Promotores de grandes cidades americanas estão deixando de processar casos de maconha

Fotografia em vista superior de uma algema junto a uma folha de maconha, e ambas sobre uma ficha criminal preenchida com impressões digitais em tinta preta.

A legalização da maconha avança nos EUA e junto com ela uma mudança cultural das promotorias públicas de grandes cidades, que estão deixando de processar casos de posse de maconha e mudando o foco para o combate de crimes violentos. As informações são do New York Times e a tradução da Smoke Buddies.

Baltimore tem a maior taxa de homicídios entre as grandes cidades dos EUA e uma das relações mais rompidas entre a polícia e seus cidadãos. Apenas um em cada quatro homicídios foi resolvido no ano passado. E a aplicação das leis de maconha na cidade recai quase que exclusivamente sobre os afro-americanos.

Diante desse terrível conjunto de fatos, a promotora pública da cidade anunciou na terça-feira (29) que não se importará mais com casos de maconha, uma medida controversa que, segundo ela argumentou, melhoraria as relações entre a polícia e a comunidade e permitiria que a lei dedicasse mais tempo a crimes violentos.

“Se você perguntar à mãe cujo filho foi morto, onde preferiria que gastássemos nosso tempo e nossa atenção – em resolver esse assassinato, ou processar as leis da maconha -, é óbvio”, disse Marilyn Mosby, advogada de Estado de Baltimore. Ela prometeu em uma coletiva de imprensa não mais processar o porte de maconha, independentemente da quantidade ou antecedentes criminais, e disse que tentará reverter quase 5.000 condenações.

A mudança da Sra. Mosby coloca-a em uma vanguarda de promotores de grandes cidades, incluindo Kim Foxx em Chicago, Larry Krasner na Filadélfia, Cyrus R. Vance Jr. em Manhattan e Eric Gonzalez no Brooklyn, que estão se afastando dos casos de maconha, declarando-os em grande parte fora dos limites e, em alguns casos, chegando a limpar antigos mandados ou condenações dos registros.

Muito do seu raciocínio soa familiar a partir das muitas campanhas estaduais que resultaram em legalização total: a maconha, dizem eles, não está ligada a crimes violentos. Reforçar sua proibição é um desperdício de recursos, e deixa milhares de pessoas com condenações criminais que impedem sua busca por empregos e moradia.

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Mas cada vez mais, outro argumento está se infiltrando: deixar os casos de maconha realmente torna as comunidades mais seguras, mudando o foco para o combate da violência e desembaraçando um legado de discriminação racial, permitindo germinar sementes de confiança nos bairros onde a principal queixa dos policiais é que ninguém quer ajudá-los a resolver os crimes.

“Como é que vamos esperar que as pessoas queiram cooperar conosco”, disse Mosby em uma entrevista em seu escritório na segunda-feira, “quando você está parando, está revistando, está prendendo gente por porte de maconha?”.

A polícia de Baltimore não compartilha de sua opinião, no entanto, e a resposta ao seu anúncio imediatamente lançou dúvidas sobre o quão eficaz seria. A prefeita, Catherine E. Pugh, aplaudiu a tentativa de Mosby de abordar a “criminalização desnecessária” dos usuários de maconha, mas não chegou a endossar a nova política.

O comissário interino de polícia, Gary Tuggle, disse que não dirá aos policiais que parem de fazer prisões por maconha.

“Sem a polícia, isso é apenas um teatro político”, disse Thiru Vignarajah, um ex-procurador-geral adjunto de Maryland que concorreu contra a Sra. Mosby nas primárias democratas de 2018. O Sr. Vignarajah observou que muitos dos que são encontrados com maconha nos dias de hoje recebem apenas citações e são autorizados a seguir seu caminho.

Mais de 90% das citações de maconha entre 2015 e 2017 foram emitidas para os cidadãos negros, que compõem cerca de dois terços da população.

Outros críticos do movimento da promotora de justiça disseram que o anúncio foi pouco, e tarde demais. Tre’ Murphy, um ativista comunitário do Black Leaders Organizing for Change, inicialmente expressou seu apoio. “Uau, é uma grande reforma”, disse ele. Mas alguns momentos depois, seu ceticismo se instalou, e ele se perguntou por que isso não acontecera até o segundo mandato de Mosby.

“Eu não acho que podemos nos dar ao luxo de esperar por esses longos períodos de tempo”, disse ele. “Até reconhecermos o dano que muitas dessas políticas causaram e reconstruir essas instituições do zero, as pessoas nunca confiarão nela”.

O primeiro mandato de Mosby foi marcado por uma série de escândalos policiais épicos, que a colocaram em conflito com o departamento. Outros promotores em todo o país avançaram mais rapidamente sobre o assunto.

Em Chicago, a Sra. Foxx disse que seu escritório irá se desfazer de todas as condenações por contravenções de maconha. No condado de St. Louis, Wesley Bell não processará casos de maconha envolvendo quantidades inferiores a 100 gramas. Em Boston, Rachael Rollins prometeu parar de processar a posse de drogas e a posse com intenção de distribuição, junto com outros 13 crimes.

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Os defensores da descriminalização aplaudiram as novas regras de Mosby. As pessoas não serão processadas por possuírem maconha, e não serão acusadas pela distribuição ou intenção de distribuir somente com base na quantidade – também deve haver outros indicadores de tráfico de drogas, como balanças ou sacolas plásticas.

“Isso é meio que dar o próximo passo, de uma maneira consistente como as pessoas realmente usam quando não estão tentando lucrar”, disse Jolene Forman, uma advogada sênior da Drug Policy Alliance.

Mosby disse que as pessoas acusadas de crimes de distribuição pela primeira vez serão automaticamente encaminhadas para um programa projetado para ajudá-las a entrar no mercado de trabalho. A conclusão bem sucedida do programa de dois anos pode resultar em expurgação do caso.

A nova política não se aplica nos casos em que um réu enfrenta múltiplas acusações, como a posse de maconha e de uma arma, disse Mosby.

Mosby disse que seu gabinete também tentará aprovar um estatuto que torna menos complicado para os promotores anularem uma condenação quando as circunstâncias o justificarem.

Departamentos de polícia e sindicatos às vezes resistem a esses amplos usos de critérios do promotor, dizendo que eles desafiam a intenção dos legisladores. Mosby disse que quando ela informou ao Comissário Tuggle, “Ele disse que achava que a maconha gera crimes violentos, e eu expliquei a ele que esse não é o caso”.

Após seu anúncio, o comissário interino divulgou um comunicado confirmando que as prisões continuarão “a menos que a legislatura estadual mude as leis aplicáveis”. Um novo comissário de polícia, Michael Harrison, do Departamento de Polícia de Nova Orleans, chegará no próximo mês – a quinta pessoa a chefiar o departamento desde que a Sra. Mosby assumiu o cargo.

Em 2016, o Sr. Harrison adotou publicamente uma mudança legal que permitiu que a polícia de Nova Orleans manipulasse a maioria dos casos de porte de maconha, emitindo uma intimação, e disse que os policiais teriam que obter permissão para realizar prisões nesses casos.

Em Baltimore, a polícia tem poucos motivos para afirmar que o status quo está funcionando bem.

Primeiro, houve o caso chocante do grupo de elite Gun Trace Task Force, cujos membros roubaram moradores e plantaram provas. Depois, houve os vídeos bodycam que mostraram os policiais encenando a descoberta de evidências. Uma investigação recente do Buzzfeed e do TheTrace.org examinou o fracasso do departamento em resolver, ou em alguns casos até investigar, tiroteios.

A credibilidade do departamento é tão esfarrapada que, em abril, quando o próprio comissário de polícia testemunhou que havia encontrado uma arma carregada no porta-luvas de um motorista, e o júri absolveu o homem.

Um acordo com o Departamento de Justiça para corrigir as disparidades raciais sistêmicas e o uso excessivo da força provou ser um desafio. Na semana passada, o juiz responsável pelo acordo disse que o departamento parecia ter uma “cultura de timidez” quando se tratava de enfrentar a corrupção.

Mosby foi chamada de uma figura divisiva, particularmente depois que ela lidou com o caso de Freddie Gray, cuja morte por ferimentos sofridos sob custódia policial provocou semanas de agitação. Mosby acusou seis policiais pela morte, e depois – após um júri suspenso e três absolvições – desistiu da acusação, culpando o que ela chamou de falha do Departamento de Polícia em conduzir uma investigação imparcial.

Mas no ano passado, ficou claro que Mosby entendia sua base: comunidades na cidade que estavam repletas de pequenas infrações e desprotegidas da violência, com crimes graves sem solução em seus bairros.

Nas primárias de 2018, ela derrotou o Sr. Vignarajah e outro opositor, Ivan Bates, por amplas margens, e não teve oposição nas eleições gerais.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em vista superior de uma algema junto a uma folha de maconha, e ambas sobre uma ficha criminal preenchida com impressões digitais em tinta preta.

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