A batalha para legalizar a maconha na Espanha

Fotografia das mãos de uma pessoa (usando aliança), no lado direito da foto, manuseando uma flor de maconha de cor verde escuro que está sendo cultivada junto a outros pés de cannabis e um fundo desfocado com mais plantas.

A Espanha possui algumas das equipes de pesquisas em cannabis mais ativas do mundo. Porém, o governo não demonstra qualquer disposição em regulamentar a planta. Curiosamente, o dono da maior empresa de cultivo e processamento de papoula do mundo é o único autorizado a cultivar maconha no país. Saiba mais na reportagem do El País, com tradução Smoke Buddies.

Como Bill Clinton, a maioria das pessoas já fumou um baseado. E talvez como Barack Obama, elas até tragaram. Afinal, a cannabis existe há mais de 4.000 anos e prospera em todo o planeta. Foi usada para fins medicinais até meados do século XX. E em 1961, foi considerada pela Convenção Única sobre Entorpecentes das Nações Unidas como tão perigosa quanto a heroína.

Cerca de 113 canabinoides foram identificados em uma planta de cannabis. Esta é composta por uma centena de substâncias diferentes, a maioria das quais ainda não foi colocada sob o microscópio. Décadas de estigmatização significam que a planta recebeu pouca pesquisa, ao contrário dos opiáceos, que foram fortemente estudados e cujo uso medicinal nos EUA levou a uma miríade de vícios e 60.000 mortes por ano – mais do que o número de baixas nos EUA, na guerra do Vietnã.

Paradoxalmente, a Espanha tem algumas das equipes de pesquisa mais ativas do mundo que investigam a cannabis, embora ainda seja ilegal para fins medicinais e recreativos. Nem o atual governo do Partido Socialista (PSOE), o primeiro-ministro Pedro Sánchez, ou qualquer um de seus predecessores demonstraram a menor inclinação para regulamentar a droga. Nem nunca houve pressão significativa sobre os políticos para fazê-lo, seja dentro ou fora do parlamento. Uma comissão parlamentar pelo status legal da droga, apoiada pelo partido anti-austeridade Podemos e pelo centro-direitista Cuidadanos, nunca saiu do papel no Congresso. Enquanto isso, as propriedades medicinais da cannabis estão sendo reconhecidas internacionalmente e há uma mudança inegável na forma como ela é percebida.

Embora a maconha ainda não tenha sido rigorosamente pesquisada, graças ao químico israelense Raphael Mechoulam, sabemos que ela tem duas propriedades ativas principais – o THC, que é responsável pela “alta”, e o CBD, que é responsável pelo alívio medicinal da dor. “O equilíbrio entre os dois é fundamental para a sensação de bem-estar do consumidor. É isso que evita um episódio psicótico, que é o aspecto mais arriscado da cannabis, já que não há perigo de morte por overdose como há com a morfina”, diz Manuel Guzmán, professor de Bioquímica da Universidade Complutense de Madri e um dos maiores especialistas em cannabis.

“Quando você consome, precisa saber o que está tomando, que variedade, em que quantidade e estar ciente de onde ela veio e quais efeitos colaterais ela pode ter. E tudo isso vem com regulamentação rigorosa – com um produto padrão que é seguro, controlado, bem embalado e rotulado, e de qualidade farmacêutica. […] O consumo de cannabis é a mais frequentemente violação da lei em nosso país. A pessoa que recebe no mercado negro e não sabe o que está consumindo está assumindo um grande risco. Quero dizer pacientes – as 120.000 pessoas na Espanha com esclerose múltipla, epilepsia, câncer e dor crônica que se automedicam, para não mencionar os milhares que gostariam de fazê-lo. Eles precisam do melhor, mas estão sendo negados, enquanto as prescrições de opiáceos, que matam, estão sendo distribuídas”.

A crescente legalização da cannabis (é legal no Canadá e em 33 estados dos EUA e é cada vez mais usada para fins terapêuticos em países da UE como Itália, Portugal e Alemanha) deu origem a uma poderosa indústria internacional que deverá gerar US$ 55 bilhões em 2025 – mais de US$ 5 milhões serão na Espanha.

Naturalmente, esse potencial não passou despercebido aos investidores e, nos últimos cinco anos, a cannabis deixou de lado suas associações com os hippies e agora está listada na bolsa de valores com ações avaliadas acima de muitas das empresas do Ibex 35 da Espanha. As grandes empresas de distribuição, alimentos, bebidas, tabaco, software farmacêutico, biotecnologia e fertilizantes – da Coca-Cola e da Pernod, até a Philip Morris – estão disputando posições para conseguir uma fatia do bolo.

Ninguém quer perder o que está sendo chamado de “a corrida verde”. Não se trata de revendedores mal-humorados em praças locais que vendem haxixe que foi contrabandeado através das fronteiras. É o advento de um novo setor econômico abrangente, englobando usos medicinais e recreativos, que tem 75 milhões de consumidores legais – a ONU estima que existam mais de 200 milhões de consumidores no total – e está começando a aproveitar a expertise de geneticistas, químicos, operadores logísticos, contadores, advogados, lobistas e investidores.

Fotografia de Manuel Guzmán, vestindo uma camisa de manga longa de cor escura, com os braços cruzados e sentado atrás de um balcão metálico, onde pode-se ver diversos frascos de produtos químicos; ao fundo, vemos prateleiras repletas de itens de laboratório. Cannabis.

#PraCegoVer: fotografia de Manuel Guzmán, vestindo uma camisa de manga longa de cor escura, com os braços cruzados e sentado atrás de um balcão metálico, onde pode-se ver diversos frascos de produtos químicos; ao fundo, vemos prateleiras repletas de itens de laboratório. Créditos: Carlos Spottorno.

Oportunidade abunda. Para começar, a demanda precisa ser atendida e as equipes de gerenciamento e os profissionais precisam estar equipados com habilidades em relação a tudo, desde o cultivo até a distribuição. Os investidores acreditam que será a maior novidade nos mercados desde que a gigante de compras on-line Amazon entrou em cena.

Essa reviravolta foi amplamente ajudada pela legalização da cannabis no Canadá em outubro de 2018. O Canadá é o primeiro país a legalizar seu uso medicinal e recreativo desde que o Uruguai o fez em 2013. A diferença é que o Canadá é um ícone do pensamento progressista. Também tem um dos maiores PIBs do mundo e pertence ao G8. Dos 37 milhões de pessoas que vivem lá, cinco milhões consomem maconha e a indústria já está gerando quase US$ 7 bilhões. Em comparação ao Uruguai, seu modelo regulatório está mais focado em negócios e receita tributária. Este modelo também está sendo usado nos EUA, onde a cannabis para fins medicinais é legal em 33 estados com mais 10, incluindo Washington DC, tornando-a legal também para fins recreativos. Hoje, a indústria da cannabis emprega 160.000 pessoas nos Estados Unidos.

Fotografia de Pablo Iglesias, líder do partido Podemos, sentado numa cadeira de madeira (posicionada de lado para a câmera) e segurando um de seus braços, com as pernas cruzadas e com a mão no queixo, enquanto olha para câmera; ao fundo, pode-se ver uma parede de madeira. Cannabis.

#PraCegoVer: fotografia de Pablo Iglesias, líder do partido Podemos, sentado numa cadeira de madeira (posicionada de lado para a câmera) e segurando um de seus braços, com as pernas cruzadas e com a mão no queixo, enquanto olha para câmera; ao fundo, pode-se ver uma parede de madeira. Créditos: Carlos Spottorno.

O Canadá não perdeu tempo na criação de uma indústria baseada na abordagem da Noruega ao petróleo. “É sobre perícia e patentes – já existem 600 neste negócio”, diz Eduardo Muñoz, professor de Imunologia e fundador da VivaCell, uma pequena empresa de biotecnologia que pesquisa o potencial farmacêutico da cannabis em doenças degenerativas, que foi comprada por Emerald, uma multinacional canadense de cannabis.

No espaço de cinco anos, o Canadá acumulou 20 corporações que cobrem todos os aspectos do negócio, desde o científico ao empacotamento do extrato purificado em cápsulas ou flores e sua posterior distribuição através de farmácias, clubes ou páginas da web.

E tudo isto nas mãos de um punhado de multinacionais – os novos oligopólios que criam novas variedades botânicas, que são rigorosamente registradas, estando sujeitas à espionagem industrial. Essas empresas adquirem a maconha colhida de fazendas na Colômbia, Malta, Grécia, Síria e Portugal, Andaluzia e Múrcia, sem mencionar a China, que tem plantações do tamanho de 10.000 campos de futebol. Eles também estão se preparando para a legalização para uso recreativo em outros países, já que o mercado medicinal é responsável por apenas um terço do total.

A cannabis está destinada a tornar-se o negócio do século e as indústrias do tabaco e do álcool ajudarão que isso aconteça fornecendo os canais de distribuição, bem como a perícia de marketing e publicidade, as ferramentas de design e o know-how quando se trata de pressionar os políticos.

A Espanha, no entanto, está sendo deixada à margem. “Poderíamos ter a principal plantação da Europa aqui e ser a Califórnia do sul”, diz Pedro Pérez, presidente da associação de cannabis La Santa, em Madri, que teve vários desentendimentos com a polícia, principalmente depois que a Suprema Corte e a o Tribunal Constitucional aprovaram uma série de leis entre 2015 e 2018 que visavam acabar com associações de consumidores de cannabis. “Nós sabemos como fazer isso, temos o sol, a tradição e os melhores bancos de sementes e nossas associações deram o exemplo, com apoio implícito para a regulamentação responsável, mas estamos presos à proibição. Pode ser uma oportunidade perdida”.

Fotografia em primeiro plano e perfil de uma pessoa que está vestindo jaleco verde-claro, luvas azuis e touca branca e segurando um rato pela cauda sobre uma caixa transparente, onde vemos outro rato.

#PraCegoVer: fotografia em primeiro plano e perfil de uma pessoa que está vestindo jaleco verde-claro, luvas azuis e touca branca e segurando um rato pela cauda sobre uma caixa transparente, onde vemos outro rato. Créditos: Carlos Spottorno.

A mais poderosa empresa global de cannabis é a Canopy, fundada no Canadá em 2014, que agora tem um valor de mercado de quase US$ 17 bilhões. Seu principal acionista é a empresa de bebidas norte-americana Constellation. Agora, a Canopy tem um monopólio na UE com uma série de acordos e aquisições na Espanha, Alemanha, Dinamarca e República Tcheca. Depois da Canopy, vem a Tilray com links para a empresa farmacêutica Novartis e ações detidas pela maior cervejaria do mundo, a Anheuser-Busch InBev. Depois, há a Aurora Cannabis, líder na produção de maconha, com 500 toneladas colhidas por ano, seguida pela Cronos, que tem ações detidas pela Altria, dona da Marlboro. Atrás vem outra dúzia de empresas, nenhuma avaliada em menos de US$ 1 bilhão.

Os produtos oferecidos estão muito longe do que associamos à cultura estabelecida da erva. Esta é uma nova geração de produtos fabricados em laboratório – o resultado da engenharia genética de culturas, com plantas cruzadas de todo o mundo para criar híbridas resistentes, produtivas e potentes com o melhor cheiro e sabor. Elas são então patenteadas. Algumas são projetadas para ter níveis de THC altos o suficiente para explodir sua cabeça e outras com níveis de CBD que são verdadeiros socos terapêuticos.

Agora, em vez de hippies de dedos verdes trabalhando fora do sistema, temos uma nova espécie de profissionais – os chamados “breeders”. Eles são cortejados por oligarcas industriais e generosamente recompensados ​​por seus esforços. Os breeders produzem cannabis de acordo com a demanda do mercado – seja um produto básico e barato para o público em geral ou uma variedade gourmet para o apreciador.

“Estou tentando ser a [renomada vinícola] Vega Sicilia da maconha”, diz o produtor Sergio González, chefe da associação canábica Nuestra Señora del Agua, em Zaragoza, e presidente da plataforma Regulamentação Responsável, inspirado pelo advogado de Madri Bernardo Soriano, que é lobista pela legalização da cannabis.

Sergio González tem 35 anos e tem uma barba estilo Rasputin. Ele estudou telecomunicações e trabalhou na Google e cultiva cannabis desde os 17 anos. Cercado por dezenas de novas variedades, ele fuma rosin, um dos mais puros extratos de cannabis que tem uma concentração de 80% de THC, suficiente para um elefante. Ele mesmo o produz. “Eu tenho um perfil de negócios”, diz ele. “E estou trabalhando para tornar esse profissional. Quando se trata de regulação, temos um know-how na Espanha que ninguém mais possui. Nós viemos de uma área onde isso é ilegal, mas somos indispensáveis ​​[…] porque as empresas de maconha precisam responder a uma demanda que está escapando e elas não sabem como fazê-lo”.

“A mesma coisa vai acontecer aqui, como aconteceu com empresas de tecnologia e hackers, que não tinham treinamento formal, mas tinham interesse, paixão e conhecimento prático e conheciam todos os truques”, acrescenta. “E no final, a Telefónica [empresa de telecomunicações espanhola] e outras multinacionais tiveram que contratar seus velhos inimigos por muito dinheiro. O mesmo está acontecendo com nossos bancos de sementes em Barcelona ou Málaga, com 20 produtores como a Positronics Seeds ou a CBD Crew saindo do limbo legal para um volume de negócios entre 10 e 20 milhões de euros e representando um terço do mercado global de sementes. A Espanha poderia se tornar a estufa do mundo”.

Futuro da maconha na Espanha

“Noventa por cento do que é vendido nas cafeterias na Holanda vem de Granada, Almería, Murcia e Catalunha. E o que é vendido no Uruguai é desenvolvido aqui. E na Alemanha, onde não há capacidade de produção, eles estão esperando pela nossa maconha. Há vastas plantações ilegais na Espanha, de uma dúzia de hectares em Teruel a 25.000 a 30.000 plantas em encostas e em armazéns abandonados. Há pessoas que têm suas contas de aluguel e eletricidade pagas em troca de cultivo. O negócio está aqui, mas temos que nos apressar porque o problema será que as empresas farmacêuticas o consigam. Temos que estabelecer um modelo econômico social na Espanha que beneficie a todos, não apenas a Wall Street”.

Então, como devemos regular a cannabis na Espanha? Devemos fazer dos direitos civis nosso ponto de referência ou torná-lo puramente uma proposta de negócios? De olho na receita tributária do setor, um relatório de David Pere Martínez Oró, coordenador da Unidade de Políticas sobre Drogas da Universidade Autônoma de Barcelona, ​​estima que a Espanha poderia arrecadar 3,3 bilhões de euros em impostos e pagamentos para a previdência social da indústria de cannabis – mais do que o orçamento da saúde da região de Castilla-La Mancha.

Embora o Podemos seja o único partido político a favor da regulação medicinal e recreativa, seu líder Pablo Iglesias não será visto fumando um baseado tão cedo, embora admita ter feito isso quando estudante. “Não me fez sentir bem”, diz ele. “Eu prefiro um par de cervejas. Mas eu não tenho orgulho disso. As pessoas que preferem o álcool não têm lições para ensinar aqueles que preferem a maconha. Fumar um baseado é como ir a um bar e tomar uma bebida. É a mesma coisa”.

Curiosamente, Iglesias está mais focado nos argumentos econômicos em favor da legalização. “Não tenho dúvidas de que será regulamentado, especialmente se conseguirmos ter um governo conjunto com Pedro Sánchez depois das eleições”, diz ele, em referência à eleição geral antecipada convocada para 28 de abril. “É um assunto entre partidos. Isso também pode incluir o Cuidadanos. Legalização para fins medicinais é justiça. O problema agora é se o fazemos antes de outros países. Nós temos que fazer isso agora! Se estivermos prontos, a Espanha poderá receber enormes receitas operacionais e tributárias. Esse dinheiro seria retirado dos traficantes. E permitiria que a polícia se concentrasse em outras coisas. A Espanha pode se tornar o Canadá da Europa – uma referência. E conseguir isso pode ser benéfico para todos, não apenas para quatro milionários farmacêuticos”.

O atual governo, com Sánchez no comando, parece não ter a questão tão clara quanto Iglesias. De fato, a legalização não apareceu em seus planos. Quando perguntado pelo Cuidadanos sobre a perspectiva de legalização para fins medicinais no parlamento recentemente, o governo respondeu que a evidência científica era insuficiente e que estavam aguardando uma conclusão da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o assunto.

Nada foi dito sobre regulamentação recreativa. E em relação ao uso medicinal, o governo manteve a visão negativa da Agência Espanhola de Medicamentos (AEMPS) – uma das entidades menos transparentes da administração – que é contra o uso terapêutico prescrito de cannabis na forma de flores ou extratos. Isto não é o mesmo que a meia dúzia de medicamentos à base de cannabis, dos quais apenas um – o Sativex – foi aprovado na Espanha. É usado por pessoas com esclerose múltipla e é produzido pela multinacional britânica GW Pharma, com um custo de mais de US$ 30.000 por ano por paciente.

Com uma equipe de 600 funcionários, a AEMPS pode ser encontrada em um prédio anônimo nos arredores de Madri. A pessoa responsável é a farmacêutica María Jesús Lamas. “Nosso trabalho é determinar a relação benefício/risco de cada novo medicamento que recebemos para exame, o que significa decidir se os benefícios superam os efeitos colaterais”, diz ela. “Nenhum dos principais ingredientes ativos da cannabis mostrou, em testes clínicos, ser melhor do que suas contrapartes farmacêuticas. Mais ensaios são necessários. Cannabis não tem provas científicas. E não tem a qualidade, salvaguardas ou eficácia necessárias”.

Quando lembramos que a Alemanha regulamentou a cannabis para fins medicinais há um ano, Lamas respondeu: “Eles podem fazer o que gostam. Mas sua eficácia não foi avaliada objetiva, mensurável, quantificável e de qualquer maneira que possa ser reproduzida. Algo que faz você se sentir melhor não precisa necessariamente ser um remédio. […] Não há evidências científicas que justifiquem tornar a cannabis um remédio. Nós somos um corpo técnico. O governo no poder é quem decide ”.

Fim da história. A reunião acabou. Mas o paradoxo é que enquanto a AEMPS desaprova o uso medicinal da cannabis, em outubro de 2016, autorizou o cultivo de cannabis a ser exportado para uso terapêutico para uma empresa espanhola com uma longa história de produção de opiáceos para produtos farmacêuticos. É a maior empresa de cultivo de papoula do mundo, que transforma a flor em produtos derivados do ópio. Sua presença no setor de cannabis é significativa. Começou em 1934, apenas importando e transformando o ópio, mas em 1973 tornou-se uma empresa abrangente, gerenciando tudo, desde o cultivo até a distribuição do produto final. Hoje, produz um terço da morfina do mundo. Chama-se Alcaliber e o milionário Juan Abelló estava por trás de seu sucesso.

Aos 78 anos, Abelló não dá entrevistas. Mas o presidente da empresa, José Antonio de la Puente, concorda em falar. De la Puente é um advogado financeiro e, ostentando um terno imaculado sob medida, sua abordagem é polida e profissional.

Alcaliber não pertence mais a Abelló. Está agora nas mãos do fundo de investimento britânico GHO Capital, que funciona nas Ilhas Cayman e é especializado em investimentos farmacêuticos. No entanto, no dia em que vendeu Alcaliber à GHO Capital, Abelló fundou a Linneo Health, proprietária da única licença emitida pela AEMPS para cultivar e produzir cannabis na Espanha; uma verdadeira mina de ouro.

Fotografia de quatro tubos transparentes contendo baseados com tampas e suporte onde estão de madeira, identificados com etiquetas brancas, sobre uma superfície de madeira e com um fundo desfocado.

#PraCegoVer: fotografia de quatro tubos transparentes contendo baseados com tampas e suporte onde estão de madeira, identificados com etiquetas brancas, sobre uma superfície de madeira e com um fundo desfocado. Créditos: Carlos Spottorno.

Em setembro de 2017, já havia chegado a um acordo com a multinacional canadense Canopy para suprir três anos com matéria-prima e um extrato do principal ingrediente ativo para uso farmacêutico. “Esta é uma evolução natural para a nossa empresa; é outra linha de negócios”, explica De la Puente. “Sempre fornecemos a grandes laboratórios. Nós exportamos mais de 90%. Somos a empresa de opiáceos mais importante a nível mundial e agora vamos conseguir o mesmo com a cannabis. O desafio que enfrentamos é transformar esta planta com suas propriedades farmacêuticas em um padrão para a indústria, destinado à Alemanha, Canadá e EUA; e no futuro, colocar esses extratos em spray ou cápsula, nós mesmos – desenvolvendo diferentes variedades e controlando todo o processo ”.

O mistério é como a Linneo Health conseguiu obter uma licença para cultivar cannabis na Espanha da Agência de Medicamentos, quando mais de 100 candidatos foram recusados ​​nos últimos dois ou três anos e empresas como a Phytoplant foram colocadas em uma lista de espera.

“Somos uma empresa farmacêutica industrial, não uma empresa agrícola, e há muitas delas no setor”, diz De la Puente. “Somos uma empresa industrial que tem plantações. Já temos uma estufa do tamanho de oito campos de futebol. Mas para ser um jogador neste negócio, você precisa de uma qualidade extremamente boa. E nós temos isso. É um negócio muito regulamentado, muito discreto, porque você está trabalhando com um produto atípico. Nós temos a experiência e nós temos as equipes. E nós sabemos como fazê-lo, aplicando critérios farmacêuticos de alta qualidade, aprovados pelas Boas Práticas de Fabricação. Estamos cinco anos à frente de nossos concorrentes. Estamos jogando em uma liga diferente”.

Fotografia de Sergio González, vestindo uma camisa xadrez sobre uma camiseta preta com estampa, em pé atrás de um balcão de madeira, enquanto segura um pequeno bong e expele fumaça, ao lado de um rapaz que o observa sorridente; ao fundo, pode-se ver uma estante com vários bongs e outros itens.

#PraCegoVer: fotografia de Sergio González, vestindo uma camisa xadrez sobre uma camiseta preta com estampa, em pé atrás de um balcão de madeira, enquanto segura um pequeno bong e expele fumaça, ao lado de um rapaz que o observa sorridente; ao fundo, pode-se ver uma estante com vários bongs e outros itens. Créditos: Carlos Spottorno.

Em março de 2018, a Linneo Health recebeu 1.500 clones da Canopy. Chegaram em contêineres discretos com luz e temperatura reguladas. A empresa teve sua primeira colheita e está agora em processo de extração e purificação em sua fábrica em Toledo, na região central da Espanha. “No final deste ano, estaremos prontos para oferecer ao nosso cliente um produto válido e padronizado. A melhor cannabis”, diz De la Puente.

O cliente da Linneo Health não é exatamente a Canopy, mas uma ramificação alemã chamada Spektrum que distribui cannabis medicinal. Nos próximos três anos, a Linneo Health aprenderá o negócio e a Alemanha fornecerá um mercado subsidiado pelo orçamento de saúde do estado com um número estimado de um milhão de consumidores por ano. A Alemanha estabeleceu uma Agência de Cannabis que seleciona empresas para cultivar a planta sob diretrizes rígidas. E de acordo com o diretor, Werner Knöss, a agência também irá monitorar o processo de cultivo, bem como a produção, colheita, controle de qualidade, embalagem e distribuição. “Somente a cannabis de qualidade farmacêutica pode ser fornecida para as farmácias”, diz ele.

Carola Pérez tem 40 anos e tem um triângulo de cicatrizes nas costas como resultado de 13 operações. Ela vive com dores desde criança e, em certo momento, era viciada em morfina. Agora ela é a presidente do Observatório Espanhol de Cannabis Medicinal e diretora da Associação Dosemociones para usuários de maconha para fins terapêuticos. Ela cultiva cannabis e consegue dormir graças ao THC. Ela é um ícone da regulamentação medicinal na Espanha e é frequentemente comparada a Pedro Zerolo, que fez campanha por casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Lutando ao lado dela está Araceli Manjón-Cabeza, professora de direito penal e diretora do 21st Century Drugs, na Universidade Complutense de Madri.

“A torta será dividida entre as grandes corporações”, diz Pérez. “E aqueles que têm cultivado ilegalmente, que criaram novas variedades e que foram presos por causa disso, provavelmente serão excluídos. O lobby farmacêutico tem muito poder. E o lobby da cannabis não tem sido nem profissional nem político. Neste momento estamos focados na Regulamentação Responsável. E o próximo governo terá que ouvir. Isso não é frívolo. Não é sobre ficar chapado. É uma questão de sobrevivência”.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) das mãos de uma pessoa (usando aliança), no lado direito da foto, manuseando uma flor de maconha de cor verde escuro que está sendo cultivada junto a outros pés de cannabis e um fundo desfocado com mais plantas.

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