‘Tem que continuar a repressão’, diz ministro da Justiça sobre usuário de droga

Responsável pela política sobre entorpecentes no país, Torquato Jardim defende que consumo continue sendo crime e que o Brasil retroceda ainda mais e siga na contramão da tendência mundial de descriminalização do uso de drogas. Saiba mais sobre o que pensa o ministro na entrevista para O Globo.

BRASÍLIA – Contrário à descriminalização de maconha, favorável à internação em casos graves e defensor das comunidades terapêuticas, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, condena o “maniqueísmo” do debate sobre drogas no Brasil. Desde que parte significativa de sua pasta foi absorvida pelo novo Ministério da Segurança Pública, sobrou espaço para se dedicar à política nacional sobre entorpecentes, que teve suas bases aprovadas recentemente em resolução assinada por ele. Em entrevista ao GLOBO, Torquato anuncia ações futuras, como a realização de uma campanha em junho, e se posiciona sobre as principais controvérsias em torno do tema.

Qual é a política do governo em relação às drogas?

O que eu encontrei foi um maniqueísmo pró e contra a intervenção do Estado, pró e contra a legalização. Sou contra os dois polos. Há uma política nacional a ser pensada, sem partidarismo, sem sectarismo, sem ideologia. Temos que conjugar todos os esforços harmonizáveis para combater a questão da droga. Se é internação compulsória, se é redução de danos, se é comunidade terapêutica, eu não entro nesse debate. Meu jargão não é o deles.

E qual será o foco da política de atendimento?

Minha preocupação é harmonizar os diversos métodos de recuperação porque não posso crer que a sociedade queira a liberdade total de uso, como alguns pretendem. Mas acho que esse confronto intelectual não cabe dentro da administração pública. O Estado tem que agir para preservar a vida. Há dependentes que não reagem com outros métodos de tratamento, com apoio psicológico e psiquiátrico, apoio da família, com terapia, redução de danos, porque algo falhou. Então, ao invés de morrer, interna. Qual o período? O médico é que vai dizer.

Há muita crítica à internação compulsória quando se fala de uma política sobre drogas.

O médico que não internar compulsoriamente quem está em risco de vida comete o crime de omissão de socorro, está no Código Penal desde 1940. O Estado tem que intervir para salvar a vida. Qual será o método? Os médicos é que vão decidir. Não é uma decisão acadêmica ou filosófica nossa. Não é uma política de solução geral.

Existe consenso no uso de medidas extremas para salvar vidas, mas é uma minoria dos dependentes que se encontra em risco de morrer. O que fazer com a maioria?

A política do ministério é ser eficaz caso a caso. Para uns, a comunidade terapêutica será suficiente. Outros precisarão de psicólogo, outros de psiquiatra e outros vão precisar de internação. Cada setor do governo vai fazer o seu pedaço. Meu pedaço, com o apoio de outros ministérios, é o das comunidades terapêuticas. Vamos financiar 20 mil vagas, buscando entidades públicas e privadas que se proponham a tratar cientificamente e responsavelmente os dependentes químicos. E também fazer uma campanha em meados de junho de prevenção, voltada aos adolescentes.

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O senhor não teme focar a política em comunidades terapêuticas, que são frequentemente denunciadas por maus-tratos e tratamentos sem embasamento científico?

O edital para seleção vem detalhado, com critérios para aferir e mensurar a competência, a correção do trabalho que está sendo feito. E os médicos vão supervisionar, sejam os da comunidade terapêutica ou contratados. Tem o Ministério Público para supervisionar, os agentes das secretarias de Saúde e outros envolvidos.

O uso de maconha deveria ser descriminalizado no Brasil?

Não. Nenhum país resolveu descriminalizando. Há uma imensa literatura pró e contra. Quem tem que fazer essa discussão é o Congresso Nacional.

Não é o Supremo Tribunal Federal

Não, porque decisões de 6 a 5, de 8 a 3, não convencem. Acho que o grande debate não se põe numa casa de 11, mas no Congresso Nacional. Eles é que têm que encontrar a medida.

Por que o senhor é contra a descriminalização?

Nenhum país reduziu o consumo de drogas descriminalizando. Há uma grande experiência nos Estados Unidos que precisa ser observada. O estado de Washington, que perdeu muitas empresas, liberou a maconha para atrair turistas. A Califórnia recentemente liberou a maconha para entretenimento. Temos que ver quais são as consequências de médio e longo prazo nesses países. No Uruguai, só aumentou o tráfico e a violência. Não há receita pronta. Tem que ver o que funcionou aqui, o que não funcionou ali.

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Então o consumo deve continuar sendo crime?

Tem que continuar havendo a repressão, a figura criminógena. Agora não é definir o crime dessa ou daquela maneira, o mais importante é ter uma política firme de apoio e recuperação das pessoas. E implica também, do lado da segurança pública, uma repressão eficaz ao tráfico.

Críticos apontam que a lei atual leva muito usuário a ser confundido com traficante.

Mas nenhum país resolveu dessa maneira (descriminalizando). O que a jurisprudência poderia colocar com mais clareza é qual o volume de maconha que, você levando, é uso próprio e não é tráfico. Atualmente, alguns ministros do Supremo consideram 25 gramas. O problema é que, se essa pessoa faz dez viagens por dia, são 250 gramas, aí virou traficante.

A manutenção da legislação atual não leva muita gente às prisões desnecessariamente?

Não necessariamente. Com um Ministério Público engajado, uma Defensoria Pública engajada, você pode ter outros mecanismos antes do encarceramento, outro tipo de recolhimento. O juiz pode determinar que o sujeito se interne numa comunidade terapêutica ou faça outro tratamento. E há casos que são mesmo de encarceramento, quando é um criminoso contumaz. É preciso diferenciar o que está mais comprometido com o consumo e o que está mais comprometido com a distribuição e venda. Há muitos magistrados fazendo isso com sucesso Brasil afora.

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#PraCegoVer: Fotografia do Ministro da Justiça, Torquato Jardim. Créditos: Jorge William – Agência O Globo.

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