PROFESSOR THCPROCÊ DA MACONHA

O caso de Sérgio Delvair, mais conhecido como THCPROCÊ, é um dos mais emblemáticos quando pensamos em prisões de usuários como traficantes. André Barros, advogado e ativista, teve o grande prazer de encontrá-lo por duas vezes em eventos paulistanos. E sobre esses encontros e, claro, sobre o caso de THCPROCÊ que André fala em sua coluna de hoje: “THCPROCÊ deveria ser condecorado por ensinar as pessoas a plantar nesse mundo que vem destruindo sua própria natureza, ainda para mais fins medicinais e com o lema: PLANTAR PARA NÃO COMPRAR”. Entenda mais abaixo.

Neste bimestre, tive a honra de ser convidado e participar de duas feiras magníficas da cultura cannábica no Estado de São Paulo. O Ganja Talks na Vila Madalena, na capital, e o Head Shop Grow, em Campinas. Nos dois eventos fui convidado como palestrante junto com o meu amigo Sérgio Delvair, o grande THCPROCÊ.

Recebi de suas mãos, em Campinas, com direito a autógrafo, “PRESO POR PLANTAR PARA NÃO COMPRAR”. Logo que cheguei ao Rio de Janeiro, não consegui parar e acabei de ler seu livro no mesmo dia. Um relato fabuloso da realidade do sistema penitenciário do Distrito Federal e do Brasil. Conheço muito bem as penitenciárias do Rio de Janeiro, onde sou vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, e do Distrito Federal, pois fui presidente da Comissão de Direitos Humanos do DF de 2001 a 2003, quando morei na capital do Brasil. De tudo que já vi e li, creio que este é o relato mais forte e atual sobre a sobrevivência numa penitenciária brasileira.

Em 16 de junho de 2016, por volta de 6 horas da manhã, THCPROCÊ foi preso na sua própria casa em operação do D.O.E. (Departamento de Operações Especiais) com enorme helicóptero, luzes e policiais fortemente armados. Sobreviveu 5 meses e 15 dias no Centro de Detenção Provisória no Complexo da Papuda em Brasília, onde presos em regime fechado aguardam julgamento.

THCPROCÊ desenvolveu um método para plantar maconha, obter sementes de suas próprias plantas e se libertar das relações com o tráfico. Fez dessa relação com a plantas sua missão e gravou inúmeros vídeos compartilhando seu saber, como sempre afirmou, para combater o tráfico de drogas de graves consequências sociais. Enviava sementes pelos correios para maiores de 18 anos e uma cartilha explicando como plantar.

THCPROCÊ jamais vendeu semente nem maconha e isto foi atestado até pelos policiais, que fizeram campana de dois dias em sua casa e não viram qualquer movimentação. THCPROCÊ tem 52 anos, renda comprovada e duas empresas, uma de Tecnologia da Informação e outra de Sistemas de Segurança Eletrônica. Foi professor do SENAC e do SENAI por alguns anos. Como nunca teve qualquer intenção e nem vendeu semente nem maconha, jamais poderia imaginar que seria tratado como um perigoso traficante.

Deve-se consignar que a semente de maconha não contém tetrahidrocanabinol, a substância proibida. Sua conduta é atípica, pois a lei estabelece no caso de plantação duas situações que não se adequam à maconha, muito menos a sementes, previstas nos incisos I e II do parágrado § 1º do artigo 33 da Lei 11343, que são, respecitvamente, remeter, ainda que gratuitamente, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; ou semear, cultivar ou fazer a colheita de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas.

Semente não é matéria-prima, insumo nem planta. Matéria-prima sempre deve ser relacionada a algo que é produzido. A madeira é a matéria-prima de uma cadeira. Mas a semente da árvore da qual se extrai a madeira não pode ser considerada matéria-prima. Trata-se de uma interpretação jurídica teratológica considerar semente a matéria-prima para preparação de drogas.

THCPROCÊ deveria ser condecorado por ensinar as pessoas a plantar nesse mundo que vem destruindo sua própria natureza, ainda para mais fins medicinais e com o lema: PLANTAR PARA NÃO COMPRAR. Mas não, ele foi colocado num local, como ele mesmo descreveu, onde teve de dormir espremido, tomando banho gelado, defecando na frente dos outros, respirando merda e gás de pimenta, trocando socos e pontapés, sendo ameaçado de morte e vendo pessoas morrerem na sua frente por descaso do sistema penal.

Enquanto o mundo vem legalizando a maconha para fins medicinais e sociais, no Brasil, cultivadores, que compartilham conhecimento e doam sementes, são presos e processados como traficantes!

Revisão Marta Bonimond

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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