QUANTIDADE DE MACONHA OU CIRCUNSTÂNCIAS

Crise nos presídios e proibição da erva têm relação? Na coluna dessa semana, o advogado e ativista André Barros expõe esse sistema punitivo que encarcera milhares de pessoas com menos de 100 gramas de maconha, superlotando cadeias com usuários e growers que não deveriam estar ali. Tá na hora de mudar esse jeito de agir!

No início do ano, ocorreram várias rebeliões em presídios, com cenas terríveis de decapitação, que expuseram a realidade das superlotadas cadeias brasileiras. Tragédias escondidas pelos muros das penitenciárias tornaram-se públicas pelas gravações de celulares.

A população ficou estarrecida e o sistema penal punitivo começou a procurar alternativas paliativas. Matérias jornalísticas e pesquisas acadêmicas demonstraram que houve um avassalador crescimento da população carcerária desde que entrou em vigor a lei 11.343, em 2006. Milhares de pessoas presas com menos de 100 gramas de maconha acabam por superlotar as cadeias e, nos presídios femininos, os casos chegam à metade das detentas.

Assim que as rebeliões cessaram, o assunto caiu novamente no esquecimento. Mas os tribunais não mudaram nada: continuam prendendo e condenando os usuários e os pequenos comerciantes como traficantes. Nenhuma decisão judicial enfrentou a questão da prova material do crime de tráfico. Poderiam ter decidido qual é a quantidade adequada à criminalização do porte de maconha para consumo ou tráfico.

Os tribunais punem como tráfico apenas pelas circunstâncias, mesmo com pequena quantidade e depois das escandalosas cenas de horror nos presídios brasileiros. Mesmo quando porta pequena quantidade de maconha e poucas notas de dinheiro, se a pessoa está desempregada e a erva está guardada em partes, supõe-se que se trata de traficante, pois ela não poderia comprar. Se ela possui tesoura e sedas, esses podem ser considerados material de endolação.

Nos casos de plantadores de maconha, a história é sempre a mesma: o “grower” abre a porta de sua casa, leva a polícia até a sua pequena plantação, pensando que não vai dar em nada. Ledo engano, a polícia junta galhos, tesouras, durex, papeis ou sacos plásticos e afirma que tudo isso é material de endolação. Balança, flores diferentes guardadas separadamente em vidros fechados e qualquer nota de dinheiro são considerados provas cabais de tráfico. Todos esses objetos poderiam ser encontrados em qualquer casa, porém, no caso de plantador, sem que apresentem um comprador sequer, transformam-se em provas do crime de tráfico.

A natureza e a quantidade da substância deveriam ser consideradas a prova material do crime, como estabelece o § 2º do artigo 28 da Lei 11343/2006. Não conheço uma decisão judicial que estabeleça qual é a quantidade para caracterizar o tráfico de maconha, mesmo depois de todas as notícias de pessoas presas com pequena quantidade da erva.

Por conta disso, a Marcha da Maconha do Rio de Janeiro deste ano, que vai sair às 4:20 da tarde do Jardim de Alah, em Ipanema, tem como bandeira: “solta o preso”.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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