Spice: a droga sintética que se tornou uma “epidemia letal”

Duas mãos segurando um leque de várias embalagens diferentes de canabinoides sintéticos. Spice.

O consumo das chamadas novas substâncias psicoativas (NSP), como os canabinoides sinteticos (spice), diminuiu bastante em Portugal com o fechamento das smartshops, mas há países onde continua a ser preocupante. As informações são do jornal Diário de Notícias.

Spice é o nome dado aos canabinoides sintéticos que, a par das catinonas e seus derivados, eram antes de 2013 apresentados como fertilizantes e vendidos nas smartshops em Portugal. Com o fechamento destas lojas, o seu consumo terá diminuído consideravelmente no país, bem como em outros países da Europa, mas há locais onde continua a ser preocupante. É o caso dos EUA e da Grã-Bretanha, onde continuam a surgir relatos dramáticos relacionados com o consumo desta droga, que apresenta um elevado poder aditivo, efeitos imprevisíveis e perigosos.

“No início pensei que ele podia estar morto. O homem não tinha mais de 40 anos (…) Durante um tempo, ele ficou completamente imóvel, com os braços estendidos e os joelhos dobrados contra o peito.” O episódio foi relatado recentemente por John Harris, cronista do The Guardian , que fala numa “epidemia letal” alimentada pela austeridade na Grã-Bretanha.

Em agosto, quase cem pessoas sofreram uma overdose relacionada com esta substância em New Haven, nos EUA, o que levou as autoridades que tratam da prevenção do consumo de drogas a intensificar as campanhas de sensibilização. Anteriormente, a Rússia esteve em alerta, contabilizando dezenas de mortes e centenas de pedidos de ajuda relacionados com a spice.

Leia mais: K2 causa overdose de quase 100 pessoas na cidade de New Haven, nos EUA

Estas drogas, designadas “novas substâncias psicoativas” (NSP), surgiram em Portugal e em outros países europeus com maior dimensão a partir de 2005. “Em 2012, e após a análise das autoridades de saúde relativamente a casos de utilizadores com episódios agudos de doença por consumo de NPS, tornou-se mais evidente que o consumo destas substâncias consubstanciava um problema de relevo em termos sociais e de saúde pública, designadamente pela ausência de controle sócio-sanitário e legal“, lembra Graça Vilar, responsável pela Direção de Serviços de Planeamento e Intervenção (DPI) do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

Em 2013, foi proibida a venda, a distribuição e a publicidade destas substâncias, o que levou ao encerramento das smartshops. Com isso, adianta Graça Vilar, “o fenômeno de NSP terá diminuído consideravelmente em Portugal” – a prevalência de consumos nos jovens portugueses é menor do que nos jovens europeus. No entanto, prossegue, “isso não implica que o consumo declarado de NSP tenha deixado de ser relevante, em especial pelos efeitos na saúde dos utilizadores”.

De acordo com a investigação feita até ao momento, os efeitos dos canabinoides sintéticos são comparados aos dos canabinoides tradicionais (como por exemplo, a marijuana), mas “tendem a ser mais exacerbados, o que, em termos de efeitos para a saúde, torna o uso destas substâncias como menos previsível e potencialmente mais lesivo”.

Não são raros os relatos de pessoas que dizem que os consumidores de spice agem como zombies. A diretora do DPI refere que “os sintomas mais reportados envolvem uma aceleração aguda do ritmo cardíaco e vômitos, bem como vários outros do espectro psiquiátrico, entre os quais alterações do humor e da percepção, sintomas psicóticos (designadamente ansiedade extrema, confusão, atividade delirante e alucinatória), comportamentos violentos e pensamentos suicidas”. A longo prazo, os efeitos não são totalmente conhecidos, mas são “predominantemente referidas perturbações cardiovasculares e renais, bem como doença psiquiátrica de evolução mais prolongada”.

Leia: Canabinoides sintéticos causaram mais de 110 sangramentos graves nos EUA

Disponível na darknet

Embora as smartshops tenham fechado, estas substâncias continuam a estar disponíveis na chamada darknet. Segundo Graça Vilar, “no âmbito do Mecanismo de Alerta Rápido promovido pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, foram identificados em 2017, em Portugal, 16 canabinoides sintéticos distintos e 15 no ano anterior”. Frequentemente, o consumo surge associado a outras substâncias. “Em 2016, por exemplo, verificaram-se pelo menos quatro óbitos em território nacional com a presença de NPS (não necessariamente spice) em associação com outras, como álcool, canábis, morfina e benzodiazepinas”. Nas urgências hospitalares, os médicos nem sempre conseguem descortinar se os episódios se devem “a esse tipo de substância, a outras ou a uma complexa interação entre ambas”.

No texto publicado no The Guardian, John Harris lembra que, nos contextos de instabilidade e insegurança, tendem a surgir novas drogas viciantes, fortemente sedativas.

Graça Vilar reconhece que “a maior ou menor utilização de substâncias psicoativas, em geral, não é seguramente isenta da influência de um conjunto de variáveis que modulam a saúde das populações, entre as quais a conjuntura socioeconômica, a esfera ocupacional e laboral, as redes de suporte social à estabilidade socioafetiva, isto além de uma multiplicidade de fatores de vulnerabilidade de natureza individual”. Contudo, afirma, “no caso das NPS, os poucos estudos disponíveis têm salientado que as mesmas parecem ser recurso sobretudo na ausência das substâncias ditas tradicionais (lícitas ou ilícitas), não sendo, na maior parte das situações, primeira escolha de consumo”.

#PraCegoVer: fotografia (de capa) de duas mãos segurando um leque de várias embalagens diferentes de canabinoides sintéticos.

Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!