Anvisa aprova relatório que sugere manter proibição dos cigarros eletrônicos

Foto mostra a parte de baixo da face de uma pessoa, em perfil, e sua mão, enquanto segura um dispositivo vape e expele vapor, em um ambiente interno. Imagem: TBEC Review.

Os dados apresentados pela área técnica da agência sobre o tema apontam para riscos à saúde da população decorrentes do uso de cigarros eletrônicos, apesar de dispositivos serem uma alternativa eficaz de redução de danos do tabagismo

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu manter a proibição do comércio, importação e publicidade dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), popularmente conhecidos como cigarros eletrônicos ou vapes. A decisão foi tomada após votação unânime dos diretores, nesta quarta-feira (6), que aprovaram o relatório da Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre o produto.

O relatório trouxe dados coletados pela equipe técnica que acompanha processo que demonstram que o uso de cigarros eletrônicos não é útil para tratar o tabagismo, além de causar dependência e riscos à saúde, devido à presença da nicotina. O estudo também diz que não existem evidências científicas capazes de comprovar que os vapes sejam menos prejudiciais à saúde do que o cigarro carburado.

Na votação, a diretoria da Anvisa seguiu o voto de Cristiane Rose Jourdan, responsável pelo setor que regula a indústria do tabaco. Para a diretora, mesmo que houvesse apenas uma alteração “para detalhar as regras sobre os registros dos DEFs, poderia colocar em risco a saúde da população, principalmente crianças e adolescentes”.

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A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da Anvisa que proíbe os cigarros eletrônicos estava em vigor desde 2009 e agora deve ser aprimorada com ações de campanhas educativas de combate ao tabagismo e fiscalização do comércio ilegal do dispositivo.

Para elaborar a AIR apresentada na reunião desta quarta, a Anvisa fez uma Tomada Pública de Subsídios (TPS), que coletou contribuições da sociedade civil entre 6 de abril e 10 de junho.

Agora, a área técnica da agência deve elaborar o texto normativo e uma consulta pública à sociedade a respeito do tema será aberta.

O que dizem os defensores do vape como redução de danos

Enquanto isso, defensores do uso do cigarro eletrônico como redução de danos do tabagismo apontam que a reunião para análise da AIR saiu da sequência tradicional seguida pela agência em um processo regulatório.

“Normalmente seria necessário primeiro analisar todas as contribuições realizadas na TPS e informar publicamente seus resultados, de acordo com a lei de acesso à informação, realizando uma reunião para finalização do processo. É preciso saber quantas participações foram recebidas, quem as fez e quais foram aceitas ou recusadas. Somente após essa etapa é que novas ações poderiam ocorrer. É bastante improvável que a análise de tantos documentos poderia ter sido feita em tão pouco tempo”, adverte o Vapor Aqui, um grupo de defesa da redução de danos do tabagismo.

Em resposta a uma carta enviada pela empresa Philip Morris Brasil sobre a questão, a Gerência-Geral de Registro e Fiscalização de Produtos Fumígenos derivados ou não do Tabaco (GGTAB) da Anvisa declara que o prazo da TPS foi de 60 dias e os documentos foram tratados à medida que eram recebidos, deixando subentendido que não houveram muitas contribuições e as que existiram não foram feitas apenas no final do prazo do processo.

No entanto a declaração da GGTAB não condiz com os fatos, visto que as contribuições foram consideráveis, com mais de mil páginas de documentos enviadas, sendo que um grande volume foi encaminhado somente nos últimos dias da TPS.

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O Diretório de Informações para Redução dos Danos do Tabagismo (DIRETA), uma ONG sem fins lucrativos, não ligada à indústria e composta por especialistas na área da saúde, enviou no dia 9 de junho um documento contendo 78 páginas, com crítica detalhada sobre o relatório da AIR.

Em nota sobre o processo conduzido pela Anvisa, o grupo Vapor Aqui afirma ter confirmado informações de especialistas e profissionais independentes ligados à saúde que contribuíram com grande quantidade de material e o fizeram somente nos últimos dias da TPS.

De acordo com o grupo, a indústria tabagista também oficializou sua participação na TPS em data bem próxima do prazo final, com centenas de páginas de documentos técnicos e científicos.

“Resta saber por que um tema tão relevante e importante para a saúde pública brasileira está sendo tratado com tanta pressa, ficando sob responsabilidade de alguém prestes a deixar o cargo, que briga na justiça para continuar na agência e que parece querer resolvê-lo desobedecendo um processo normal, que deveria se estender além do mandato da funcionária”, questiona o grupo.

Ele se refere à diretora da Anvisa Jourdan, uma defensora do uso de cloroquina como tratamento para a Covid-19, cujo mandato termina no dia 24 deste mês.

Estudos ignorados pela Anvisa vão contra decisão tomada pela agência

A proibição nunca trouxe benefício algum à sociedade em lugar nenhum onde foi aplicada. No caso dos vapes, a regulamentação com fiscalização, controles rígidos e campanhas sobre os riscos e danos à saúde pode garantir acesso somente ao público adulto usuário e inibir o consumo por não usuários, especialmente os jovens.

Estudos ignorados pela equipe técnica da Anvisa mostram que os cigarros eletrônicos não são uma “porta de entrada” para o tagabismo, como foi dito durante a reunião que aprovou a manutenção da proibição dos vapes.

Usando dados longitudinais do estudo Avaliação Populacional de Tabaco e Saúde (PATH), pesquisadores das Universidades do Alabama e de Michigan, nos EUA, descobriram que, entre os adolescentes que nunca fumaram cigarros, aqueles que já usaram cigarros eletrônicos no início do estudo, em comparação com os que nunca usaram cigarros eletrônicos, exibiram aumentos modestos ou não significativos no tabagismo nos últimos 12 meses ou nos últimos 30 dias ao ajustar os fatores de risco comportamentais.

Outro estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade College London, mostra que a prevalência do uso de cigarros eletrônicos entre a população jovem na Inglaterra não parece estar associada a aumentos ou diminuições substanciais na prevalência do tabagismo.

Na argumentação pela manutenção da proibição dos vapes, uma funcionária da GGTAB alega que os vapes não são úteis para a cessação do tabagismo. No entanto, diversos estudos científicos como o relatório da Cochrane, uma das instituições de revisão científica de maior credibilidade no mundo, além do serviço de saúde da Nova Zelândia e do serviço de saúde da Inglaterra, contrariam essa alegação.

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Cigarros eletrônicos e vaporizadores como redução de danos

A vaporização é uma alternativa muito menos prejudicial aos cigarros.

Um cigarro industrializado libera mais de 7.000 substâncias químicas quando é queimado, incluindo acetona, amônia, arsênico, formaldeído, chumbo e benzeno. O uso de cigarros está associado a câncer, doenças cardíacas, doenças pulmonares, diabetes e outras doenças crônicas.

Os cigarros eletrônicos e vapes liberam nicotina sem esses efeitos nocivos. A Organização Mundial da Saúde estimou que o uso do tabaco é responsável por 16% de todas as mortes de adultos com mais de 30 anos na Europa. A vaporização pode reduzir o número de mortes, pois provou ser 95% menos prejudicial do que o tabagismo convencional.

No entanto, os médicos precisam de mais informações para conversar com os pacientes sobre os cigarros eletrônicos como ferramenta terapêutica para parar de fumar, de acordo com um novo estudo publicado na JAMA Network Open.

A pesquisa entrevistou 2.058 médicos dos EUA entre 2018 e 2019 e descobriu que mais de 60% acreditavam incorretamente que todos os produtos do tabaco são igualmente prejudiciais.

“À medida que crescem as evidências mostrando que os cigarros eletrônicos são potencialmente eficazes para a cessação do tabagismo, eles podem desempenhar um papel fundamental na redução do uso de cigarros e, posteriormente, nas doenças causadas pelo tabaco”, disse o autor do estudo Michael Steinberg, da Escola de Medicina Robert Wood Johnson da Universidade Rutgers, em um comunicado.

Em vez de queimar tabaco, os cigarros eletrônicos usam um líquido aquecido contendo nicotina.

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Muitas pessoas perguntam aos seus médicos sobre como usá-los como alternativa aos cigarros de tabaco ou como forma de ajudá-los a parar de fumar. Quase 70% dos médicos relataram que os pacientes perguntaram sobre cigarros eletrônicos e um terço disse que foram questionados nos últimos 30 dias.

“Essas descobertas mostram que é fundamental abordar as percepções errôneas dos médicos e educá-los sobre a eficácia dos cigarros eletrônicos, particularmente corrigindo suas percepções errôneas de que todos os produtos do tabaco são igualmente prejudiciais, em oposição ao fato de que o tabaco queimado é de longe o mais perigoso”, disse a principal autora do estudo Cristine Delnevo, diretora do Centro de Estudos sobre Tabaco da Rutgers.

Em fevereiro deste ano, o Parlamento da União Europeia adotou, por uma margem de 652 votos a 15, um relatório sobre prevenção e tratamento do câncer que reconhece a contribuição potencial dos produtos vape para a cessação do tabagismo. O relatório observa que “os cigarros eletrônicos podem permitir que alguns fumantes parem de fumar progressivamente”.

Dito isso, um estudo recente da Universidade Queen Mary de Londres, publicado em maio na Nature Medicine, mostra que os cigarros eletrônicos são tão seguros quanto os adesivos de nicotina e não representam maiores riscos à saúde de mulheres grávidas que desejam parar de fumar, ou à saúde de seus bebês.

Os pesquisadores descobriram ainda que o grupo de gestantes que fizeram uso do cigarro eletrônico teve melhores taxas comprovadas de abandono do tabagismo no final da gravidez do que o grupo do adesivo de nicotina.

“Embora seja melhor que as fumantes grávidas parem de fumar sem continuar usando nicotina, se isso for difícil, os cigarros eletrônicos podem ajudar as fumantes a parar de fumar e são tão seguros quanto adesivos de nicotina”, disse o professor Peter Hajek, diretor da Unidade de Pesquisa em Saúde e Estilo de Vida da Universidade Queen Mary e um dos autores do estudo. “Muitos serviços para parar de fumar já estão usando os cigarros eletrônicos como uma opção para os fumantes em geral. Esse uso agora pode ser adotado também em serviços para parar de fumar para mulheres grávidas.”

As descobertas do estudo fornecem alguma garantia de que, para mulheres grávidas que não conseguem parar de fumar sem ajuda, “os cigarros eletrônicos não parecem representar mais risco para os resultados do parto avaliados neste estudo do que os adesivos de nicotina e podem reduzir a incidência de baixo peso ao nascer”.

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#PraTodosVerem: foto mostra a parte de baixo da face de uma pessoa, em perfil, e sua mão, enquanto segura um dispositivo vape e expele vapor, em um ambiente interno. Imagem: TBEC Review.

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