A indústria da cannabis pode ser um agente de justiça social ou é apenas mais um grande negócio?

Fotografia que mostra a cola (infrutescência) de uma planta de cannabis, com tricomas cor creme e folhas serrilhadas, e diversas outras plantas em um cultivo interno. Foto: greenserenityca | Unsplash.

A legalização da maconha não significa apenas a largada para a corrida do ouro, mas também uma oportunidade de reparação social. Saiba mais na reportagem de Donna M. Owens para o Washington Post

Jason White criou impressionantes campanhas de publicidade e marketing para a Nike e a Disney, a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, para citar algumas. Mas quando o ex-aluno da Universidade de Georgetown disse a seus pais que ele estava saindo do Beats by Dre, de propriedade da Apple, para ir para a indústria da cannabis, o anúncio foi um baque. “O que eles ouviram foi: ‘Você vai vender maconha’”, disse o homem de 44 anos, rindo.

White é agora diretor de marketing da Curaleaf Holdings Inc., que afirma ser a maior fornecedora mundial (em receita) de cannabis legal para fins medicinais e uso adulto. Enquanto alguns comparam a maconha legal com a corrida do ouro, White — que é afro-americano e cubano — fala em reparar comunidades prejudicadas pela guerra contra as drogas. “Alguns são muito cautelosos com a cannabis, pois viram pessoas presas e seus direitos de voto retirados”, diz ele. “Mas como a cannabis se tornou mais popular, outros não veem mal, mas oportunidade. Quero usar esta plataforma para ajudar a melhorar a sociedade”.

Entrevistei White pela primeira vez em um hotel de Baltimore em fevereiro de 2020. A Curaleaf tem dispensários em Maryland, e sua equipe veio do escritório da empresa em Los Angeles. Com suas maneiras graciosas e uma aparência “clean”, ele é um embaixador saudável da Cannabis sativa, a planta da maconha. As culturas indígenas usavam a cannabis para cura e rituais espirituais, disse-me White, até que ela se tornou criminalizada em meio a uma “longa história de opressão”.

A proibição da maconha está arraigada no racismo: a legalização é um passo para a justiça racial

Os EUA é o maior mercado de cannabis do mundo, mas o uso, posse ou venda de maconha em certas quantidades permanece ilegal segundo a lei federal. Ainda assim, as leis estaduais estão mudando, segundo dados da Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais. Seguindo as medidas eleitorais em novembro, a cannabis será legal para uso adulto em 15 estados e Washington D.C. O uso médico será permitido em 36 estados.

Para alguns, a ironia de a maconha se tornar um grande negócio é cruel. Décadas de prisões e sentenças díspares por delitos de drogas devastaram as comunidades preta e parda. “Enquanto muitas grandes empresas estão ganhando milhões, muitas pessoas continuam presas por causa da classificação histórica da planta como uma droga de Categoria 1, nos mesmos estados onde o uso adulto é legal”, disse Stormy Simon, diretora executiva do conselho da Mission Green, que faz parte do Projeto Weldon — uma organização sem fins lucrativos que pressiona pela libertação daqueles que foram encarcerados por crimes não violentos relacionados à maconha. Parece-lhe hipócrita os dispensários de cannabis terem sido considerados operações “essenciais” em meio à pandemia em algumas jurisdições, enquanto a droga continua ilegal em outras.

No dia do nosso encontro no hotel, White e sua equipe me convidaram para o que se poderia chamar de uma clínica jurídica “pop up” em West Baltimore. O evento foi patrocinado pela Curaleaf e Possible Plan; a última é uma organização sem fins lucrativos que White cofundou para ajudar a financiar organizações que lutam pela justiça reparatória e o acesso equitativo.

Quase 200 pessoas passaram pelo Liberty Rec and Tech Center para serviços jurídicos gratuitos. Os advogados pro bono Tonya e David Baña aconselharam clientes enquanto seus cachorros cochilavam. Funcionários do Gabinete do Procurador da cidade de Baltimore ofereceram panfletos informativos. Os organizadores comunitários e o então prefeito de Baltimore, Bernard C. “Jack” Young, pararam para expressar seu apoio. “É sempre gratificante ajudar as pessoas a reconstruir suas vidas”, disse Anthony P. Ashton, na época vice-presidente (agora presidente) do conselho do Serviço de Advogados Voluntários de Maryland. Posteriormente, White postou no Instagram: “Mais de 500 acusações serão eliminadas. Isso significa que as pessoas têm uma nova chance de vida”.

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Mesmo assim, alguns são céticos quanto aos motivos altruístas da indústria da cannabis. Kevin Sabet é um ex-conselheiro sênior de políticas de drogas no governo Obama. Ele e o ex-congressista Patrick Kennedy (filho do falecido Ted Kennedy) cofundaram o Smart Approaches to Marijuana (SAM) em 2013. “A legalização da maconha não atendeu às comunidades de cor. Prisões desproporcionais e taxas de encarceramento constantes persistem em estados legais”, diz Sabet, que atua como presidente do SAM. A política sem fins lucrativos favorece a descriminalização em vez da legalização. “Podemos ir muito mais longe referindo as pessoas a programas de trabalho, tratamento e intervenção”, diz ele. O relatório 2020–2021 do SAM, “Lições aprendidas com a legalização da maconha nos estados”, observa que as lojas de maconha estão localizadas desproporcionalmente em bairros de baixa renda ou comunidades negras.

Will Jones, um associado do SAM, mora em uma comunidade onde as lojas estão repletas de anúncios de cigarro e álcool. “Essas mesmas indústrias investiram bilhões” em cannabis, ressalta. “Eles continuarão com suas práticas de exploração em comunidades negras com maconha. Isso não é justiça social”.

Outros, no entanto, veem um papel mais positivo para a indústria da maconha. Brittany K. Barnett, advogada e cofundadora do Projeto Buried Alive, que defende a reforma da justiça, quer ver ações “ousadas e corajosas” das empresas de cannabis e legislação em nível federal. “Justiça pela maconha”, diz ela, “significa todos terem a capacidade de alcançar equidade econômica, equidade na saúde e equidade social em geral”.

No início de dezembro, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou o Ato de Oportunidades, Reinvestimento e Expurgação da Maconha (MORE). Entre outras coisas, o projeto retiraria a maconha da lista de substâncias controladas. Seu destino no Senado pode estar garantido com o novo 117º Congresso.

White acredita que a cannabis e a própria indústria podem oferecer benefícios sociais — seja para veteranos com TEPT ou oportunidades empresariais para pessoas de cor. “Um dia”, diz ele, “vamos aprender como cultura e sociedade a usar esta planta. Não consumi-la em excesso. Usa-la com respeito”.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra a cola (infrutescência) de uma planta de cannabis, com tricomas cor creme e folhas serrilhadas, e diversas outras plantas em um cultivo interno. Foto: greenserenityca | Unsplash.

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