Qual a relação entre uso de maconha e doenças cardíacas?

A relação da maconha com as doenças cardíacas ainda é uma incógnita para muitos pesquisadores, pois pode causar hipotensão e arritmia, ao ativar os receptores canabinoides CB1, ao mesmo tempo em que pode ter efeitos anti-inflamatórios com a ativação de outros receptores. Contudo, no final os benefícios medicinais são muito superiores. As informações são do UOL.

Estudos realizados nos Estados Unidos em 2017 indicam que o uso de maconha pode elevar o risco no aparecimento de doenças cardíacas. De acordo com a pesquisa promovida pelo National Institutes of Health (NIH), a ativação dos receptores canabinoide 1 (CB1) nas células do sistema cardiovascular pode causar hipotensão e arritmia, além de, em caso de altas doses, promover mudanças crônicas nesses receptores, que resultariam em patologias como aterosclerose, diabetes e síndrome cardiometabólica.

Um dos integrantes da equipe que promoveu o estudo, Pal Pacher defende o banimento de canabinoides sintéticos, criados em laboratórios para emular os efeitos do THC, o princípio ativo da maconha. O pesquisador afirma que são de 100 a 200 vezes mais potentes esses tipos de agonistas, substâncias capazes de se ligarem a receptores celulares para ativá-los e causar uma reação biológica.

“Em contraste com o THC, que é um agonista parcial, o canabinoide sintético é um agonista total e muito viciante”, afirma. Além dos efeitos cardiovasculares, o pesquisador lista outras possíveis complicações, como para o sistema nervoso central (delírios, alucinações e tonturas) e lesão renal aguda.

Já um trabalho publicado pelo Einstein Medical Center indica que o uso contínuo de maconha eleva em 26% o risco de AVC e em 10% o de falha cardíaca. Foram analisados 20 milhões de fichas de pacientes entre 18 e 55 anos, que deram entrada em hospitais norte-americanos nos anos de 2009 e 2010. Do total, 316 mil, ou 1,5%, apresentavam na corrente sanguínea resquícios de THC.

Consumidor compra maconha em uma loja de Oakland no primeiro dia de comercialização da erva legalizada na Califórnia. Foto: Mathew Sumner – AP Photo.

Membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Rui Ramos afirma ser raro que usuários confessos de maconha relatem alterações nas funções cardíacas, mas pondera que esses casos existem e que identificar essa relação em brasileiros poderia ser maior. Enquanto nos Estados Unidos é permitido fazer exame de drogas sem a permissão do paciente, no Brasil é proibido.

Para Ramos, pessoas que apresentam cardiopatias deveriam evitar a substância. “O THC é um desencadeador. É um fator de risco para quem tem doença arterial coronariana, angina, possibilidade prévia de infarto”, disse. Também de acordo com ele, não existem trabalhos acadêmicos no Brasil que relacionem o uso de maconha com doenças do gênero.

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Maconha medicinal

Doutor em Neurologia-Neurociências pela Unifesp, Renato Filev não acredita que essas pesquisas recentes impactem programas de estudo que envolvam o uso farmacológico do THC. “Toda droga tem um efeito colateral, mas já foi constatado potencial terapêutico da substância para doenças neurológicas, Mal de Parkinson, Mal de Alzheimer, câncer, aids, entre outras. Não nos prejudica, até aumenta nossa capacidade de investigar”, afirma.

O pesquisador diz que vai participar de um estudo em 2018 que testará em usuários de crack um tratamento à base de canabinoide e que só serão aceitos pacientes que estiverem com as funções coronarianas em bom funcionamento. “Todos os candidatos vão passar por um eletrocardiograma. Essa metodologia foi proposta antes da publicação do estudo de Pacher, em setembro”, conta.

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Jovem deleita-se com maconha legalizada adquirida em uma farmácia em Montevidéu, Uruguai. Foto: Matilde Campodonico – AP.

Em acordo com o trabalho do NIH, Filev diz que a dose de THC é fundamental para desencadear qualquer efeito adverso. “O indivíduo que não faz uso rotineiro vai apresentar uma resposta diferente daquele que faz ingestão habitual”, diz.

O próprio Pacher lembra que a maconha pode ter consequências conflitantes. “O THC também pode ativar os receptores canabinoide 2 (CB2), anti-inflamatórios às células imunes, o que pode contrabalançar algumas das consequências indesejáveis crônicas da ativação do receptor CB1 – com exceção dos efeitos cardiovasculares agudos. Em grande parte, vai depender da dose, da sensibilidade individual e da preexistência de doenças cardíacas, diabetes, obesidade etc”, afirmou.

O pesquisador sugere que mais trabalhos para investigar os efeitos da substância sejam feitos. “São necessários ensaios clínicos bem controlados com cepas padronizadas de maconha medicinal e THC puro para determinar seus benefícios médicos reais e possíveis consequências adversas a longo prazo”, afirmou.

Ainda assim, Pacher alerta: “Baseado em dados pré-clínicos, casos relatados, pesquisas disponíveis e o aumento do teor de THC na maconha, minha previsão é que o uso recreacional pode causar severos problemas à saúde, não só ao sistema cardiovascular”.

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