Argentina legaliza cultivo doméstico e venda de cannabis para fins medicinais

Fotografia em plano fechado que mostra a flor de uma planta de cannabis no início de sua formação com vários pistilos de cor creme concentrados que contrastam com o verde-escuro das folhas. Imagem: Unsplash.

Na madrugada desta quinta-feira (12), o governo argentino publicou um decreto que regulamenta o autocultivo de cannabis e a comercialização de produtos à base da planta em farmácias. As informações são da Infobae

É o início do fim de um tempo em que a norma era criminalizar pacientes e cultivadores solidários. Quase quatro meses exatos se passaram desde aquele meio-dia de 15 de julho, quando o ministro da Saúde Ginés González García e sua vice, Carla Vizzotti, apresentaram os novos regulamentos da lei sobre o uso medicinal da cannabis para líderes da ciência e do ativismo. E finalmente, na madrugada desta quinta-feira (12), o Governo confirmou isso e publicou um decreto que estabelece a regulamentação do cultivo doméstico e da venda nas farmácias de óleos e cremes produzidos com esta planta cujo uso humano remonta a 10.000 anos atrás.

A notícia foi publicada à 0h de hoje no Boletim Oficial com a assinatura do presidente da nação, Alberto Fernández, cujo governo havia prometido revisar a lei 27.350, aprovada em março de 2017 e muito criticada pela comunidade de usuários, médicos, ativistas, produtores e empresários interessados ​​no crescente negócio da maconha legal, indústria em expansão em todo o mundo. “É imperativo criar uma estrutura regulatória que permita acesso e proteção oportunos, seguros e inclusivos para aqueles que precisam usar cannabis como uma ferramenta terapêutica”, diz o texto.

É uma notícia que muda o paradigma e a cena local, após anos de proibição global e total. A novidade mais importante contida neste novo regulamento é, sem dúvida, o aprimoramento do artigo 8º da lei, que inclui autorização de cultivo pessoal e em rede para usuários, pesquisadores e pacientes que se inscrevam no Programa Nacional de Cannabis (REPROCANN) e que, de acordo com o decreto assinado pelo presidente até agora, a lei deveria funcionar, mas “não está operacional”.

Um dos parágrafos mais destacados das considerações do decreto neste sentido comenta a respeito das limitações da lei votada durante o governo Macri: “Essas restrições regulatórias configuraram barreiras ao acesso oportuno à cannabis pela população e, como resposta a isso, um núcleo significativo de usuárias e usuários decidiu satisfazer sua própria demanda de óleo de cannabis através de práticas de autocultivo e com o tempo foram organizadas redes e criadas organizações civis que atualmente gozam não só de reconhecimento legal, mas também de legitimidade social”.

Desta forma, tanto as pessoas nas suas casas como as organizações canábicas — base desta luta que se arrasta há mais de uma década e não se esgota no medicinal — e as universidades poderão cultivar desde que o fim seja terapêutico.

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“A REPROCANN cadastrará, para emissão da autorização correspondente, os pacientes que acessam através do cultivo controlado a planta de cannabis e seus derivados, como tratamento medicinal, terapêutico e/ou paliativo da dor. Os pacientes poderão se registrar para obter a autorização de cultivo por si mesmos ou através de um familiar, um terceiro ou organização civil autorizada pela Autoridade de Aplicação. Poderá se inscrever no REPROCANN quem tiver indicação médica e tiver assinado o consentimento correspondente, nas condições estabelecidas pelo PROGRAMA”, diz o novo texto da lei, que também indica que as províncias poderão regular esses registros e emitir autorizações para seus cidadãos.

Os limites para o número de plantas permitidas em cada casa ou nas sedes das entidades para o cultivo “em rede” serão conhecidos posteriormente, quando o Ministério da Saúde elaborar as resoluções individuais. Em todo caso, a preocupação das autoridades da REPROCANN e da pasta sanitária não está tanto na quantidade, mas na qualidade do que esses cultivos produzem. Espera-se que das resoluções ministeriais emirja um quadro limitador da proporção de suas duas moléculas “estrelas”: o THC e o CBD, ou canabidiol.

“A ideia é controlar o produto final”, alertou um dos responsáveis. Neste ponto, o projeto também esclarece que “a proteção da confidencialidade dos dados pessoais” dos cultivadores será contemplada.

Com o novo regulamento apresentado pelo Poder Executivo nacional nesta quinta-feira, poderão entrar no circuito da legalidade todos os cultivadores solidários, famílias e grupos que, sem respostas do Estado apesar da lei e sob risco de ir para a prisão, sustentam com grande dificuldade a procura de usuários, cujo crescimento foi exponencial nos últimos três anos (principalmente idosos).

“O papel das organizações continuará a ser fundamental”, alertou Vizzotti em julho. A vice-ministra trabalhou desde fevereiro com os membros do Conselho Consultivo honorário.

Até agora, a posse de sementes e plantas, mesmo na esfera privada e para consumo pessoal ou terapêutico, era punida pela lei de drogas (23.737) com até 15 anos de prisão. Pelo menos no aspecto medicinal, este regulamento significa o fim desta injustiça.

O modelo de regulamento de 2020 permite não só a importação de produtos de cannabis medicinal, o que já era permitido, embora apenas para epilepsias refratárias e via ANMAT com um procedimento complicado, mas também a venda em farmácias autorizadas a vender e produzir “formulações magistrais”, como óleos, tinturas ou cremes. Ou seja, quem não quiser, não tiver interesse ou não puder cultivar em casa poderá obtê-lo sem dificuldades. Até agora, a maioria dos usuários que não acessa o cultivador solidário consome no mercado ilícito, sem controle da qualidade da substância.

Além disso, a nova regra vai cortar o limite imposto pelo modelo de governo de Mauricio Macri em relação às patologias habilitadas para tratamento. A partir da publicação do novo regulamento, não só os pacientes com epilepsias refratárias, mas também os demais, sejam quais forem, obterão efeitos positivos.

O Estado vai garantir atendimento gratuito para quem não tem assistência social ou assistência privada de saúde, e para quem está inscrito em programas específicos de órgãos públicos, o que já vinha acontecendo, mas com pouco sucesso, por ser exclusivamente para epilepsia refratária e por não ter sido promovido em campanhas públicas. O governo anterior mal conseguiu que menos de 300 pacientes se inscrevessem para tratamento “experimental”. De fato, no ano passado o Estado, depois de reduzir o Ministério da Saúde a uma Secretaria, reduziu o orçamento do Programa Nacional de Cannabis, ao qual destinou menos de 1.000 pesos (R$ 68,07) por dia.

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O novo regulamento inclui a promoção pública de programas de extensão universitária relacionados à cannabis medicinal, o teste de substâncias e culturas experimentais para fortalecer a pesquisa e o acesso. Também está estabelecido que a Saúde pode articular ações e firmar convênios com instituições acadêmico-científicas, organizações públicas e privadas e organizações não governamentais.

“O Estado Nacional proporcionará uma colaboração técnica que promova a produção pública de cannabis em todas as suas variedades e a sua eventual industrialização para uso medicinal, terapêutico e de investigação nos laboratórios de Produção Pública de Medicamentos. A dispensação do produto será feita no Banco Nacional de Drogas Oncológicas e/ou em farmácias autorizadas pelo Programa”, diz o regulamento. Sabe-se que, além da produção da província de Jujuy, iniciada há dois anos, existem várias províncias — inclusive a Capital Federal — que começaram a avançar em projetos de lei locais para seus laboratórios públicos.

O Ministério liderado por González García será responsável por garantir os insumos necessários para facilitar a pesquisa médica e/ou científica sobre a planta de cannabis e “promoverá e priorizará, em vista da eficiência no uso dos recursos, a produção regional e aquela realizada por meio de laboratórios públicos nucleados na Agência Nacional de Laboratórios Públicos (ANLAP)”. Nesse sentido, o Governo tira a exclusividade do INTA e do Conicet e, algo que vinha sendo reivindicado por um setor do Conselho Consultivo, abre o jogo para universidades de todo o país que até agora eram essencialmente aquelas que apoiavam as redes de acesso através do trabalho conjunto com organizações canábicas sem fins lucrativos.

Com este novo regulamento, abre-se uma nova realidade que coloca o país no futuro onde a planta da cannabis estará integrada no circuito produtivo e no comércio internacional, tanto para importação de produtos como para exportação.

A Argentina é um país que, por seu clima e solo, tem um enorme potencial em um negócio que nos Estados Unidos e Canadá oferece aos governos milhões de dólares em impostos e gera milhares de empregos. Não apenas ativistas, usuários e investidores comemoram. A regulamentação da cannabis é um passo seguro também na luta contra o tráfico de drogas e o comércio clandestino.

O caminho do uso medicinal legal não para com este regulamento assinado por Alberto Fernández. Há dias, a deputada de Entre Ríos Carolina Gaillard, da Frente de Todos, apresentou com o apoio de uma dezena de parlamentares pró-governo e de oposição um projeto de lei para substituir esta 27.350, um regulamento mais abrangente do que este novo regulamento que também prevê regulamentação do comércio de produtos terapêuticos à base de cannabis.

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#PraCegoVer: fotografia (em destaque) em plano fechado que mostra a flor de uma planta de cannabis no início de sua formação com vários pistilos de cor creme concentrados que contrastam com o verde-escuro das folhas. Imagem: Unsplash.

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