os salários dos trabalhadores também é o maior custo aqui (48,2%), seguido por matérias-primas (15,2%), o pagamento de taxas e serviços técnicos (14,6%) e o pagamento de locações (10%).

Por fim, argumenta que o emprego gerado pela indústria é formal, enquanto 90% do emprego contratado é permanente. Por sua vez, é gerados 0,5 emprego não agrícola para cada emprego agrícola e 55% de emprego feminino, em proporção semelhante entre empregos agrícolas (54%) e não agrícolas (55%).

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia em ângulo superior de um bud de cannabis em início de formação, circundado por diversas folhas rajadas de marrom, com as outras plantas do cultivo aparecendo ao fundo. Imagem: Tim Foster | Unsplash.

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